Hello stranger, como vai você?
Eu tenho uma coleção de camisetas. Essa coleção começou quando eu tinha 12 anos e fui pela primeira vez na Galeria do Rock, saindo de lá com uma brusinha dos Beatles e outra dos Strokes, o início de uma tradição que dura até hoje de sempre comprar camisetas de coisas que eu gosto ou em lugares e momentos que me marcam de alguma forma. Tenho muitas camisetas da mesma forma que tenho muitos vestidos, mas vejo as primeiras como uma coleção porque, ainda que eu goste muito dos meus vestidos, eles não são uma afirmação das coisas que eu acredito e é assim que vejo minhas camisetas.
Elas são uma afirmação de identidade, todas elas, que me dão uma alegria ingênua e orgulhosa sempre que saio com elas por aí. Quando a Marie Kondo diz que nós precisamos abraçar nossas roupas e perguntar se elas nos trazem alegria, não consigo achar a proposta absurda ou ridícula porque penso na felicidade que sinto sempre que uso minha camiseta da Beyoncé fantasiada de Tempestade, ou a do Wilco que comprei no show deles, e o argumento faz sentido. Até hoje tenho a camiseta roxa dos Strokes que comprei na Galeria do Rock há mais de 10 anos e de vez em quando uso ela pra dormir.
Até a última quarta-feira não tinha pensado sobre nada disso, mas tudo fez sentido depois que vi o filme da Mulher-Maravilha. Queria poder dizer que tenho uma relação significativa com a personagem e que como tantas amigas e mulheres que conheço passei anos esperando por esse filme, mas não é verdade. Apesar de sempre ter gostado de histórias de super-heróis e ser o tipo de pessoa que vai ver todos esses filmes na estreia, a Mulher-Maravilha não fazia parte da minha vida, talvez porque eu não tenha o hábito de ler quadrinhos, sei lá. Se quarta-feira de manhã saí de casa com o único objetivo de comprar uma camiseta da personagem pra ir no cinema mais tarde, é porque eu adoro um fervo de fã, gosto de participar e de ter uma desculpa pra ser temática e de quebra comprar uma roupa nova, e senti que isso era especialmente importante no dia em que estaria na estreia de um filme de mina no meio hostil e bem masculino que é o desse tipo de evento nerd que sempre me dá motivo pra revirar os olhos e querer morrer. Era uma afirmação que eu precisava fazer, ainda que não fosse pessoal.
Mas aí aconteceu. Na primeira cena em que a Diana aparece na tela de armadura, no front de batalha, como Mulher-Maravilha, onde todo mundo fala pra ela não ir, mas ela vai mesmo assim. As pessoas da sala gritaram e aplaudiram e eu me arrepiei inteira e... comecei a chorar?? Não foram duas ou três lágrimas tímidas, eu simplesmente não conseguia parar de chorar e nem conseguia entender por que exatamente eu estava chorando. Foi uma reação puramente emocional que há tempos eu não tinha, e achei muito doido, e bonito, e significativo, e meio triste descobrir depois que tantas mulheres tiveram a mesma reação naquele momento. A crítica do LA Times disse que pra ela foi como descobrir uma coisa que até então ela não sabia que queria tanto, e a Letícia usou como exemplo a Rey em Star Wars pra dizer muito bem que "foi quase como aprender um conceito novo, um que sempre foi óbvio para mim – sim, mulheres podem ser heroínas – mas que naquele momento se tornou bem mais visível."
Pra mim foi tudo isso combinado com a sensação de que pela primeira vez, depois de tantos anos e tantos filmes, eu estava entendo, mas entendendo mesmo, os filmes de super-herói. Eu escrevo muito sobre a importância da representatividade, mas acho que nunca tinha sentido de verdade o quão especial era isso até ver esse filme. Queria que essa frase não fosse um meme que acaba banalizando o sentido da coisa toda, mas foi um momento que realmente não sei explicar, só sentir.
"Ah, então é disso que eles estavam falando o tempo inteiro!"
A Mulher-Maravilha não é a primeira heroína que vejo no cinema e se X-Men é a minha franquia de heróis favorit, é muito por causa da farofada daquelas mulheres que comecei a gostar jogando vídeo-game com meu primo no Playstation 1, procurando uma personagem mulher pra eu lutar. Os X-Men tem uma importância enorme por passarem uma mensagem importante sobre encontrar força nas diferenças, sobre fazer da sua inadequação o seu poder, sobre a importância da tolerância e o perigo dos discursos supremacistas. Tudo isso é incrível e merece seu espaço, mas ainda eram pessoas tentando conciliar suas vidas com um poder maior que elas, são histórias que buscam muito mais força e significado na humanidade daqueles personagens do que naquilo que os faz extraordinários. Se a gente passa pro universo carrancudo da DC, são histórias que querem muito convencer a gente de que ter aqueles poderes talvez seja a maior sina que aqueles personagens carregam. E tudo bem, é uma forma de olhar as coisas, mas isso não é tudo. Faltava alguma coisa.
O que faltava era uma heroína naqueles moldes mais puros do mito: alguém que fosse maior e melhor que a gente, alguém que fosse tudo o que a gente queria ser. Assim é a Mulher-Maravilha, e ainda que ela seja forte, poderosa, inteligente, linda e invencível, o que existe de mais extraordinário, mais super, mais MARAVILHOSO sobre ela é o amor, a empatia, a luz. A humanidade falhou e o mundo é uma merda, e viver nos deixa calejados, sem esperança, frustrados, frios, e de tanto herdar só cinismo nas nossas tentativas de amor a gente começa a acreditar que o amor talvez seja uma bobagem ingênua que atrasa a nossa vida e que é melhor deixar pra lá. É tanta impotência, uma impotência asfixiante, que pra continuar a gente decide olhar mais pra frente e menos pro lado, pros outros, cuidando da nossa vida porque é o melhor que a gente faz. Não podemos carregar o mundo nas costas, resolver todos os problemas, cuidar de todas as dores. Não podemos mesmo, mas a Mulher-Maravilha pode, sobretudo porque ela acredita, porque ela age com base no amor, na gentileza, na certeza de que fazer bem é a única opção, foi pra isso que ela veio e seguir em frente sem olhar para os lados, para os outros, seria trair a essência do que ela é, e ela é uma deusa. Ela é melhor que a gente. Ela vai lutar.
Eu acredito em todas essas coisas e muitas vezes eu me sinto boba por causa disso, mas um filme como Mulher-Maravilha (ou como Animais Fantásticos e Parks and Recreation, que já falei aqui antes) me mostra que essas ideias são possíveis, que elas valem a pena. A proposta não é ter esse modelo e se sentir um lixo por não ser uma heroína e não conseguir vencer todos os dias, menos ainda salvar o mundo - às vezes salvar a própria vida já é trabalho o suficiente - mas são exemplos que lembram que ainda que a gente caia tentando não vai ter sido uma luta idiota. Talvez seja nossa única forma de redenção. Existe toda uma parte sombria e complicada sobre a nossa condição humana que quanto mais cedo a gente encarar de frente, entender e aceitar, melhor vai ser, mas isso não pode significar entregar os pontos e deixar por isso mesmo. Muita gente deixa, e é por isso que a mãe da Diana diz que a humanidade não merece alguém como ela para lhe defender, mas ela vem de qualquer forma porque escolhe olhar para o nosso outro lado, o da luz. Eu tento escolher a luz também e um filme como esses me mostra que esse é um caminho possível. Ver isso representado na figura de uma mulher me diz que esse é um caminho possível pra mim, que existe uma mulher maior que eu que simboliza essas coisas bocós que eu acredito, e que ela é incrível e forte o suficiente pra que ninguém diga que acreditar em todas essas coisas é algo bocó.
Quando o filme acabou, eu estava feliz, eufórica, emocionada, quase idiota, e fiquei muito feliz de ter comprado aquela camiseta, com vontade de voltar na loja e comprar todas as outras (me aguardem). Como disse no começo, minhas camisetas pra mim são afirmações de quem eu sou e das coisas que eu acredito, e minha camiseta da Mulher-Maravilha é o jeito de dizer isso tudo através de uma ilustração engraçadinha. Ela diz pra todo mundo que estou feliz com as minhas escolhas e que eu acredito que posso também vencer o mundo.
Desde março eu não terminava um livro e nem sei explicar direito por que isso aconteceu. Minha última tentativa desesperada de me salvar dessa ressaca, quase um tudo-ou-nada, foi apostar em Luna Clara & Apolo Onze, livro infanto-juvenil da Adriana Falcão que passei anos acreditando que já tinha lido na biblioteca da escola pra descobrir depois que não. Não se esquece um livro como esse.
É uma história cheia de coração, sobre Doravante, um homem que perdeu toda a sua sorte, mas andou o mundo inteiro, andou por doze anos, oito meses e quinze dias atrás de Aventura, seu amor, que esperou doze anos, oito meses e quinze dias por ele parada no mesmo lugar, porque sempre acreditou que um dia ele fosse voltar. É um livro engraçado, inocente, espirituoso, doce e que é tudo de lindo, sem um pingo de cinismo, que faz a gente olhar os imprevistos, acasos e coincidências da vida como a mágica bonita que às vezes eles são. Essa é outra coisa que eu adoro acreditar, que eu escolho acreditar, e ia dizer que poderia ter escrito esse livro, mas que bom que outra pessoa escreveu, que assim tenho alguma coisa pra ler quando estiver difícil acreditar.
Você já percebeu como são intrometidas as coincidências do destino?
E criativas.
Ativas.
Muito românticas.
Então vá se preparando.
Porque mais cedo ou mais tarde, muito provavelmente, elas ainda vão se meter na sua vida.
Ai ai.
Disco da Semana
Meu Lugar (Anitta): Além de Diana Prince, nos últimos dias a mulher que mais tem me inspirado é a Anitta. Sou #anitter de longa data, ex-criança-fã-errada-de-Kelly-Key que fui, no meu coração sempre teve um lugar pra Anitta suburbana do funk melody pré nose job, que foi como a conheci. E é um baita orgulho ver onde ela chegou com as próprias pernas, sendo sua própria empresária que foi lá, batalhou, estudou, entendeu o mercado e fez todas as lições para se lançar numa carreira internacional que já está dando certo. E ela continua sendo maravilhosa, sincerona e autêntica com aquela espontaneidade engraçada do "cês pensaram que eu não ia rebolar minha bunda hoje?", que erra e corre atrás pra tentar melhorar, que ri de si mesma e faz meme com as próprias piadas que fazem dela. Sou fã mesmo e ultimamente toda preguiça que sinto eu digo pra mim mesma que não foi desse jeito que a Anitta chegou no Jimmy Fallon. Como foi uma semana maravilhosa pra ser fã de Anitta, andei ouvindo demais meu disco favorito dela, esse ao vivo que fica melhor ainda quando se vê os vídeos das músicas, mas que ainda é perfeito pra ouvir rebolando a própria música em casa, no carro, na rua e em todo lugar. Você pode não gostar do estilo, mas é preciso respeitar essa mulher e esse rebolado.
Músicas favoritas: Cobertor, Na Batida, Movimento da Sanfoninha, Cachorro Eu Tenho Em Casa, Tá Na Mira e Meiga e Abusada (<3333333333333).
+ E claro, vim exaltar e enaltecer as duas músicas que ela lançou essa semana, as já essenciais Paradinha e Sua Cara, com a ilustre uberlandense Pabllo Vittar.
++ Tô numa fase muito funkeira e endosso a playlist do gênero feita pelo meu amigo Matheus que é quem me apresenta as músicas que os jovens estão ouvindo, já que se depender de mim fico pra sempre ouvindo Claudinho e Buchecha.
Links, links, links
Crítica do Valkirias para Mulher-Maravilha, o filme que nós esperávamos;
Em nome de tudo que há de bom, texto da Isadora sobre o filme e toda a sua importância;
Mulher-Maravilha e a jornada da heroína, na femrecs;
Ao longo de todo mês o site vai participar de uma ação especial para celebrar o Dia do Orgulho Gay e quem inaugurou os trabalhos foi a Paloma num texto bem didático sobre heterossexualidade compulsória em The Handmaid's Tale;
Da série Não Acredito Que Não Fui Eu Que Escrevi Esse Texto: a teoria de que, em Twin Peaks, comida é sinônimo de virtude;
Da série Não Acredito Que Não Fui Eu Que Tive Essa Ideia: uma newsletter sobre One Direction;
Uma entrevista maravilhosa com Lizzy Goodman, autora de Meet Me In The Bathroom, o livro que mais desejo no momento e que já é tudo na minha vida (é sobre os Strokes);
Manchester uplifted by Ariana Grande's colossal empathy: um texto bonito sobre um evento lindo feito como resposta a um acontecimento horrível;
This was a concert, like Live Aid and others before it, which showed how uniquely powerful pop music is, a sonic space where emotions are expressed, processed and worked through. The emotional breadth of pop is often misread as shallow or glib, but events such as this show how valuable its open-heartedness is to so many people.
Ufa, agora acabou!
Obrigada pela companhia e por chegar até aqui. Vocês acharam que eu ia terminar essa edição sem falar Harry Styles nem uma vez, né?
Not today, not today.
Stay beautiful!
Yours truly,
Anna Vitória
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