Hello stranger, como vai você?
Se me perguntarem, eu vou dizer que não tenho um tipo. Vou dizer, e vou acreditar quando digo (ou pelo menos querer muito acreditar), que essa coisa de tipo é uma bobagem; que não cabemos em caixinhas; que a pessoa que gostamos não é ou não pode ser um amontoado de características agradáveis que vamos ticando em busca de um modelo ideal. Mas a verdade é que eu tenho um tipo e imagino que todo mundo tenha.
O tipo é aquele amontoado de características que, quando se reúnem em uma pessoa, te fazem prestar atenção automaticamente. O tipo é aquele cara que, quando seus amigos avistam, já começam a cochichar entre si apostando quanto tempo vai levar pra você encará-lo mesmo sem perceber - e você sempre encara, quase que involuntariamente, porque você é previsível desse jeito. O tipo é aquela armadilha na qual você cai todas as vezes, é o que se sobressai quando você enfileira todos os caras por quem já sentiu atração na vida e percebe que, tirando um detalhe ou outro, eles são mais ou menos a mesma pessoa - uma pessoa que ainda por cima se parece muito com aquele personagem que você sempre amou, que é a cara do baixista daquela banda que você adora. Muito prazer, esse é o seu tipo.
Meu tipo são moços de cabelo bagunçado, estranhos, porém fofos, e, segundo meu melhor amigo, "estão sempre de camisa xadrez, tênis sujo, com cara de quem usa drogas e/ou toca baixo numa banda indie ruim que não faz sucesso; se fizer sucesso você perde o interesse", palavras dele, não minhas, que me constrangem pelo seu ridículo e altíssimo teor de verdade. Queria acreditar que sou melhor, mais interessante e misteriosa que isso, mas aparentemente não. Em outros tempos eu buscava ativamente esses caras que eram, cada um à sua maneira, releituras de Seth Cohen, mas hoje eu juro que não, inclusive prefiro não, pai, afasta de mim esse cálice. Mas o tipo é mais forte do que a gente, ele nos lembra daquilo que lá no fundo nós somos e nunca deixaremos de ser. Nosso tipo nos condena e condenada fui novamente na última sexta-feira.
O cenário não poderia ser mais improvável: um self-service na hora do almoço, onde estava na companhia do senhor meu pai. É um lugar onde a gente come pelo menos uma vez por mês, o que me dava familiaridade o suficiente para entrar e perceber logo de cara a mudança de público no local. Basicamente parecia que a região da Augusta tinha vomitado parte dos seus habitantes no restaurante Três Marias, na região central de Uberlândia. Se você não está familiarizado com a região da Augusta lá em São Paulo, o que você precisa saber é que todo mundo segue um padrão cool e descolado que é tão uniforme que automaticamente anula o conceito de cool e descolado. Pessoas tatuadas, homens de barba, mulheres com franjas muito curtas ou assimétricas, camisetas com referências irônicas, óculos com design diferenciado, Heineken no bico na hora do almoço, acessórios da Endossa, etc, etc. Em São Paulo esse fora-do-padrão virou um padrão, mas o Triângulo Mineiro ainda não chegou lá, de modo que, por contraste, era possível dizer que o self-service estava cheio de pessoas cool e descoladas.
Na hora perguntei: "Será que abriu uma agência de publicidade aqui perto?", porque as pessoas da região da Augusta são sempre publicitárias, ou jornalistas, ou produtores culturais, ou designers, ou já fizeram um pouco disso tudo e agora trabalham com alguma coisa que ninguém sabe direito o que é, mas que parece cool e descolado. Trust me, conheço a minha laia. Quando estava fazendo o trainee no jornal, era impossível comentar sobre as pessoas da redação, principalmente os homens, porque a descrição objetiva de suas características ("é aquele de barba e óculos que tem uma tatuagem na parte interna do braço") poderia fazer referência a qualquer homem entre 20 e 30 anos daquele lugar.
No meio daquele paulistanos-básicos-look-a-likes que invadiram o restaurante, não demorou muito para que eu fosse fisgada pelo meu tipo, na verdade dois: sentados numa mesa com um homem e uma mulher de meia-idade, presumi que fossem irmãos. Os dois tinham cabelo bagunçado, barba, vestiam roupas legais, conversavam animadamente e eu não conseguia parar de olhar pra eles. Diante do nosso tipo, voltamos a ser adolescentes, mais especificamente garotos adolescentes mal educados que encaram seus objetos de desejo com a fixação abandonada de uma mosca batendo no vidro que a separa dos doces numa padaria. A mesa deles ficava bem na minha diagonal, de modo que era possível observá-los sem parecer uma psicopata. Aos poucos um começou a se destacar mais do que o outro, primeiro porque ele tinha um cabelo perfeito, e depois porque o outro ficou o almoço inteiro mexendo e falando no celular, o que logo me fez pensar que ele não era solteiro. #sexto #sentido
Minha crush aumentou exponencialmente quando os dois se serviram de sobremesa, porque esse self-service oferece muitas sobremesas - a maioria doces mineiros - e eu tenho a ligeira impressão que ninguém se interessa por essa parte da pista. Mas os meus tipos, ah os meus tipos, eles não seriam meus tipos se não gostassem de doce, e lá estavam os dois, investindo pesadamente na sobremesa, ao passo que minha lasanha esfriava, intocada.
Quando fui embora, já tinha passado por todas as fases de uma crush relâmpago: encantamento inicial, obsessão e raiva, e caminharia lentamente rumo ao esquecimento ao longo do dia. Saí de lá emburrada por estar deixando pra trás aquele moço bonito, tirando como lição daquela história que mesmo tendo me aposentado da vida dos aplicativos de paquera era preciso manter o Happn no celular para momentos como aquele. Não que fosse certo que eu encontraria os dois lá, mas uma garota pode sonhar, e sonhando irritada fiquei com a ideia de saber quem eles eram e, quem sabe, poder conversar com eles todos os dias até perder o assunto e a gente nunca mais se falar.
Então na sexta à noite saí com Matheus para tomar uns drinks e depois fomos comer hambúrguer no nosso local de costume. A gente mal tinha sentado quando mais uma vez o Segredo se provava real: o Barbudo-Básico-do-Cabelo-Perfeito estava lá. Numa mesa enorme, com as mesmas pessoas cool e descoladas que vi no self-service mais cedo. DE ONDE SAÍRAM AQUELAS PESSOAS??? O QUE ESTAVA ACONTECENDO??? QUAIS AS CHANCES?????? DEVO MANDAR UM BILHETE ESCRITO CALL ME MAYBE PELO GARÇOM?????? POR QUE ELE ESTAVA DE CHINELO?????????? Eram muitas as questões naquele momento. Se você não mora numa cidade pequena talvez seja difícil me entender, mas aqui sempre vou nos lugares e sei o que esperar, que tipo de pessoas vou ver, quem eu vou encontrar. E sei, sobretudo, quando vejo pessoas que não fazem parte desse lugar. Esse cara era fora da curva, como raramente tinha visto por aqui, e era realmente bizarro topar com ele duas vezes num mesmo dia em contextos tão distintos como o self-service perto da casa do meu pai e a hamburgueria que eu e Matheus vamos sempre. Aquilo não fazia sentido.
E fez menos ainda quando o irmão dele também chegou na hamburgueria (e ficou um bom tempo encostado num canto falando no celular). Aquilo era uma convenção dos meus tipos, todos num mesmo lugar, me assombrando como na primeira vez que andei na Augusta num fim de semana. Matheus Fernandes quase caiu da cadeira de tanto rir falando que eu era ridícula e previsível, já que o irmão conseguia ser mais meu tipo do que o Cabelo Perfeito porque tinha o cabelo bagunçado e perfeito e um jeito awkward desengonçado com roupas amassadas.
As mesas estavam próximas e não é com muito orgulho que digo que comecei a prestar atenção em tudo que eles diziam tentando pescar alguma dica de onde eles eram, quem eles poderiam ser, qualquer coisa que eu pudesse jogar no Google e fazer uma investigação rigorosa que me envergonharia pelo empenho e pela percepção de até onde sou capaz de ir quando quero descobrir algo sobre uma pessoa. Não que eu faça isso sempre, mas-
Então eles começaram a falar sobre um programa, sobre um episódio, sobre uma gravação, e Matheus bateu na mesa num momento de eureka. "EU SEI QUEM ELES SÃO!", ele praticamente gritou, enquanto começava a digitar alguma coisa no celular. E então me entregou com uma foto aberta.
Vocês estão preparados?
OS CARAS ERAM OS APRESENTADORES DO CATFISH BRASIL.
!!!!
Gente. Catfish. Eu só assisti o documentário (inclusive vejam, é assustador), mas sei que existe um reality em que os apresentadores ajudam uma pessoa a ir atrás de alguém que elas conheceram pela internet, normalmente promovendo um encontro de casal e às vezes descobrindo algum truque no meio do caminho. A garçonete do bar que estávamos antes chegou a comentar que o pessoal do programa estava na cidade, que inclusive tinha gravado mais cedo NAQUELE MESMO BAR onde a gente estava, provavelmente saíram dali e foram comer um sanduíche. Como eu e Matheus fizemos. Vocês pegaram essa piada pronta? Porque eu basicamente vivi um catfish analógico, onde forças do destino me levaram a desvendar a identidade das minhas crushs relâmpago do restaurante - que, by the way, são bem mais bonitos do que por foto, mas isso não importa agora.
A hamburgueria tinha mesas na rua, onde inclusive a equipe toda estava sentada, e quando fui embora já tinha o maior movimento no meio dos dois de gente abraçando e querendo tirar foto, uma vez que moro na cidade mais jacu do mundo. Passei por eles morrendo de vergonha de todo o esforço que fiz a noite toda pra estabelecer algum contato visual, já que eles, se notaram, devem ter pensado que eu só estava interessada porque eles eram ~famosos~. E como já deixei claro, meu tipo tem muito mais a ver com artistas incompreendidos e fracassados.
Saímos de lá dando risada e incrédulos com a história toda, principalmente com o quanto se pode conhecer de uma cidade quando se mora a 23 anos nela e simplesmente saber quando as pessoas não pertencem àquele lugar.
- Então quer dizer que eles nem são irmãos? Mas se parecem tanto!
- Anna, eles não são irmãos, eles só são paulistanos*.
¯\_(ツ)_/¯
¯\_(ツ)_/¯
* Não queria estragar uma piada que foi boa na hora, mas essa newsletter tem compromisso com a verdade e checando os fatos descobri que nenhum dos dois é de São Paulo - mas os dois são gente das arte, então dá na mesma. O meu favorito é carioca, então fica pelo menos esse meu momento de caricatura-de-mim-mesma pra salvar a história.
Disco da Semana
Hot Thoughts (Spoon): Acabou de me ocorrer que preciso escrever uma newsletter inteira sobre como eu amo Spoon pra fazer justiça ao quanto eles são bons e o tanto que eu verdadeiramente amo essa banda. O disco anterior deles, They Want My Soul, faz glitter explodir dentro de mim, e continua fazendo mesmo três anos depois do lançamento. Hot Thoughts não chegou nesse nível, mas é consistente com tudo que eles fazem e também diferente de tudo que eles já fizeram. Conseguir isso a cada novo disco é basicamente a mágica do Spoon. Inspirado largamente pelo David Bowie, esse disco é meio funky e dá uma vontade louca de dançar umas danças estranhas e desengonçadas. Li em dois textos diferentes sobre a banda que diziam que uma característica do Spoon é ter esses pequenos momentos ~*perfeitos*~ dentro das músicas, detalhes minúsculos que transformam a melodia numa coisa totalmente nova. É nesse momento que a gente se apaixona e sente vontade de ouvir a música de novo. Hot Thoughts é cheio deles e estou em constante situação de voltar as músicas o tempo inteiro pra me apaixonar de novo.
Músicas favoritas: WhisperI'lllistentohearit, First Caress, Can I Sit Next To You, Tear It Down
Links, Links, Links
- Depois de terminar Crazy Ex-Girlfriend e passar um tempão só lendo, falando e pensando sobre a série e seus personagens, consegui escrever sobre: Rebecca Bunch não é só uma garota apaixonada;
- A Fabi Secches também escreveu um texto excelente sobre a série: Rebecca Bunch, Emma Bovary e os deslocamentos do feminino;
- Rachel Bloom was born this way: a coisa que mais gosto quando termino uma série é poder ler absolutamente tudo sobre ela que encontro na internet. Rachel Bloom é a força criativa (e que baita força) por trás de Crazy Ex-Girlfriend e esse perfil dela mostra de onde vem tudo isso;
- Pra encerrar a obsessão, as músicas da segunda temporada de Crazy Ex-Girlfriend chegaram recentemente no Spotify, onde também é possível ouvir as músicas da primeira temporada com os comentários da equipe contando como elas foram escritas, as inspirações e referências de cada uma e também como eram as versões iniciais e sem censura de algumas delas. Só digo uma coisa: cuspi o café ouvindo e rindo sozinha;
- Um perfil adorável da Jenny Slate, uma pessoa preciosa demais;
- A night with my favorite band: Spoon - todos os veículos deveriam deixar que jornalistas fãs escrevam sobre suas coisas favoritas sem esconder o quanto são fãs, como a Kelly Conaboy fez nessa entrevista divertidíssima com o Spoon;
- A última newsletter da Clara foi como ver meu coração batendo num texto que eu não escrevi;
- Seeing my body with different eyes - A Ashley Ford é uma das minhas ídolas na internet, pelo tanto que ela é uma mulher maravilhosa e inspiradora e também pela sua escrita, que sempre me toca muito. Não foi diferente com esse texto sobre sua relação com seu corpo, seu namorado e como a relação entre eles evoluiu à medida que o namoro avança. Sou o tipo de pessoa que favorita todo e qualquer tweet fofo que ela compartilha sobre ele, ou sobre os dois, e fiquei muito emocionada com esse texto;
- Técnica - Outro texto delicioso sobre o amor é esse da Gabi Machado, sobre dormir junto, dormir mesmo, e como isso pode ser bonito.
- Tem alguns vídeos que eu só assisto em circunstâncias muito específicas e peculiares: crises de ansiedade e insônia. No último fim de semana passei uma noite praticamente em claro com uma dor de estômago bizarra, e para não somar à azia uma crise de ansiedade da madruga boladona comecei a ver uns vídeos no Youtube. Não acompanho muito a Karol Pinheiro, mas adorei o vlog (e eu não gosto de vlogs!) de aniversário dela, onde ela e sua melhor amiga vão comer no restaurante do Alex Atela e fazer outras coisas divertidas. A Karol é efusiva e empolgada de um jeito que normalmente me irrita, mas ela estava tão genuinamente FELIZ nesse vídeo, tão espontâneo e divertido, que é impossível terminar sem sorrir junto com ela. A mesma coisa para o vídeo sobre seu cabelo curto: tudo é muito bonito e sincero, e eu fiquei feliz de verdade por ela.
- A Analu fez um vídeo muito ótimo falando sobre mulheres presidiárias, maternidade, privilégios, e o livro-reportagem (incrível!) que ela escreveu contando a história de mães encarceradas;
- O podcast ótimo da semana (que é da semana passada, mas enfim) fica por conta da Emma Gannon e da entrevista que ela fez com a Lena Dunham no Ctrl + Alt + Delete. Tenho questões, várias questões, com a Lena Dunham, mas amei (e me identifiquei!) muito tudo que ela falou nesse episódio sobre escrita, criatividade, ser uma mulher que escreve, e como a opinião pública trata as mulheres.
Ufa, agora acabou!
Obrigada pela companhia e por chegar até aqui. No meu antigo blog eu costumava escrever bastante anedotas como essa, e sempre foram textos que gostava muito de escrever, porque eles eram rápidos e fáceis, mas principalmente porque eles ficam lá pra que eu possa reler depois, lembrar de como foi e rir tudo de novo (dá pra ler tudo aqui!). Tenho a impressão que vejo mais graça nelas do que quem lê e não estava lá pra ver, mas estava com saudade dessas historinhas e espero que vocês tenham gostado - e para quem achar que é fanfic, tenho amigos de testemunha!
Essa newsletter é a última a existir num mundo que ainda não conhece o primeiro single da carreira solo de Harry Styles. Vejo vocês do outro lado.
Stay beautiful!
Yours truly,
Anna
Sempre que quiser, responda essa newsletter como um e-mail normal e escreva para mim, vamos continuar conversando depois que o sinal bater.
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