NO RECREIO: 28 voltas
Hoje me dei conta de que falta menos de uma semana* para meu aniversário - 26 de fevereiro, sábado de carnaval. Mas apesar de ter estado alheia à iminência da data, já faz algum tempo que, por pura distração, respondo minha idade futura quando perguntam quantos anos eu tenho
No geral acontece o contrário: passo meses apegada à idade antiga, um ato falho que indica como acho difícil crescer, mudar, deixar as coisas para trás. O fato dos 28 anos terem chegado antes mesmo do dia 26 representa bem o atropelo que 2021 foi para mim e acho que essa minha resignação diante deles diz muito sobre o que ficou desses últimos 12 meses.
Falando assim até parece que 2020 não foi um atropelo também, mas foi uma colisão violenta que me deixou em estado de choque, paralisada, vazia. Já em 2021 eu senti cada capotada e testemunhei todos os movimentos - com os olhos ora bem abertos e ora apertados com força, torcendo para que aquilo parasse logo. Foi um caixote em mar bravo, desses que a gente perde uma parte do biquíni e fica com o nariz ardendo pelo tanto de água salgada que passou ali.
Uma das muitas imagens que a Clara me mandou e disse "você", mas acredito que Kendall Roy no iate com seus fones de ouvido a beira de um colapso somos todos nós
Falando assim parece também que foi um ano ruim - longe disso. Da porta pra dentro foi um ano bom e mesmo aquilo que foi ruim teve um final feliz, ou pelo menos um final feliz possível para o momento, o que é mais do que a maioria das pessoas recebeu.
2021 foi o ano em que consegui meu primeiro emprego de gente grande, depois de muitas e muitas experiências que eram mais pontos de parada à espera do que viria depois, como se eu estivesse esse tempo inteiro esperando a minha vida começar. Eu sei, ela começou há (quase) 28 anos, mas ainda não estou imune o suficiente às narrativas do capitalismo para não sentir que tudo fica mais sério quando você se dá conta de que não tem data para ir embora de um local, quando consegue olhar nos olhos de um supervisor e oferecer uma resposta sincera quando ele te pergunta seus planos a médio e longo prazo. Eu nem tenho muitos, pra ser sincera, mas não me importaria de continuar.
Me apaixonei em 2021 e até poderia falar da improbabilidade que é viver uma história de amor no fim do mundo, mas a Clara sempre diz que nada combina mais comigo do que começar a namorar no meio da pandemia. Já a Analu sempre lembra de um trecho de Harry Potter que diz que não dá pra viver certas ao lado de uma pessoa sem se tornar amigo depois; vendo nossa história, acho que um namoro é o único caminho possível quando você passa meses trocando uma correspondência de fim do mundo com alguém, contando os dias para uma vacina e só então trocar um primeiro beijo. Só sei que ainda me espanto ao me ver fazendo planos para dois, quando vejo que existe mais alguém nesses planos de médio e longo prazo e penso nisso sem querer desviar os olhos.
você e sua amiguinha quer sentar na minha motinha
2021 também foi o ano que terminei o mestrado. Na verdade entreguei a dissertação no início de fevereiro e ainda tenho uma banca para encarar, mas para mim isso já é tão 2021. Fazer pesquisa na pandemia durante o governo Bolsonaro é horrível, um pesadelo, não tem outro jeito de definir. Dito isso, acho que lidei com essa reta final melhor do que imaginei quando penso em outras experiências similares que tive, um crédito que é todo da minha psicanalista e da indústria farmacêutica. Ainda assim, as últimas semanas foram horríveis e elas continuaram sendo horríveis mesmo depois que tudo acabou, como se eu estivesse sentindo uma dor lancinante em uma perna que fora amputada. Nos primeiros 15 dias, só dormi e chorei. “Eu nunca vi alguém terminar um mestrado e ficar feliz”, disse a Clara, e acho que essa foi a melhor coisa que ouvi em relação a esse assunto e também a todo resto.
Já prevendo o batidão que 2021 iria trazer, no início do ano comprei o curso Visionárias Afogadas, “um curso online para mulheres que, por mais organizadas que sejam, estão nadando no mar do caos”. Na primeira aula, a Ana Carolina conta um pouco da sua história (tem uma versão dela nesse podcast aqui!) e convida a gente a narrar a nossa trajetória pra entender como chegamos nesse estágio de afogamento. Não sei se é porque sou pisciana, mas me empolguei tanto na tarefa que escrevi páginas e mais páginas enquanto chorava copiosamente para no final descobrir que estava ali porque me enfio em situações que me forçam a ser alguém que precisa dar conta de tudo, porque aprendi que só existe valor onde tem sofrimento, correria, caos e desespero. Entendi que o que precisava naquele momento não era de um curso de organização e sim de entender quais eram as minhas prioridades naquele momento e só deixar o resto todo cair.
Isso é muito mais bonito de falar do que de fazer. Na prática, precisei sumir de quase todas as pessoas que gosto, dos meus projetos paralelos, de cozinhar, de ler por diversão. Parece contraintuitivo, já que não é exatamente uma rotina leve, mas dormir cedo, automatizar o máximo da rotina e reduzir a comunicação por meio de telas e teclados era o que precisava para dar conta do que era inadiável. Cogitei até fazer uma newsletter privada só para meus amigos mais próximos, para que eu pudesse compartilhar o que andava acontecendo, se estou viva, alguma fofoca, ideias soltas, mas me pareceu uma solução por demais indulgente, que só serviria para aliviar a culpa de um monte de mensagens não respondidas.
Numa conversa muito difícil, meu namorado confessou que levou um susto quando se deu conta que estávamos em um relacionamento à distância, por todos os desafios que esse status traz. Eu também demorei a perceber essa configuração no nosso namoro, mas é mais porque em 2021 me senti tão distante e fragmentada de tudo que o caráter interestadual da nossa relação parecia apenas um desdobramento lógico de todo o resto. Se fosse escrever uma autobiografia desses tempos, o título seria: “Ficando longe do fato de já estar meio longe de tudo”. Pena que o David Foster Wallace (um pisciano com lua em virgem, mercúrio e marte em aquário assim como eu - normal).
Fingindo não ligar para a minha solidão só para me manter sã
Esse fim de mestrado, portanto, simboliza o fim de um ciclo que é muito mais simbólico e o mais engraçado é que boa parte dele (ainda que de formas que só eu saiba identificar) foi documentado nessa newsletter. Foi o primeiro caminho que escolhi pra mim na condição de adulta e - de maneiras diretas e indiretas - todas as minhas escolhas e caminhos giraram em torno desse plano, inclusive o esgotamento auto-infligido. É claro que todos esses planos deram muito mais do que 28 voltas ao redor da Terra e do próprio rabo até chegar no aqui e no agora, mas é estranho pensar que agora posso soltar esse pratinho e seguir sem ele.
Lembro do que a Mitski canta em “Remember My Name” e sinto que coloquei tudo que tinha dentro de mim nesse trabalho, raspei até a último colherada, e agora é hora de começar a cultivar algo novo para ver que flor vai nascer no lugar. E tudo isso bem no mês do meu aniversário, no início do meu retorno de Saturno - e há quem diga que a astrologia não é uma ciência exata.
No fim das contas, acho que acabei escrevendo aquela newsletter que tanto queria para dizer pra todo mundo o que aconteceu comigo. Ridículo, eu sei, mas me deem um desconto, já é quase meu aniversário.
*Comecei a escrever essa edição na segunda-feira, escrevi na minha cabeça por vários dias, sempre alguns minutos antes de dormir, até finalmente sentar pra escrever de novo na sexta-feira, quando deveria estar fazendo minhas malas. Escrevi um pouco no ônibus, direto no aplicativo de notas do celular, e finalizei tudo uma semana e 600 km depois, diante de um janelão da Santa Cecilia.
É hora de dar tchau
Queria começar o ano com um caderno novo e decidi ignorar minhas questões com o Substack e me render à plataforma de newsletter mais popular do momento. Só que no meio do caminho tive um problema na hora de exportar os assinantes e vi que não teria tempo de resolver isso a tempo de enviar essa edição no tempo certo. Como escrevi no cabeçalho, estou tentando me reencontrar na internet e não é de hoje e dessa vez resolvi tentar algo completamente inédito e radical: apenas começar e ver no que vai dar.
Gostei de como a Cristal se apresentou no rebranding da sua newsletter, como se tirasse um retrato da pessoa que é agora é se abrisse para descobrir o que vem depois. Espero que ela não se importe por eu pegar a ideia emprestada.
Se você nem lembra mais por que assinou essa newsletter ou já se perdeu no meu próprio personagem, me apresento novamente. Sou a Anna Vitória que algumas pessoas chamam de Anna e outros de AV (ou também de Chica, Love e Tó). Tenho quase 28 anos e acho mesmo que essa é a idade que me cabe no momento.
Sou mais alta do que pareço e tenho uma voz de criança que ninguém imagina. Me considero a maior pisciana do mundo, mas minha lua em virgem faz com que às vezes eu pareça racional demais. Nesse último ano, voltei a usar meu cabelo na sua cor natural e descobri que laranja é uma cor que me cai bem. Comprei uma sandália plataforma depois de anos, mas não tenho nenhuma calça jeans. Passei quase dois anos tentando descobrir qual seria a minha estética pós-pandêmica e acho que estamos chegando lá.
Sou uma pessoa que pensa em coisas tipo estética pós-pandêmica e ligo mais do que deveria para narrativas pessoais. Acho que é por isso que eu escrevo. Já faz um tempo que leio mais não ficção do que ficção e por algum motivo as pessoas acham isso engraçado. Também comecei a gostar mais de uísque do que de vinho, mas meu sonho mesmo é ser garota propaganda do Campari. Sou distraída, gosto de dormir cedo, cuidar de plantas e estou sempre em busca do melhor hambúrguer vegetariano da região.
Sou cafona, indie, fã de Taylor Swift, Wilco e Radiohead e uma grande viciada em novelas. Gosto de responder entrevistas imaginárias e participar do podcast dos outros, quero ser professora um dia e ser conhecida pelos alunos como uma maluca muito bem vestida. Gosto de perfumes, livros velhos e tenho medo de avião. Os perfumes que eu gosto também são de gente velha e a comida mais gostosa que eu faço é macarrão com molho de tomate. Escrevo esse título mesmo morrendo de vergonha porque é o tipo de coisa que mais gosto de ler.
E acho que por hoje é só, mas qualquer coisa eu aviso vocês.
Feliz aniversário para mim e para todos que o celebram. Se cuidem nesse carnaval, hein. E stay beautiful!
Eu e George Harrison, o verdadeiro aniversariante do dia. Foto tirada em outubro de 2016, quando eu não sabia nada do que ia acontecer.
Yours truly,
Anna Vitória
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Por anna vitória
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Curadoria cuidadosa de anna vitória via Revue.
na pior cidade da américa do sul, brazil