Na minha última noite em São Paulo eu estava voltando pra casa levemente bêbada de um jeito que era leve e alegre, mas foi ficando cada vez mais melancólico enquanto atravessava a transferência da linha amarela para a linha verde do metrô. Estava tocando Two Ghosts enquanto esperava o trem na plataforma semi-deserta sentido Vila Madalena e aí eu fiz uma coisa ridícula que costumo fazer nesses momentos, principalmente quando estou meio bêbada, que é olhar pra minha vida como se ela fosse um filme -- uma comédia romântica, mais especificamente.
Com as pernas esticadas no banco na minha frente e a cabeça encostada no vidro, o vagão praticamente vazio; seria uma cena bem mais longa do que o necessário (é claro que estou copiando a melhor cena de Master of None), porque nada acontece, e a única coisa que dá a dica de que aquilo é importante e existe algo acontecendo (sentimentos!! nem sempre bons!!!) seria a trilha sonora. We're not who we used to be.
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Esses dias perguntei no Twitter qual cena tocaria na comédia romântica das pessoas, naquela cena de abertura com a mocinha andando na rua em uma grande cidade, com um copo de café na mão, indo pro trabalho. Parece idiota, mas eu penso muito sobre isso -- o suficiente pra idealizar meu filme que começa com Portions For Foxes de trilha sonora e eu usando um casaco perfeito -- e fiquei feliz e surpresa demais com as respostas, porque as pessoas compraram a brincadeira e dividiram comigo os roteiros elaborados da versão cinematográfica das suas vidas, que sempre surge como um retrato perfeito de quem o imagina.
Tipo a minha, que se fosse comparar com algum filme que já existe, seria One Fine Day. Eu já devo ter falado sobre isso aqui antes, mas One Fine Day é a minha comédia romântica perfeita porque é a história de uma mulher cansada e sobrecarregada (meu constante estado de espírito) vencendo um dia HORRÍVEL (com direito a confusão na chuva, roupa manchada de comida e homens que só decepcionam) pra ter seu grande final feliz dormindo aninhada no George Clooney quando finalmente chega em casa. E tem o beijo deles, o único do filme, que é simplesmente o Melhor Beijo, mas minha parte preferida ainda é quando os dois dormem juntinhos porque viver cansa demais e eu só queria viver um amor tranquilo.
Alguns dias depois perguntei qual é a música da cena de derrota de cada um, com a mocinha voltando pra casa depois de um dia horrível ou fugindo de péssimas escolhas como uma criança assustada, num clássico momento Vienna particular. A minha é I Try, da Macy Gray, e semana passada estava chegando no consultório da minha analista quando levei um tombo ridículo e acabei me machucando muito. Comecei a rir de nervoso quando a moça que tava do outro lado da rua veio me ajudar, eu com sangue escorrendo no joelho, toda uma cena, e dava pra ouvir I Try ainda saindo dos fones, porque era o que tocava na hora que caí. Voltando pra casa ainda peguei a maior chuva, que entrava em jatos horizontais pela janela do ônibus que ninguém conseguia fechar, e a mesma sandália que me fez cair foi responsável por eu chegar em casa mancando e com os pés molhados.
Quando fechei a porta atrás de mim tive um ímpeto (ao qual não cedi, juro) de começar a chorar e ir escorregando até sentar no chão. Eu nem tava tão triste assim mas, sei lá, a cena pedia.
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Na mesma semana que fiz a interativa no Twitter saiu a retrospectiva musical do Spotify. De acordo com as estatística do serviço, em 2017 eu ouvi 31.800 (!) minutos de música (o equivalente a 530 horas ou 22 dias inteiros e alguns minutos) e os principais artistas, para a surpresa de ninguém, foram Wilco, One Direction e Lorde. As principais músicas foram I Try (HAHAHAH); Your Best American Girl, porque eu ainda não superei esse refrão; Two Ghosts (HAHAHAHAHAHAHA); Volta, que nesse filme que inventei na minha cabeça seria uma música pra tocar na primeira dança do casamento enquanto passa um supercut de cenas fofas do relacionamento, estilo rolleiflex ("as cervejas no começo, a gente se deu bem" ♥), embora a parte de ter alguém indo embora seja meio difícil de explicar; e The Louvre, da Lorde, que é perfeita para começos -- não necessariamente de um filme, mas de um romance.
Diferente do que acontece quase todo ano, não consegui escolher um único álbum pra ser o meu favorito de 2017, mas quando paro pra pensar tudo me remete ao Melodrama, como se ele fosse uma incessante música de fundo na minha cabeça. Segunda estava andando de bicicleta no fim do dia e eu o Matheus começamos a pensar qual música estaria tocando se aquele momento fosse um filme: ele disse Green Light, eu falei Supercut (mas a resposta certa era Baby, na versão dos Mutantes). Andar pela cidade ouvindo The Louvre e Supercut, ser a própria escritora no escuro, chorar com Liability mais vezes do que gostaria de admitir, olhar pela janela, pelo mirante, para o mar e para o escuro de alguns abraços e pensar em Perfect Places. Um filme inteirinho em 11 faixas e (quase) 365 dias.
E aí teve o disco do Harry, claro, com Sign of the Times, que deveria ser eleita como o hino oficial de 2017 em escala mundial e Meet Me in the Hallway, que tocaria nos meus créditos finais, tipo as temporadas de Mad Men que terminam sempre com uma música perfeita (e aparentemente vou terminar 2017 sem terminar Mad Men). From The Dining Table, que encerra o álbum, também seria uma escolha adequada, mas meu fim de ano está tão anticlimático que estar sozinha num corredor é uma metáfora mais adequada do que um quarto de hotel.
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A Clara disse que se eu fosse um filme eu seria uma comédia romântica hollywoodiana adorada pelo público (One Fine Day!!!), e é mesmo meu sonho viver numa história escrita e dirigida pela Nora Ephron, com produção e direção de arte feita pela Nancy Meyers, dessas bem clichês em que o casal se beija quando toca Sixpence None The Richer e todo mundo é simplesmente bonito demais. Eu gosto de comédias românticas porque adoro ver as pessoas se apaixonarem e também porque gostar de alguém é a coisa mais próxima de mágica que a gente vive no mundo real (que é o que me faz gostar também de astronomia e do fundo do mar, em notas mais ou menos relacionadas). Esse gostar não precisa nem ser necessariamente romântico, tanto que minhas duas rom-coms favoritas do ano não tinham como foco um casal. O mais interessante, pra mim, é como o encontro e o afeto nos transformam, como escreveu a Jumed recentemente.
A primeira foi The Big Sick, escrita pelo ator e comediante Kumail Nanjiani e sua esposa, Emily Gordon, para contar a história do relacionamento dos dois. Como não costumo ler sinopses antes de assistir alguma coisa, fiquei surpresa ao perceber que a personagem de Emily passaria a maior parte do filme num coma induzido por conta de uma infecção bizarra, e o grande relacionamento amoroso da história, na verdade, seria entre Kumail e os pais de Emily. A construção desse novo afeto faz com que ele se reconcilie com sua própria família e com a sua origem paquistanesa, que no fim das contas é também o que permite a ele viver um relacionamento de verdade com Emily.
O outro filme foi Home Again, produzido pela Nancy Meyers com Reese Witherspoon no papel principal. Separada do marido e com duas filhas, a personagem de Reese sai de Nova York e volta a morar em Los Angeles, na antiga casa do pai, que foi um cineasta renomado. Acontecem coisas e ela se vê morando com três caras que conheceu num bar, três jovens com um filme embaixo do braço querendo fazer o sonho hollywoodiano acontecer. Eles são garotos realmente apaixonantes (todos com aquele jeito adorável e bobo de meninos bem criados que me fazem lembrar que gosto de verdade de homens, apesar de tudo) e acho que Reese se apaixonada pelos três da mesma forma como eles se apaixonam por ela, mas não de um jeito romântico ou sexual (ainda que um deles tenha se tornado seu peguete), mas daquele jeito platônico em que o olhar e a atenção de uma pessoa que você admira te faz gostar mais de você. Não tem romance mais importante que esse.
No fim das contas, tentei fazer uma playlist com minhas músicas favoritas do ano inspirada por momentos emblemáticos de rom-coms (me deixem), mas percebi que, infelizmente, não era um sucesso hollywoodiano que estava produzindo. Minha vida se parece mais com um filme indie que no fundo todo mundo odeia porque o final é aberto e você não sabe o que acontece com os personagens. "Mas é a vida!", os defensores argumentam, e ainda que goste mais das minhas comédias românticas bem satisfatórias e com um final feliz, frequentemente me vejo na posição de defender esses filmes meio bosta que são iguais à vida porque preciso de material para idealizar minha própria vida como se fosse um desses.
Outras boas comédias românticas de 2017
O livro The Hating Game, da Sally Thorne: comédia romântica perfeita, com ship enemies to lovers e todos os melhores clichês, deliciosamente extra, divertida e sexy
A coletânea de contos Qualquer Clichê de Amor: especialmente o conto que fecha o livro, Quando Gira o Mundo, da Gabriela Barbosa, que merecia virar minissérie da Globo de tão sensível e engraçado
A série Crazy Ex-Girlfriend, que trabalha duro para mostrar como as narrativas de romance desgraçam nossa cabeça, mas mesmo assim oferece ótimo material para ships como Greg e Rebecca, um shit show em forma de relacionamento (mas eu me afundaria com eles); Darryl e White Josh, meus bolinhos perfeitos e eu e Santino Fontana, um romance que só existe na minha cabeça.
A música mais romance de 2017
Any Party, da Feist, seguida de perto por New Year's Day, da Taylor Swift, e Pretty Little Birds, da SZA
Duas obras que me assombraram dizendo que o amor romântico heterossexual é uma mentira
O filme Como Nossos Pais e o livro Dias de Abandono, da Elena Ferrante
Viu, nem doeu.
Não sei se vocês estão gostando dessa retrospectiva estranha que inventei, e também não sei se vou continuar até o final porque não dei conta de cumprir meu próprio cronograma (lembra que era pra ser um projeto despretensioso?) e também já estou muito cansada de ser produtiva, mas valeu pra mim. Se tiverem vontade, me respondam contando qual a comédia romântica da vida de vocês ou qual música tocaria em algum momento emblemático, vou adorar saber.
Stay beautiful!
Yours truly,
Anna Vitória