Hello stranger, como vai você?
Me perguntaram qual música do Harry Styles eu era e foi fácil achar a resposta, ainda que o disco tenha acabado de sair (aaaaaaaaa): Sign of The Times. Lógico. A letra diz tudo: Pare de chorar. A gente não aprende. Vai ficar tudo bem. Precisamos sair daqui. Se me perguntassem como tem sido a experiência de viver, crescer e me tornar uma pessoa nesse momento tão peculiar do mundo e da história, minha resposta seria parecida com essas afirmações contraditórias e por isso tão precisas: Estamos condenados. Vai ficar tudo bem. Tem que ficar tudo bem. Alguém me tira daqui.
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Talvez vocês não levem a sério o que eu vou dizer agora, porque sou eu, e eu sou fã e não escondo isso, mas agora estou falando sério: o que me faz gostar tanto do Harry desde sempre é o fato de ele ser diferente. O One Direction já era diferente das outras boybands, mas o Harry se destacava pra mim por estar também sempre desafiando certas noções pré-estabelecidas de como deveria ser um artista homem do alcance dele, algo sutil, mas muito significativo, começando pelos papéis de gênero. Harry cruza as pernas, dança como mulher no palco, é explicitamente -- e fisicamente -- carinhoso com outros homens e costuma falar sobre relacionamentos de forma neutra. Eis um homem que não é facilmente intimidado por slashers e eu gosto muito de homens que olham pra noções tradicionais de masculinidade e dizem kkkkkk a masculinidade tradicional. Seu estilo é meio andrógino, suas roupas têm estampas de flores e corações, ele deixa os óculos escuros na cabeça como nossas mães, usa botas de salto e é igualmente possível vê-lo bem básico de moletom e tênis num dia e maravilhoso de terno cor-de-rosa no outro. Seu álbum de estreia ia se chamar (e na minha cabeça ainda se chama) Pink (the only true rock'n'roll colour) e na capa ele aparece banhado numa água cor-de-rosa cheia de flores.
Com tudo isso ele sugere que existem outras formas de ser um artista masculino - e talvez até mesmo de ser homem - do que normalmente vemos representadas na cultura. Vocês podem dizer que Mick Jagger, David Bowie e Prince (suas maiores referências e não é por acaso) já fizeram isso bem antes, mas sinto que os três sempre gozaram de um status mitológico onde essa postura era tida como uma licença poética permitida a eles e somente eles, enquanto o Harry, mesmo como o príncipe do rock que ele agora é, é mais acessível e gente como a gente, um modelo que pode ser seguido por qualquer cara normal. Nessa newsletter nós acreditamos muito na importância de histórias, narrativas e modelos para a construção daquilo que queremos ser (e acreditamos poder ser) enquanto pessoas, então amém Harry Styles.
Era o zAyN que só queria ser um garoto normal de 22 anos, mas depois de ouvir o disco do Harry sem parar desde quinta-feira, vejo que foi ele que chegou realmente lá. Enquanto Zoin escolheu fazer músicas sobre transar tanto a ponto de acordar os vizinhos, Harry concluiu que ninguém realmente se interessa por histórias de farra e bebedeira e estava desde o início mais interessado em falar sobre ~*~sentimentos~*~. Como uma pessoa que está acompanhando simplesmente todas as entrevistas que ele tem dado desde que começou a promover o álbum (alguém tinha que se prestar a esse papel), percebi que ele tem falado bastante sobre como queria usar o disco como uma oportunidade de ser honesto de uma forma que não havia muito espaço no One Direction, e honesto ele foi. Eu acho. Os fatos continuam meio difusos nas letras, com nosso neném transitando entre cenários de loucura e bebedeira nova-iorquina, vivendo as grandes aventuras que esperamos que ele viva, mas por trás de tudo isso existe espaço pra ele ser vulnerável de um jeito que é muito bem-vindo. São essas as imagens que ficam.
O Guardian fez uma crítica meio mala falando que ele não faz nada além de ticar todos os itens da cartilha do ex-ídolo teen que quer se provar como adulto, ainda que com referências que não são as mais óbvias nesse tipo de empreitada, e poderia ser isso não fosse por esses momentos de respiro e dúvida no meio das letras. Harry se perguntando se a garota para quem ele escreveu Carolina vai ouvir a música e saber que é pra ela. Em Two Ghosts ele percebe que o tempo passa e as coisas mudam não do jeito romântico de Night Changes, mas do jeito que transforma pessoas em desconhecidas, te deixando sem saber o que dizer pra uma pessoa com quem você um dia teve uma conexão especial. "Comfortable silence is so overrated", ele canta em From The Dining Table, música que nos obriga a pensar em Harry de ressaca sozinho num quarto de hotel, brincando com ele mesmo de um jeito que bom, vocês entenderam. Coisas que acontecem, mas não é a forma como estávamos acostumadas a pensar sobre ele. "I've never felt less cool" é outro trecho da música que pra mim é como uma visão do outro lado da cortina do que é a vida de um cara como ele, onde a gente enxerga, enfim, o garoto normal de 23 anos por trás do fuá todo.
E aí Sign of The Times, com vontade de fugir e ficar, a crença de que as coisas vão melhorar misturada com a vontade de correr e largar esse barco sem olhar pra trás. No clipe ele voa igual o Peter Pan, o que me faz pensar que toda a mensagem da música pode ser lida também como essa vontadezinha escondida que a gente meio que tem de nunca crescer, porque crescer é lidar e, gente, ninguém merece lidar.
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Harry Styles não inventou a vulnerabilidade, mas sua confiança ao abrir espaço para que essas inseguranças sejam vistas soa como algo fresco pra mim, que transcende aquela cartilha do álbum-adulto-de-um-artista-jovem-que-quer-se-provar. Isso combinado a todo o resto da postura dele como artista, seja pelos ternos incríveis ou na forma como se posiciona nas entrevistas, como um cara progressista, que apoia causas sociais, reconhece seus privilégios, fala com responsabilidade sobre romantização do artista atormentado, excessos, bebida e drogas, além de demonstrar um profundo respeito não só pelas fãs, mas pelas faixa de público das garotas adolescentes... tudo isso me sugere um padrão diferente que pode contribuir para a construção de uma cultura em que respeito e gentileza é sinônimo de coolness. De novo, ele não inventou nada disso, mas ter um artista do alcance dele se manifestando dessa forma é importante e faz com que caras como o Justin Bieber, que é da mesma geração, pareçam produtos do século passado.
Então, se gosto dele desse tanto é mesmo por ele ser lindo, engraçado, ter a voz de um anjo rouco e sensual, o melhor cabelo do mundo e um senso estético parecido com o meu, mas também porque essa construção que ele tem feito dele mesmo me inspira muito. É porque eu também acredito na força da delicadeza como um ato radical e outras cafonices afins que costumo escrever aqui, mas também porque é o jeito dele de mudar a conversa e estamos precisando muito disso. Repito: acredito na importância de histórias e de modelos e alguém como o Harry é o tipo de referencial do mundo em que eu gostaria de viver, e ele me encoraja a construir esse mundo também.
Na última newsletter da Clara ela escreveu sobre algo que conversamos muito e que está sempre na minha cabeça, que é esse momento de transição que estamos vivendo, entre a falência de instituições e sistemas e o surgimento de uma coisa nova que a gente não sabe o que é e nem para onde vai, mas aparentemente cabe a nós (re)inventar, definir -- afinal, nós somos os jovens e esse é o nosso papel, certo? Isso causa uma angústia danada não só porque essa consciência de ser um sujeito histórico é mesmo assustadora, mas porque estamos vendo o mundo que conhecíamos - aquela democracia relativamente estável com questões sociais progredindo num passo lendo, mas avante, que foi a realidade em que a minha geração nasceu - ruir não de forma lenta e gradual, mas sendo arrombada por uma onda conservadora bizarra e violenta, que só aumenta nossa sensação de impotência.
Numa das entrevistas, perguntaram para o Harry se ele se sentia inclinado a escrever sobre esse clusterfuck mundial e qual é sua postura em meio a tudo que está acontecendo, e ele apontou para Sign of The Times como a sua perspectiva nesse contexto. Pare de chorar. A gente não aprende. Vai ficar tudo bem. Precisamos sair daqui. Esse é o momento. Ele não oferece respostas, mas são impressões honestas que me fazem respirar mais aliviada ao pensar que não sou a única que está perdida e confusa.
É em momentos assim que eu me apaixono. Eu, a viciada em vulnerabilidade, vivo por esses momentos em que o verniz se quebra e a gente tem a chance de espiar entre as rachaduras das pessoas. Harry acordando sozinho no quarto do hotel. Lorde dançando sozinha e consolando a si mesma. Taylor Swift imaginando se aquele moço que ela acabou de conhecer está apaixonado por outra pessoa -- e pedindo pelo amor de Deus pra que não. Carly Rae Jepsen sincericida cantando "But I still love you, I'm sorry, I'm sorry I love you, I didn't mean to say what I said". Aquela cena super longa de Master of None com o Aziz Ansari sozinho no táxi.
Sou meio fascinada pelo que acontece quando estamos a sós com nós mesmos e abrimos aquela janela que deixa sair algum medo, vontade, angústia, sonho e qualquer coisa que nos exponha o suficiente a ponto de nos quebrar se não for manuseada com cuidado (Spoiler: nunca vai ser). Isso acontece desde que o mundo é mundo, mas sinto que minha geração é especialmente afetada por esse impulso, porque vivemos uma época de individualismo e personalização, com ferramentas que encorajam a gente a se olhar, a pensar sobre si e opinar sobre o mundo, com um acesso ele e aos outros que nos leva a questionar constantemente quem somos, o que fazemos e o que queremos. É uma pressão que pode ter o efeito contrário, de fazer com que a gente se esconda por trás de histórias e pessoas inventadas, idealizadas, mas estamos cercadas de pessoas que mostram como isso pode ser uma força incrível. Ainda estamos nos calibrando e aprendendo a andar e a existir, como uma girafinha que acaba de nascer.
Mesmo assim, já construímos muitas coisas incríveis e podemos ir além. A gente tem a internet. A internet! Somos uma geração mais empática e sensível do que foi a dos nossos pais, e a geração mais nova que a minha é ainda mais mente aberta. Minorias têm tido seus poucos direitos ameaçados, mas a situação é melhor do que era há um século, e hoje temos mais ferramentas do que nunca para batalhar por esses direitos. Temos penicilina, vacinas, camisinha e é proibido fumar em lugares fechados. Eu já falei sobre o poder transformador da internet? Temos Beyoncé, Kendrick Lamar, Harry Styles, Elaine Welteroth, Rupi Kaur, Warsan Shire, Fernando Grostein, e os livros da Patti Smith pra quando bater alguma dúvida.
Vejo amigas e amigos meus crescendo, se formando em áreas diferentes, e fico feliz pensando que o futuro vai ter gente como eles sendo advogados, médicos, engenheiros e ocupando todas as áreas criativas possíveis, porque eu só conheço gente de humanas mesmo. São pessoas que estão tão assustadas e perdidas quanto eu nesse momento, como eu imagino que você às vezes (ou sempre) se sinta aí do outro lado também, mas precisamos seguir adiante. Deu no New York Times que vivemos um mundo de busca por identidade, um processo que no contexto era sobretudo artístico, mas que abrange todo o nosso relacionamento com o mundo. Estamos em crise com a identidade das nossas ideias, esquerda e direita não são mais o que foram um dia, e é preciso reinventar todas essas coisas, mas pra isso nós precisamos nos descobrir antes e isso não acontece quando ficamos parados, menos ainda quando nos fechamos para o mundo com medo de ele nos quebrar. Spoiler: nós somos quebrados, e reconhecer isso, em nós e nos outros, é um caminho que enxergo como possível para construir um mundo um pouco mais humano e menos cruel.
We don't talk enough
We should open up
Before it's all too much
Will we ever learn?
We've been here before
It's just what we know
***
É por isso que os exemplos que citei, todos eles, me inspiram tanto a escrever e criar - porque aparentemente é isso que estou fadada a fazer na vida - eles são uma inspiração para um princípio essencial que pode ser resumido em na frase: own the shit of your shit. É o Harry fazendo o disco de rock que ele quer e se tornando um rockstar suave. É sobre reivindicar seu direito de fazer coisas do seu jeito e colocar suas ideias no mundo porque elas importam, construir aquela varinha mágica da validação e bater com ela na sua cabeça sem esperar que alguém o faça por você -- ainda que o que você queira fazer não se pareça com o que os outros estão fazendo. Esse mundo, esse modo de fazer as coisas que conhecemos hoje, está falido, lembra? Disse Peggy Olson: se não gosta do que estão dizendo, mude a conversa. Não tenho respostas, não sei para onde estamos indo, mas sei que precisamos acreditar que podemos ir para algum lugar.
Semana passada a Clara fez uma thread magnífica no Twitter falando sobre isso, e em vez de escrever todas essas coisas eu poderia simplesmente colar os tuítes aqui, mas como esse texto já está no final e precisa de uma conclusão emocionante, vou colar apenas a conclusão emocionante da Clara que me trouxe até aqui pra início de conversa.
Eu e a Clara ficamos amigas por causa de um texto que escrevi nessa mesma newsletter sobre a Conjuntura Política Nacional™ no início do ano passado. Era um texto sem respostas, carregado de angústia e dúvida, e uma expectativa crescente de que coisas ruins estavam para acontecer. Agora que tudo aconteceu, e ainda está acontecendo, continuo me vendo naquele texto e na maior parte dos dias acho que não tem nada que a gente possa fazer. We never learn we've been here before. Mas de vez em quando eu acordo acreditando e acho que nossa força está em reconhecer essas fragilidades, em usar o que temos desconstruído para sugerir novas formas de ver o mundo; acredito que um dia esse pessoal vai todo morrer e a gente precisa segurar essa onda e pra isso precisamos começar criando, escrevendo, pensando, questionando, e administrando pequenas revoluções no nosso pequeno universo.
Se for pra cair, que a gente caia tentando mudar -- graciosamente, usando cor-de-rosa, como aprendemos com Harry Styles. Just stop your crying baby it'll be alright. They told me that the end is near. We gotta get away from here.
Se eu fosse uma música seria Sign of The Times e ela repete 15 vezes que precisamos sair daqui. Vamos?
fique firme enquanto dói
faça flores com a dor
você me ajudou
a fazer flores com a minha
então floresça de um jeito lindo
perigoso
escandaloso
floresça suave
do jeito que você preferir
apenas floresça
- para quem me lê (rupi kaur)
Disco da Semana
The Pink Album (Harry Styles):
¯\_(ツ)_/¯
¯\_(ツ)_/¯
¯\_(ツ)_/¯
¯\_(ツ)_/¯
¯\_(ツ)_/¯
¯\_(ツ)_/¯
Links, Links, Links
Estou bastante atrasada, então hoje teremos apenas uma breve auto-promoção pra não perder o costume
Esse mês o Valkirias fez um ano (YAYYY VALKS!!!) e eu escrevi um editorial sobre binge culture, escrever e consumir cultura pop e a internet que nós queremos;
Ainda sobre Harry Styles, escrevi para o Headcanons uma cronologia capilar do moço falando sobre suas belas cabelas;
Semana passada tivemos a Semana das Mães no site para pensar e repensar a maternidade e todos os textos ficaram incríveis, prestigiem!
Ok, eu disse que só ia divulgar coisas que andei fazendo, mas lembrei de dois links importantes:
Essa semana finalmente consegui ler o SELFIE, uma especial que a Rachel Syme fez sobre... selfies! É muito interessante e acho que dialoga bem com o que andei dizendo sobre a nossa geração ser mais legal do que a gente imagina.
Um vídeo muito importante do Harry cantando Stockholm Syndrome ao vivo no Today Show. Meu coraçãozinho directioner deu pulinhos aqui e é mágico ver a alegria dele cantando essa música idiota que ele gosta tanto e todas as pessoas cantando junto com ele.
Ufa, agora acabou!
Muito obrigada pela companhia e por chegar até aqui, tanto nesse texto como nesse momento. Essa é a edição de nº 50 da newsletter (!!!) e eu gosto bastante de tirar um tempo na minha semana pra escrever essas bobajadas que são meio bregas, mas são muito importantes nesse projeto pessoal que tenho de ~*vulnerabilidade*~ e me abrir pro mundo, e sempre fico muito feliz quando alguém me conta que levou pra vida alguma coisinha que escrevi por aqui. Sei que não sou a melhor correspondente no mundo, e vou repetir isso sempre porque morro de vergonha dos meus e-mails atrasados, mas saber que tem gente aí do outro lado lendo, pensando e sendo brega junto comigo faz uma diferença enorme na minha vida e me ajuda a ~*acreditar*~ (imagine isso sendo escrito com um gif piscante cor-de-rosa, por favor).
O texto de hoje era só pra dizer que eu gostei muito muito muito do disco do Harry, que ele me deixou feliz e inspirada, com vontade de FAZER COISAS e era isso que queria dividir com vocês, mas como sou eu isso virou uma reflexão enorme e megalomaníaca. Caso o ponto tenha se perdido aí no meio, vou dizer de novo: acreditem em vocês, own the shit of your shit e coloquem suas artes (seja ela arte-arte, trabalho, projeto pessoal, pesquisa acadêmica, cabelo colorido, vegetarianismo, ENFIM) no mundo porque ele está precisando de novas ideias. Eu e o Harry acreditamos em vocês!
Stay beautiful!
Yours truly,
Anna Vitória
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