Foi tão estranho voltar a ler John Green em 2017.
Ele não publicava nada desde A Culpa É das Estrelas, que saiu em 2012, que foi também quando eu o conheci. John Green era um autor sobre o qual eu nunca tinha ouvido falar, até que fiquei obcecada o suficiente para baixar um PDF de The Fault in Our Stars, mandar imprimir e encadernar (porque 2012 também foi no século passado) porque precisava dele desse tanto. Alguns meses depois eu já tinha outras duas cópias do livro, uma em inglês (autografada, o livro mais cheiroso do mundo) e outra em português, junto com alguns badulaques relacionados à história e um pingente escrito Okay. Por algum tempo, entre 2012 e 2014, pensar em perder aquele colar seria o equivalente a me arrancarem a ponta de um dedo.
Nesse ano eu também li todos os outros livros dele e assisti todos os vídeos dos Vlogbrothers. Eu tinha 18 anos e tinha acabado de entrar na faculdade; tinha tanta coisa nova acontecendo intensamente na minha vida que a febre John Green não poderia ter sido diferente. Ele foi como a paixão arrebatadora que esse tipo de mudança promete e que pra mim veio na forma de um autor que continha em si um pequeno universo permeado por algumas frases bonitas de efeito. Eu li trechos dele em voz alta para pessoas que não estavam tão interessadas assim. Don't forget to be awesome estava nas bordas das folhas de todos os meus cadernos.
Com o tempo, no entanto, nossa relação foi esfriando. Percebi, por exemplo, que meu irmão Green favorito é o Hank, não o John -- coisa que em 2012 eu não acreditava ser possível. Comecei a pensar nos livros mais nos termos das coisas que eu não gostava do que no que me fizera gostar deles pra início de conversa. Li Will Grayson, Will Grayson ano passado e o que mais detestei foram os green-isms que tanto me encantaram um dia e que dessa vez estavam me fazendo revirar os olhos. Reli A Culpa É das Estrelas e decidi que nunca mais releria um livro dele, porque existe algo sagrado naquelas histórias que vão estar pra sempre conectados com a pessoa que fui com 18, 19 anos, e não posso deixar que a Anna Vitória de 23 ou a que vier depois quebre esse encanto.
Todo esse preâmbulo foi pra tentar explicar por que eu estava me sentindo esquisita com relação ao seu novo lançamento, Tartarugas Até Lá Embaixo, que decidi por conta própria chamar de Tartarugas Pra Dedéu ou Tartaruga Pra Caralho. Saí da livraria passando a mão na capa bonita, sentindo o mesmo cheiro tão perfeito e específico dos livros do John Green -- que é exatamente o mesmo em todos os livros -- e o estranhamento veio de pensar em como a vida (e eu) estava radicalmente diferente daquela menina de 18 anos que segurou um livro dele pela primeira vez, de formas que lá em 2012 eu não poderia imaginar. Ao mesmo tempo, eu conseguia enxergar perfeitamente como aquela pessoa de 2012 me fez chegar aqui, um destino que seria impossível sem ela e suas épicas epifanias filosóficas.
Não sei se Tartarugas é meu livro favorito do John Green porque ele não me despertou nem um terço dos SENTIMENTOS!!! que os outros livros dele me causaram, mas aí é preciso considerar que nunca mais vou ter 18 anos e talvez eu só tenha sentido aquelas coisas porque elas são exatamente o que você deve sentir quando tem 18 anos. E falo 18 anos não como marcação exata de tempo, mas sim de um estado de espírito que você pode alcançar aos 18, 25 ou 42, mas é específico e não se repete depois que você passa por ele. Favorito ou não, considero o seu melhor livro, justamente por ser livre da obsessão por grandeza que fez os outros envelhecerem um pouco mal.
Quando falei dos green-isms que me irritavam, o principal deles é que todos os livros do John Green têm uma grande mensagem filosófica por trás. Eles falam sobre grandeza, memória, deixar a sua marca no mundo e viver entre infinitos, e ele consegue construir isso através da história, mas sempre chega uma parte que algum personagem tem uma épica epifania filosófica e isso meio que estraga tudo. Entendo o uso que o John Green faz de suas épicas epifanias filosóficas porque não existe nada mais ADOLESCENTE do que ter epifanias épicas e achar que descobriu todos os segredos da humanidade por causa de uma frase bonita. Mas é só uma frase bonita, por mais que você acredite nela. A vida real é mais complicada que isso.
Tartarugas é perfeito porque é tão... mínimo. Ele reconhece como a vida que você vive parece o mundo inteiro (e o único mundo possível) naquele momento, principalmente quando se é adolescente -- e isso é especialmente importante quando a protagonista é uma adolescente que sofre com um transtorno de obsessivo compulsivo que a confina dentro da própria cabeça -- mas oferece uma perspectiva muito bem vinda de que aquela história é apenas um momento na vida dos personagens, um momento em uma vida que pode ser longa e que ainda vai mudar muito. A trama do livro envolve uma pequena aventura, um milionário desaparecido, um primeiro amor hesitante e uma passagem assustadora pelo hospital, eventos que parecem grandiosos, mas antes mesmo do final do livro eles já não importam tanto assim.
A epifania nem um pouco épica é que a vida continua. Aza sofre com um transtorno mental que vai estar com ela até o fim da vida, às vezes melhor, às vezes pior, mas aquele horror específico daquele momento vai passar; ela vai sobreviver e vai fazer coisas e ter uma vida cheia de momentos bons e ruins, como todo mundo. Pais que morrem cedo demais nunca vão voltar, e sempre vai doer, mas isso não define os personagens. Alguns laços podem ser pra sempre quando você consegue crescer e mudar ao lado de outra pessoa, mas isso é raro. Isso não torna as coisas menos importantes, só as coloca em seu devido lugar. Você lembra do primeiro amor porque ele te ensina que você pode amar e ser amado, mas isso não quer dizer que você vai amar a mesma pessoa, do mesmo jeito, pra sempre. Isso me dá uma paz.
No fundo é a mesmo princípio daquele you gave me forever within the numbered days, mas colocado de uma forma menos épica. Antes minha declaração de amor favorita era a que dizia que o sol vai engolir a única terra que temos e eu estou apaixonado por você, agora gosto mais de pensar que você pode estar apaixonado, mas um dia o sol vai engolir a única terra que temos. O seu agora não é o seu pra sempre.
Vai dar tudo certo, vai dar tudo errado, e depois vai dar tudo certo de novo, até o fim. As personagens do livro não sabem disso, eu também não sabia quando tinha 18 anos, e sei um pouco melhor agora, mas é sempre bom lembrar.
The problem with happy endings is that they're either not really happy, or not really endings, you know? In real life, some things get better and some things get worse. And then eventually you die.
Obrigada pela companhia e por chegar até aqui, ao final do texto e ao final de mais um ano acompanhando o que escrevo. As listas do Valkirias de Melhores do Ano já foram publicadas com algumas contribuições minhas sobre televisão, música, cinema e literatura (em duas partes!) caso você esteja se perguntando onde foi parar o tradicional conteúdo das minhas retrospectivas de fim de ano.
Na primeira edição do ano, falei aqui que fazer metas de ano novo é um exercício assustador de vulnerabilidade porque nos força a assumir que queremos alguma coisa e nos obriga a lidar com um fracasso em potencial. Ainda não tive coragem de reler minhas metas porque sei que não conquistei a maioria delas, pelo menos não as que realmente importavam, e já está doendo o suficiente, mas estou me forçando a tirar alguma dignidade de tudo isso ao pensar que pelo menos tentei todas elas e isso é mais do que posso dizer sobre mim em vários anos passados. 2017 foi difícil e introspectivo, mas também foi o ano que tomei o melhor banho de mar da minha vida. Só cai quem voa, é o que eu tenho anotado nas bordas de cadernos imaginários.
Em 2018, #AvanteNóis, pelo amor de Deus.
Stay beautiful e até o ano que vem!
Your truly,
Anna Vitória
ps.: A Culpa é das Estrelas ainda é o único filme que quero assistir quando preciso chorar por duas horas e sair purificada da experiência.