Hello stranger, como vai você?
Quando era criança, eu costumava calçar os sapatos de salto da minha avó para desfilar com eles pela casa, fazendo barulho no antigo piso de taco. Toc-toc-toc. Se ela estivesse de bom humor, e ela sempre estava, eu pegava também os seus lenços, colares e brincos, e ela passava em mim um pouco do velho blush rosa Chanel que ficava no fundo da gaveta, todo quebrado.
Era essa a brincadeira, vestir todas essas coisas e me sentir mulher. Então eu voltava pra sala e continuava a viver minha vida, e assim ficava até minha mãe chegar para me buscar, não como se eu estivesse fantasiada, mas como se eu finalmente estivesse vestida da forma como achava que deveria ser sempre.
Nas últimas semanas tenho me aprontado um pouco mais para ir trabalhar. O problema não é nem todo mundo pensar que ainda sou estudante, mas é o tanto de gente que jura que eu ainda sou caloura - e sei que ser essa pessoa que está sempre de vestido, tênis ou camiseta de banda não trabalha muito a meu favor. A questão, claro, não está no vestido rodado com tênis ou na camiseta de banda engraçadinha, mas na minha dificuldade de acreditar que sou uma pessoa capaz de fazer todas essas coisas, e não uma criança de quatro anos andando com os sapatos de salto da avó, que muitas vezes fica refletida na minha cara. Seria esse o sentimento que define a vida adulta?
Então eu coloco um lenço bonito no pescoço, passo delineador e deixo os tênis para aqueles dias que eu preciso do conforto emocional que só os meus Adidas oferecem, mas a verdade é que a sensação de estar fantasiada não passa. O mais bizarro de tudo isso é que, ao contrário de mim, aquela Anna Vitória criança tinha certeza de como as coisas deviam ser, de quem ela era, como queria ser e do lugar que ocupava no mundo, o que faz com que agora eu tenha essa teoria de que crescer, na verdade, é ter esse shift de confiança, numa vida em que você chega achando que pode tudo e pouco a pouco começa a acreditar que não pode quase nada, de tão esmagada que fica pelo tamanho do mundo lá fora. Um salto alto perto disso é quase nada.
***
Estar com pessoas é uma parte importante do meu trabalho atual. Estou trabalhando numa campanha política de um candidato a reitor da universidade (eu sei, não tem muito a ver comigo, mas trabalho é trabalho e a verdade é que tô aprendendo muito) (parece chato, mas na verdade é uma fanfic de Parks and Recreation e eu queria muito poder escrever mais a respeito), que carinhosamente me apelidou de sua sombra, porque vou atrás dele em todos os lugares. Isso significa estar sempre em reuniões, encontros, festas e eventos, me apresentando, jogando conversa fora, sorrindo, repetindo o mesmo discurso decorado sobre a quantas anda a campanha, atualizado diariamente com uma pincelada sobre o último acontecimento relevante. Pelo menos umas duas vezes por dia passo pelo constrangimento de estender a mão para cumprimentar alguém que ao mesmo tempo resolve se inclinar pra me dar um beijo no rosto, e aí quando me inclino a pessoa estende a mão, e a gente se resolve no meio do caminho com dois tapinhas cheios de inadequação no braço e um aceno de cabeça que eu faço muita força pra conseguir concluir sem olhar pro chão. Prazer, Anna Vitória. Todo dia isso. Desnecessário desenvolver qualquer analogia.
Na última segunda tive que sair para gravar um povo-fala, aquele tipo de vídeo que junta várias pessoas dando opinião sobre um mesmo tema. Já tive que fazer isso algumas vezes nessa minha vida de jovem jornalista e é sempre a mesma coisa: passo pelo menos as 24 horas anteriores pensando não vou conseguir, não vou conseguir, não vou conseguir e repetindo pra mim mesma você vai sim, você vai sim, você vai sim. Normalmente eu consigo e, enquanto isso acontece, fico eufórica pensando eu consegui, eu consegui, eu consegui e chega a dar um barato ver um trabalho assim dar certo, mas ele dura pouco. Quando passa a adrenalina, começo a pensar nunca mais quero fazer isso de novo, nunca mais quero fazer isso de novo, nunca mais quero fazer isso de novo, porque é tanta energia despendida no processo, tantas barreiras internas que precisam ser quebradas, que a ideia de fazer isso de novo em algum momento é quase como ter que reviver um trauma.
Isso me faz pensar no quanto da vida, pelo menos da minha, é uma performance, todos os dias acordando e vestindo a fantasia de pessoa que consegue lidar com pessoas e com trabalho e com a vida. Não sei onde acaba a introversão e começa a ansiedade, mas uma das descrições mais acuradas que já li sobre o que é ser introvertido tem a ver com o modo como a gente ganha ou perde energia. É bem simples: pessoas extrovertidas se sentem energizadas perto de outras pessoas, pessoas introvertidas vão gradualmente perdendo energia em situações sociais. Tive um almoço de trabalho esses dias que era basicamente uma festa com caipirinha e jogo de vôlei. Passei umas três horas lá, mas cheguei em casa esgotada por todo o tempo que passei conhecendo gente, fazendo small talk e sentindo pânico sempre que a roda que eu estava se dispersava e eu precisava encontrar um outro grupo pra me encaixar sem ter que me encostar num canto sozinha escondida atrás do meu celular.
A maior parte do cansaço que sinto por causa do trabalho é menos por causa do trabalho em si e muito mais por causa das pessoas nas reuniões, nas festas, na rua, do outro lado do telefone, me ligando sem parar. Além disso, tem a paranoia ansiosa de estar fazendo tudo errado o tempo todo. Sou uma fervorosa adepta do fake it until you make it, que é basicamente o conselho que tomei pra vida e que me leva adiante. Funciona, porque uma hora a gente consegue e nessa brincadeira a gente descobre que pode muito mais do que sabia, mas isso tem o efeito colateral de ser cansativo pra caralho. Todos os dias fingindo, atuando, uma criança de salto alto enganando todo mundo.
Chego em casa cansada como se tivesse matado três leões durante o dia. E eu matei. Mas todos eles moravam dentro da minha cabeça.
***
Mas Anna, onde é que as colheres entram nessa história?, você deve estar se perguntando.
A Teoria das Colheres me foi apresentada pela Jenny Lawson, em Alucinadamente Feliz. Ela diz que foi sua amiga quem a inventou. Funciona mais ou menos assim:
A maioria das pessoas saudáveis tem um número aparentemente infinito de colheres à sua disposição, cada uma representando a energia necessária para uma tarefa. Você se levanta de manhã. Isso é uma colher. Você toma um banho. Mais uma colher. Você trabalha, limpa, brinca, ama, odeia, e lá se vai uma montoeira de colheres... Mas, quando somos jovens e saudáveis, ainda temos colheres sobrando ao deitarmos esperando pela próxima entrega de colheres na manhã seguinte.
Mas, se você está doente ou sofrendo, sua exaustão muda você e o número de colheres que tem. Doenças autoimunes ou dores crônicas como as que tenho por causa da artrite eliminam colheres. Depressão ou ansiedade eliminam ainda mais. Pode ser que só restem seis colheres para se usar em um dia. Às vezes menos ainda. Aí você pensa nas coisas que precisa fazer e percebe que não tem colheres o bastante para fazer todas elas. (...) Pode fazer tudo que as pessoas normais fazem por horas, mas acaba batendo num muro e cai na cama pensando "eu queria parar de respirar por uma hora porque esse negócio de inspirar e expirar é exaustivo."
Nos últimos dias, minhas colheres não têm sido suficientes.
***
Uma coisa que posso me orgulhar nessa vida adulta de ir em reuniões e conhecer pessoas é que sei dar um bom aperto de mão, do tipo firme, que passa a convicção que falho em dar com todo o resto da minha presença. Pena que nem todo mundo tem essa mesma capacidade. Acho que a gente não fala o suficiente sobre como apertos de mão flácidos são horríveis, quase piores que a confusão entre não saber se você deve dar a mão ou um beijinho na pessoa. Fica aqui o meu apelo: stop apertos de mão flácidos 2k16.
E vamos criar um protocolo que diga quando e para quem você deve dirigir um aperto de mão e quando e para quem você deve se inclinar esperando um beijinho. Eu passo a maior parte do tempo achando que os problemas estão todos na minha cabeça, mas é só parar um pouquinho pra pensar e perceber que no fundo os caras não ajudam.
Eu e meu chefe já compartilhamos um momento bem parecido
Foi uma semana difícil, com muito cansaço e dois pequenos meltdowns na conta. Então comecei a meditar. Há um tempo conheci o Headspace, app de meditação guiada. O aplicativo é ótimo, o único problema é o preço da assinatura mensal. Ele tem algumas sessões gratuitas, mas não rolava aquele progresso.
Aí recebi um e-mail adorável anunciando uma promoção: 3 meses por $0,99 (vai até o dia 8 de setembro, gente, corre lá). Andy, meu amor, você falou a minha língua. Assinei na hora e desde então estou meditando todos os dias logo quando acordo. Alguns dias são mais fáceis que outros, às vezes não consigo me concentrar de jeito nenhum, em outras minha rádio mental insiste em ficar tocando Cachorrinho.mp3, mas sinto que tô aprendendo. Fico especialmente feliz quando recebo um e-mail do Andy (Andy Puddicombe, guru de meditação, cuja voz me guia todos os dias no processo de atingir o nirvana) me dando parabéns porque atingi um pequeno marco, porque sou uma pessoa que busca aprovação e esses incentivos me fazem continuar. Tentei meditar à noite também, só que eu sempre durmo no meio, o que não chega a ser uma coisa ruim. Outra coisa que tenho feito para cuidar melhor da minha ansiedade é ficar um tempo fora da internet antes de dormir e ter uma rotina pela manhã que não envolva abrir o olho e já pegar o celular. Sei que estou perdendo o controle sobre a minha vida quando acordo e já coloco o notebook no colo pra começar a trabalhar, na cama, de pijamas, comendo qualquer coisa em cima do teclado - e isso aconteceu não uma ou duas, mas três vezes semana passada. Esse post do Pequenos Monstros é um bom guia para criar uma rotina bacana pela manhã e foi nele que baseei a minha, que é basicamente meditar, fazer um bom alongamento, tomar café e só então acessar a internet e começar a tocar a vida. Fiz até uma playlist que escuto enquanto me alongo e faço café. Ainda não consigo cumprir tudo quando tenho que sair de casa cedo, mas nos outros dias tem sido realmente ótimo.
***
Para encerrar a editoria self-care, a Couth compartilhou esse texto da Liz Gilbert no Facebook essa semana e eu tomei a lição pra vida:
Years ago, when I was going through a really hard time, a friend of mine who was a naturalist gave me some beautiful advice about how to best take care of myself.
He told me, “When an animal in the wild has been injured, it has only two strategies for how to heal itself: It can rest, or it can go to the water. Right now, try to do as much of both as possible.”
Rest.
And then go to the water.
Drink the water. Submerge yourself in the water. Touch the water. Look at the water.
Then go back to sleep.
Repeat as necessary, until healing occurs.
Disco da Semana
Muito mais do semestre do que da semana, Silently. Quietly. Going Away, disco da estreia da Any Other é provavelmente a descoberta mais legal do ano até agora. Só por esse título já fica claro que o álbum é tipo minha autobiografia. Todas as músicas foram escritas pela Adele Nigro, uma garota italiana (!) que tem exatamente a mesma idade que eu, e falam sobre esse lugar estranho de se estar que é na nossa vida, idade e tempo, nesse momento do mundo. Fins, recomeços, medo e crescimento. Eu já disse que esse disco é minha autobiografia, certo? Any Other é um trio que, além de Adele, tem Erica Lonardi, 20 anos, na bateria, e Marco Giudici no baixo.
A banda tem uma sonoridade bem anos 90, aquela coisa sujinha de garagem e, falando sobre ela pra Michas, disse que não consigo me livrar da sensação que as músicas parecem saídas da trilha sonora de 10 Coisas que Odeio em Você, mas não por parecer com Letters to Cleo (que toca várias músicas do filme), mas por parecerem algo que a Kat gostaria de ouvir enquanto lê Sylvia Plath e tenta descobrir o que sente pelo Patrick.
Na página da banda no BandCamp (uma plataforma de divulgação de artistas independentes que faz meu coraçãozinho nostálgico pelo Myspace bater mais forte) uma pessoa fez um comentário de apoio dizendo o seguinte:
A real example of what indie music has been and must continue to be. This album hit me like a bucketful of cold water straight to my face speaking to me more or less like this: "Hallo! We are coming from the Northeast and maybe saddest area of Italy? What do you think life goes here for a teen? Yes we are sad because is sad to grow up, and we made an album. What about you? Wake up." After the splash I thought: I got it. And I suddenly started to do something.
Músicas favoritas: todas, mas em especial Something, Gladly Farewell (patrocinadora oficial dessa edição), 5.47 PM, Sonnet #4
Everyday I put aside a little time for my own sake
Preserving my head
Now I got a kind of balance I will keep it like it takes
Stop thinking backwards
If I’m anchored to these worries how to get free from this weight?
Of course I mean it
I don’t want a bunch of problems, only rest another day
Another day
I'm waiting
This burden will pass
I know now
I'm not interested anymore
In feeling bad
{Something}
There's a stopper in my throat
(Scared of everything)
It'll possibly explode
(With this consequence)
Now it's gone and things get out
(Can go everywhere)
Worried but I'm working out
(Gladly farewell)
{Gladly Farewell}
Yeah, I’m not gonna burn myself with hatred
Not even once, I need some time to fix me up
I will try to keep the guilt separated
From my temptation of blaming it all on me
{5.47 PM}
Assistindo
Quando o Matheus me chamou para assistir Águas Rasas, eu não sabia nada do filme e esperava uma carnificina trash com animais gigantes (e Blake Lively!), um tipo de filme que eu e ele somos fãs. O que não esperava é que o filme fosse bom de verdade. Ainda tem uma moderada carnificina, ainda tem a Blake Lively e um tubarão que não sei exatamente se é gigante, mas tem também um thriller funcionando muito bem, que colocou nós dois encolhidos na cadeira por 86 minutos esmagando o braço um do outro e que me fez tampar o olho em vários momentos.
Aproveitando que ontem foi feriado por aqui, acabei assistindo Interlúdio, esse baita filme do Hitchcock. É um romance de espiões em que o suspense funciona tão bem quanto o romance. Sinceramente não sei onde existe mais tensão, se é na identidade secreta da Ingrid Bergman - que topa se casar com um nazista para fornecer informações pro governo americano -, o tempo inteiro prestes a ser descoberta, ou na relação dela com o Cary Grant. SO MANY FEELS. Eles se beijam tanto nesse filme que você chega a ficar meio sem graça por estar vendo. Lendo sobre o filme, descobri que na época (1946) a censura só permitia beijos de até 3 segundos, então o Hitchcock colocava os dois pra se beijarem MILHARES DE VEZES (uma cena chega a ter 3 minutos de beijos de 3 segundos), porque, bem, Alicia e Devlin precisam disso e a gente também. Que homem. Que mulher. Que filme.
Também me atualizei nos episódios de Justiça, a nova minissérie da Globo. Algumas histórias são melhores que outras e acho que seria uma série mais redonda se ela se focasse só na trama da Adriana Esteves, de longe a mais sólida, com a da Deborah Bloch ali de coadjuvante. Mas estou gostando, estou assistindo, depois comento mais.
Links, links, links
- Arte e política andam juntas em Aquarius, mas polêmica não se justifica: Chico Fireman fala sobre como a arte e política se relacionam no cinema de Kleber Mendonça Filho, mas que especialmente nesse filme todo o furor é muito mais por causa dos protestos da equipe em Cannes do que da postura do filme em si.
- Três diretoras e suas câmeras indiscretas pelos corredores do Senado: Pauta boa do Estadão sobre Maria Augusta Ramos, Petra Costa e Anna Muylaert, que têm filmado o julgamento do impeachment, causando desconforto na galera a favor, que teme uma "narrativa do golpe" (?).
- Out late with Oliver Sacks: Bem bonito esse texto do parceiro do Oliver Sacks sobre a noite que eles foram juntos para um bar gay em Nova York que celebrava a Noite de Oliver Sacks, quando o médico e escritor já estava num estágio avançado do câncer que o matou ano passado.
- The myth of the millennial as cultural rebel: Mais uma discussão geracional, dessas que a gente finge que já está de saco cheio, mas nunca deixa de ler.
- On Rihanna, authenticity and reiveintion: Mesa-redonda com Anne T. Donahue e companhia falando sobre o que significa ser fã da Rihanna em 2016.
- This is the moment Beyoncé became a legend: Um throw-back para o VMA de 2006, uma das primeiras apresentações da Beyoncé na premiação. Vale reassistir também a apresentação dela no VMA de 2014, que acabou sendo a faísca inicial da minha monografia no jornalismo, e também a do último domingo, um verdadeiro culto.
- Não consigo escrever nada sobre a Conjuntura Política Atual (tm), mas felizmente conheço quem faz isso muito bem: não deixem de prestigiar as últimas edições das newsletters da Milena, da Vanessa e da Sam, todas sobre golpe, história, narrativa e nosso papel nisso tudo. Escrevi sobre o tema em março (!) e infelizmente pouca coisa mudou.
- Para finalizar, shameless self-promotion: saiu meu texto no Valkirias sobre Glory, o disco novo da Britney Spears. Prestigie, por favor.
Ufa, agora acabou!
Obrigada pela companhia e por ter chegado até aqui. Força e coragem para todos nós, já passou da hora de fazermos bom uso dessas duas coisas.
(19 small awards anyone with anxiety deserves to receive)
Continuo fazendo o que faço porque isso é a vida, e porque um dia talvez eu me acostume. Talvez um dia eu vá ter a mesma reação à vida que tenho quando estou trancada num avião ou no palco. Talvez eu consiga relaxar e curtir minha vida sem deixar o medo me impedir de aproveitá-la. Talvez um dia eu admita facilmente a verdade... que não tenho escolha além de respirar e seguir em frente.
Jenny Lawson - Alucinadamente Feliz
Stay beautiful!
Yours truly,
Anna Vitória
Sempre que quiser, responda essa newsletter como um e-mail normal e escreva para mim, vamos continuar conversando depois que o sinal bater.
Twitter * Instagram * Valkirias