Hello stranger, como vai você?
Aposto que não é surpresa pra ninguém por aqui a revelação de que sou uma ex-criança-esquisita, principalmente porque aposto que a maioria de vocês também é -- afinal, o que é a internet se não esse enorme ponto de encontro de ex-crianças-esquisitas? Terminei essa semana o livro da Emma Gannon, que é sobre ter crescido com a internet (ela nasceu em 1989, mesmo ano que a Taylor Swift world wide web foi criada), e uma coisa que me marcou muito logo no início do livro é quando ela escreve que ainda na infância, brincando no Paint no computador antigo dos seus pais, ela percebeu que se importava com aquilo muito mais que todos os seus amigos. Eu era uma criança esquisita porque também me importava demais com algumas coisas, mais do que qualquer outra criança que eu conhecia. Eu era uma criança que se importava além da conta com livros, internet e roupas.
Na escola, ganhei mais de uma vez um prêmio no fim do ano por ter sido a aluna que mais pegou livros na biblioteca, um feito que ninguém além das minhas professoras de português achava legal, e era meio patética a forma como eu implorava para as minhas vizinhas (que tinham banda larga em casa, quando minha internet ainda era discada) pra que a gente brincasse no computador quando elas estavam mais interessadas em brincar de Barbie ou correr lá fora. Mas antes de aprender a ler ou sentar na frente de um computador pela primeira vez, eu já era uma criança que tinha como maior diversão na vida ter livre acesso ao armário de uma mulher adulta (que no caso era minha mãe ou minha avó) e vestir suas roupas para desfilar pela casa. Eu mal sabia andar e a coisa que me fazia mais feliz era calçar sapatos de salto para andar com eles no chão de taco e ouvir o toc-toc-toc (ironias: hoje em dia salto pra mim só em casamento, nas duas primeiras horas de festa). Lembro de ficar deitada na minha cama pensando em roupas bonitas que eu gostaria de usar, e a mesadinha de R$5 que meus pais me davam toda semana era usada pra comprar Caprichos e Vogues antigas no sebo.
Um dia comecei a de fato ler essas revistas e não só pular direto para os editoriais e recortar os anúncios de grife e aos poucos comecei a gostar mais das palavras do que das figuras. Mas por muito tempo minha imaginação só tinha espaço para roupas bonitas. Acompanho a Tavi Gevinson desde o primeiro ano do Style Rookie, quando ela tinha 11 anos e eu 13, e o que me deixou obcecada desde o início é que tinha encontrado uma menina mais ou menos da minha idade que estava vivendo o sonho fashion que só existia na minha cabeça. Nós éramos crianças estranhas pra caralho.
À medida que fui crescendo, encontrei amigos que compartilhavam desse mesmo interesse apaixonado por livros e internet e foi maravilhoso! Encontrei minha casa, minhas pessoas, e não era mais tão estranha, mas aquela parte de mim que gostava de moda acabou ficando esquecida. Às vezes à força. Uma coisa mais ou menos comum entre gente que gosta muito de livros e internet é que essas pessoas frequentemente não ligam muito para roupas, acham besteira, futilidade, ou simplesmente não se importam o bastante. E tudo bem, acho mais do que justo, mas a forma desencanada (e até um pouco defensiva, coisa que acho compreensível) que a maioria das pessoas que conheço trata a moda e tudo relacionado meio que me fez ter um pouco de vergonha desse meu lado. Era o sentimento de criança esquisita novamente, me importando além da conta com coisas que todo mundo achava besteira, com uma pitada da síndrome de cool girl que me fazia acreditar que pra ser a garota fodona que queria ser eu não poderia me importar com essas coisas supostamente fúteis -- uma ideia idiota e muito machista que felizmente foi superada por mim, mas que ainda rola em muitas rodas desconstruidonas por aí.
A Tavi foi a primeira pessoa a me ensinar o que é estética e o Style Rookie era um blog de moda que tinha muito mais imagens de filmes, obras de arte e paisagens do que de desfiles e modelos. Não aprendi a me vestir com ela, mas foi a Tavi que me apresentou a maior parte dos meus filmes, séries, livros e bandas favoritas da adolescência e se hoje eu não continuo indo atrás de tudo que ela diz ou indica é porque não tenho mais o tempo de antes. Com a Tavi aprendi que moda é uma expressão artística, e que antes das roupas vêm as pessoas e tudo que elas carregam consigo. A Tavi me ensinou que se vestir também é uma forma de contar uma história, uma coisa que todo mundo faz, o tempo inteiro, de forma consciente ou não, e esse é o tipo de moda em que acredito.
Foto de um dos meus editoriais favoritos de todos os tempos, fotografado pela Petra Collins
Então no fim do ano passado eu arrumei um emprego. Acho que nunca contei aqui, mas trabalho num e-commerce que vende roupas, sapatos e acessórios. O site é de uma loja de luxo daqui, um local bem tradicional que existe há mais de 20 anos na cidade e é meio que a Daslu do interior. Embora o site e a loja sejam empresas separadas, nosso escritório minúsculo divide um loft com o resto da loja, o que faz dele um lugar bem peculiar de se trabalhar, principalmente para quem estava acostumada a redações. Trabalho com comunicação e marketing, mas a verdade é que contando comigo o site tem quatro funcionárias e nosso cotidiano está mais para um episódio de Girlboss do que a empresa da Anne Hathaway no filme Um Senhor Estagiário -- aqui é o momento que vocês lembram da Sophia atravessando a Golden Gate correndo com um vestido de noiva vintage.
Ou seja, pouco mais de um mês de firma depois já estava fazendo meio que de tudo e... eu gosto disso. Era pra ser um dos pontos negativos do trabalho, e entrei lá repetindo o tempo todo que seria por pouco tempo, já que essa foi a primeira oportunidade de emprego que apareceu que não me dava vontade de vomitar. Mas aí eu fui ficando, em partes porque não apareceu coisa melhor e em partes porque me divirto de verdade. Na primeira vez que meu chefe me convidou pra participar da reunião que ia decidir o que teríamos na próxima coleção, percebi que meu mundo havia dado 360 cambalhotas e estranhamente eu tinha ido parar num trabalho que era minha fantasia besta de criança, mais de 15 anos depois. O Segredo é real, gente. Cuidado.
eu sempre que chega uma #jaquetaça nova na firma
Estava conversando sobre isso com minha amiga Renata, uma conversa longuíssima e linda que tivemos sobre quem nós éramos e quem nos tornamos, sobre como nossa formação mais fundamental acontece muitas vezes de forma indireta, sem que a gente perceba, e como é bizarro perceber que às vezes as coisas acontecem. Quando criança, a Renata sonhava em trabalhar na Avenida Paulista porque ela achava aquilo tudo muito grande e queria fazer parte daqueles prédios grandes, ser a pessoa que andava no corredor com um sapato que fazia barulho; quando criança eu sonhava em ser soterrada por roupas bonitas. Isso explica por que a Renata é bem sucedida e trabalhou por anos na Paulista e eu tô aqui, mas divago.
Quando criança, antes dos livros e da internet, se me perguntassem o que eu queria ser quando crescer eu sempre dizia que queria ter uma loja de roupas e sapatos pra poder ter todas as roupas e sapatos (minha ideia do funcionamento de um comércio era um pouco confusa) e meu pai até hoje ama contar essa história. Queria poder mexer nas roupas do jeito que minha mãe nunca me deixava fazer quando me levava em alguma loja com ela, do jeito que eu amava tirar e guardar as roupas no armário por diversão. Me falaram que esse trabalho me mudaria pra pior, e é verdade que o meio das modas é hostil, com valores distorcidos, e alguns dias minha vida lembra O Diabo Veste Prada sempre da pior forma. Convivo numa realidade em que pessoas gastam mais de R$30 mil em roupas por mês, que compram tanta coisa que literalmente não sabe o que compram, porque acontece dessas clientes tentarem comprar a mesma peça mais de uma vez porque nem chegaram a abrir a compra anterior. É um lugar onde o manequim dificilmente vai além do 42 e onde conversas sobre jejum intermitente de 12 horas são comuns e banalizadas. Se às vezes me dá vontade de sair correndo? Claro, mas de algum jeito consigo me blindar dessa parte negativa na maior parte do tempo. O que meu trabalho nas modas acabou mudando foi minha relação com minhas próprias roupas, com o que eu visto, e me lembrou que tudo está carregado de história.
Senti isso com força quando apliquei o método da Marie Kondo no meu armário. Eu sei que ela pode ser meio too much, mas foi a arrumação mais eficiente que já fiz. Não só tirei mais roupas do meu armário do que em toda a minha vida, como nunca estive tão feliz com o que tenho. Não abracei as peças e nem fiz carinho nelas, mas realmente parei pra pensar no que me trazia alegria e qual era o papel daquelas roupas na minha vida. Você se sente meio bocó no começo, mas logo começa a fazer sentido e é maravilhoso observar a diferença. Vi que era besteira ficar guardando as roupas bonitas pra ocasiões especiais e esporádicas, que poderia usar coisas que me traziam alegria todos os dias, sem ficar com medo do que os outros iam pensar, e de repente me vestir se tornou uma das partes mais divertidas do meu dia. Viver nossa verdade estética é bom demais e isso acaba se expandindo pra outros setores da vida, e eu tenho gostado muito de ser verdadeira com as coisas que gosto e acredito também do lado de fora -- shout out pra minha amiga Sofia, que é a melhor pessoa nisso que conheço e minha inspiração constante.
Não estou falando que isso é uma verdade universal, só foi algo que funcionou pra mim, fez com que eu me sentisse mais bonita, mais feliz, mais eu mesma do que em muito tempo, como se tivesse me reencontrado e feito as pazes com uma parte significativa de mim depois de um período meio desencontrado, com um monte de mudanças e fins acontecendo, quando tudo que eu achava que queria pra minha vida de repente mudou e eu me vi sem saber o que fazer dali em diante. O importante é ter saúde e tentar ser feliz, e no momento minha felicidade tem vindo na forma de roupas cor-de-rosa e um casaco de plumas.
Quando digo onde trabalho, sempre me perguntam se não fico doida com as roupas, querendo comprar tudo. A verdade é que nunca fui consumista e não são peças que custam mais que meu salário que vão mudar isso, mas desenvolvi um carinho bizarro pelas roupas, principalmente as de liquidação. Temos aqui algo que chamamos de Bacia das Almas, que é para onde vão as peças que encalham solitárias, mesmo com descontos absurdos. Algumas porque são mesmo feias ou difíceis de usar, mas outras acabam ali sem qualquer explicação e são essas as minhas favoritas, como cachorros idosos num abrigo de animais ou adolescentes rejeitados num orfanato. Eu quero que elas tenham uma boa vida e gosto de imaginar a vida de quem as comprou quando elas finalmente são vendidas. Sei que não é sempre assim, mas gosto de fantasiar que certas roupas estão destinadas a certas pessoas, como o vestido branco de laise esquecido que virou o vestido de noiva de uma das vendedoras, ou a cliente com quem falei no telefone semana passada, que disse ter esperado meses até que seu vestido favorito entrasse em liquidação, e que agora ela não acreditava que ele finalmente seria dela.
Era um vestido lindo, preto e longo, do tipo que vende fácil como água, mas por algum motivo aquele modelo tamanho 40 foi pra Bacia das Almas até ir parar na casa da Cristina. Espero que ela seja muito feliz com ele.
Em sete meses nesse trabalho, só comprei duas peças de roupa. Uma foi logo no meu primeiro mês, na primeira grande liquidação. Foi um vestido que vi e amei quando fui fazer a entrevista, que achei tão bonito que foi meu primeiro post nas redes sociais da loja, mas nem tive coragem de olhar a etiqueta. Pouco depois da morte do meu avô, estava tendo um dia muito ruim e olhava de forma desinteressada as roupas em promoção, sem gostar de nada. Disse pra uma das vendedoras (que depois viria a se tornar uma amiga) que nada ali tinha a minha vibe, até que ela foi buscar alguma coisa no fundo e voltou trazendo o Vestido, que ela nem sabia que era a minha peça favorita na loja inteira. De repente eu estava no provador, de calcinha e sutiã na frente de todas aquelas mulheres que eu ainda mal conhecia, e a Camila fechou o zíper nas minhas costas e juro que nenhuma roupa me vestiu tão perfeitamente como aquele vestido. Sabe quando antes de pensar você já está dando uma voltinha, encantada com a própria figura, e as pessoas ao redor soltam exclamações empolgadas? Foi assim. Se essa coisa de casar vestida de noiva não rolar pra mim, esse vai ter sido meu momento say yes to the dress. O vestido estava com 70% de desconto e hoje é a coisa mais bonita do meu armário.
Naquela conversa com a Renata, a gente estava numa vibe riponga de entender que a gente sempre vai parar nos lugares por algum motivo. Por muito tempo eu achei que estava nesse trabalho pra descansar depois de um ano em que tive dois burn-outs e também para me estabilizar financeira e emocionalmente. Esses últimos meses têm sido um pouco disso tudo, mas hoje já acho que fui parar lá pra me inspirar de novo. Porque antes do livro e da internet eu tinha as roupas, mas antes das roupas sempre vêm as histórias.
Ícones fashion do momento e da vida inteira
Alexa Chung
Audrey Hepburn
Harry Styles
Vic Ceridono
Tavi Gevinson
Peças de roupa que mais me trazem alegria no momento
Casaco preto de plumas
Jaqueta jeans anos 90
Os tricôs antigos da minha mãe
Botinha chelsea adquirida na última liquidação da firma
Saia preta de tule
Disco da Semana
Something To Tell You (Haim): Depois de quatro anos de espera, o segundo disco das Haim está finalmente entre nós. Eu achei o disco uma DELÍCIA, com cara de verão, com cara do céu azul sem nuvens que tem feito por aqui (a parte do frio de 10ºc a gente ignora). Se as músicas são meio iguais entre si? São, mas é um disco tão redondinho e gostoso, tão perfeitinho, eu gosto tanto delas, não consigo reclamar. Semana passada fiz uma viagem de carro e não poderia ter trilha sonora mais perfeita. E pode ser que só tive essa impressão porque passei os dias antes do lançamento ouvindo Prince feito uma maluca, mas realmente dá pra escutar um pouquinho do Prince nesse álbum. Vou deixar essa no ar. Emendem ele com Purple Rain, o disco, e me digam se não é um excelente esquenta.
Músicas favoritas: Want You Back (melhor clipe ever? melhor clipe ever), Nothing Wrong, Ready for You, Kept Me Crying, You Never Knew
Bônus: cover das Haim pra Bad Liar, da Selena Gomez, com baby Alanna no vocal principal <3
Links, links, links
- No dia do rock, escrevi no Valkirias sobre a Mitski, cantora que já falei aqui antes e que faz o gênero ser legal de novo;
- Minha aparência importa?, vídeo da Chez Noelle sobre ser uma mulher arrumadinha que me contempla num nível espiritual;
- Como amar peitos pequenos, outro vídeo ótimo da Stephanie;
- Uma semana de looks da Ashley C. Ford, ídola e melhor pessoa da internet;
- Acho que já indiquei esse vídeo antes, mas ver a Vic Ceridono analisando seus looks antigos é a melhor definição de roupas que trazem alegria;
- Pra quem sente falta de blogs de moda informativos de verdade, o da Gabriela Ganem é um dos meus favoritos recentes, cheio de coisas ótimas sobre análise cromática e coloração pessoal;
- Semana passada perdemos a Elvira Vigna, uma escritora que nunca li, mas sempre amei, sabe assim? A Revista Pessoa liberou o acervo com as colunas dela e vale muito a pena ler. Minha favorita foi essa aqui sobre homens intelectuais insuportáveis;
- Ainda na editoria homens insuportáveis: história oral dos filmes do Tarantino de acordo com homens durante encontros;
- Sobre os 10 anos do Marry Me, primeiro disco da St. Vincent, um texto que eu queria muito ter escrito;
- O texto mais interessante que li nesses 15 dias, sobre a estética das comidas no Instagram e performance eating;
- As fotos de maternidade da Beyoncé explicadas pela história da arte;
- Fizeram uma playlist com músicas do Harry Styles e da Taylor Swift como se fosse uma conversa entre eles;
Ufa, agora acabou!
Obrigada pela companhia e por chegar até aqui. A última semana foi bem difícil e triste para o país e eu sinceramente não sei o que pensar, o que fazer, como me articular com relação a nada disso. No momento quero fazer igual a Rihanna e fugir de jet ski pra qualquer lugar. Vamos?
Stay beautiful!
Yours truly,
Anna Vitória
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