Hello stranger, como vai você?
Domingo passado* assisti o último episódio de Crazy Ex-Girlfriend antes de dormir e acordei segunda às seis da manhã com os olhos arregalados, sem conseguir parar de pensar que a vida não faz sentido narrativo, é tudo uma bagunça e vamos todos morrer mesmo. Comecei uma newsletter sobre isso, mas no meio do texto fiquei tão deprimida com minha própria reflexão existencialista que passei um tempo encarando o teto do quarto e desisti de escrever porque 1) é tudo uma bagunça e vamos todos morrer mesmo e 2) não queria escrever uma newsletter de bad. Olha o mundo o jeito que está, não sou eu que vou chegar na caixa de entrada de vocês trazendo as boas novas de um mundo vazio e sem sentido -- pra isso existe Crazy Ex-Girlfriend, que pelo menos vem com umas músicas boas no pacote. Assistam Crazy Ex-Girlfriend.
Minha angústia existencial foi interrompida por uma semana em que coisas realmente muito boas aconteceram, desde Harry Styles lançar um clipe que é um retrato perfeito do meu coração até conquistas profissionais que me deixaram pensando que a vida pode mesmo não fazer sentido narrativo, mas eu ainda posso ser a heroína da minha história, a única pessoa que realmente pode fazer isso. Saí de uma crise de ansiedade que já durava dois meses, com alguns dias melhores do que outros, mas uma sensação generalizada de ter o coração, o cérebro e o corpo inteiro transformados num pudim esfacelado de sentimentos, incapaz de me manter firme por muito tempo.
E sair de uma crise dessas é sentir que estou voltando a ser eu mesma, como a barrinha de vida de um personagem de vídeo-game que vai se enchendo aos poucos, os tijolinhos se reconstruindo um por um. É um movimento mágico e também assustador, porque só então eu percebi que passei tanto tempo me sentindo mal que tinha esquecido como era me sentir bem, realmente bem. Cortei o cabelo, arrumei minha mesa de trabalho, organizei meu armário, retomei meu ritmo normal de trabalho, voltei a ler por prazer, comprei roupas que fazem eu me sentir maravilhosa, respondi e-mails atrasados (não todos, mas juro que chego lá), saí de casa pra ficar horas num bar rindo e falando bobagens e lembrei que ainda consigo fazer isso, olha só que coisa.
Quando acordei depois do meu primeiro dia bom depois da crise, a primeira coisa que fiz foi colocar o Speak Now pra tocar bem alto, porque poucas coisas fazem com que eu me sinta mais como a pessoa que realmente sou (pro bem e pro mal) como as músicas da Taylor Swift. Não consigo ouvir Taylor Swift em períodos ansiosos como o que passei porque é simplesmente demais. O que ela faz de melhor é transformar pequenos momentos em espetáculos, fazendo com que as experiências que ela vive e sobre as quais ela escreve (e essas experiências com frequência são sentimentos e sensações) tenham a dimensão e o impacto que ela atribuiu a eles dentro da sua cabeça. Quando sua cabeça está operando no caos e seu maior problema é justamente ser afetada de forma desproporcional pelas coisas de um jeito que foge ao seu controle (oi), fica um pouco complicado ouvir músicas que tocam tão profundamente nessas notas.
Por outro lado, elas são perfeitas para o que vem depois, quando finda a tempestade. Ouvir Taylor Swift é minha maneira favorita de encarar meus sentimentos de frente e fazer as pazes com eles, nomeá-los, transformá-los em narrativas épicas, dar espaço para que eles cresçam -- validá-los, acima de qualquer coisa.
A Helena Fitzgerald escreveu recentemente sobre o seu amor por The National, um texto que não é necessariamente sobre o The National, mas sobre como as coisas que mais amamos são aquelas que mais nos envergonham. "Nós raramente amamos algo por motivos que não são constrangedores. As coisas que realmente amamos dizem mais sobre quem somos do que gostaríamos. (...) Talvez eu não queira que você me conheça tão bem; talvez eu não queira ser tão conhecida.". Enquanto lia, só pensava que aquilo pra mim era Taylor Swift. E Wilco, e Gilmore Girls, e Amanda Palmer, mas, sobretudo, Taylor Swift.
Toda vez que publico alguma coisa sobre ela, pode ter certeza que eu quase não publiquei, que eu quase não escrevi (everytime I do, I almost didn't). Um pouco é porque não tenho paciência ou interesse em respostas ou argumentos pra algo que sempre nasce do meu princípio de que sentimentos são os únicos fatos, mas o principal é porque falar sobre Taylor Swift é sempre sobre falar de mim e me expor de um jeito que me constrange.
Imagens reais do que acontece quando começo a falar sobre Taylor Swift
Fico pensando que se fosse uma cantora pop eu seria exatamente como a Taylor Swift: uma pessoa tão desesperada pra fazer tudo certo que mete os pés pelas mãos, faz uma lambança e acaba sendo vista como piada. Isso não é desculpa para os erros graves que ela já cometeu, tampouco altera o fato de que às vezes sua persona pública é cansativa, beirando o insuportável, mas sou uma escritora que perde o sono pensando que a vida não faz sentido narrativo, então só me sobra a opção de torcer por ela, pra que ela encontre uma resposta e um caminho do bem, porque sou igual.
Como mostra esse ótimo perfil, o grande arco narrativo da Taylor Swift é o embate entre o controle e as EMOÇÕES, uma tensão que ela equilibrou bem, e publicamente, por muitos anos, até que não mais. Reputation soa estranho porque é para ser estranho, o que faz dele perfeito. A narrativa do disco é de uma pessoa obcecada por controle tentando abrir mão do controle depois de ser forçada a isso, e ela nunca consegue, não exatamente, mas é essa tentativa -- e principalmente o erro que vem depois dela -- que legitima todo o conceito. Na sua crítica sobre o disco, Rob Sheffield escreveu assim: "Reputation is her most intimate album – a song cycle about how it feels when you stop chasing romance and start letting your life happen."
Faz dias que uma frase do David Foster Wallace não sai da minha cabeça, e acho que ela se aplica aqui: although of course you end up becoming yourself.
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Uma das coisas boas que me aconteceram nesses últimos dias foi que tive a chance de falar numa mesa redonda sobre mulheres na cultura pop representando o Valkirias junto de mulheres que admiro pra caramba. Estava morrendo de medo de não aparecer ninguém, mas as pessoas foram, amigos queridos e gente que eu nunca vi na vida, pessoas o suficiente pra quase encher um auditório. E elas falaram, e participaram, e nós falamos e contamos histórias por horas. Sobre coisas difíceis, porque ser mulher ainda é uma merda, porque esse mundo ainda é uma merda, e estar fechada num auditório de uma universidade conversando sobre Beyoncé e Elena Ferrante não muda nada disso, mas dá uma coragem.
Estou melhorando e voltando ao que eu era antes em vários sentidos, mas algo que ainda não consegui recuperar foi a escrita. É como se eu sempre estivesse cansada demais pra escrever qualquer coisa, incapaz de articular uma ideia na outra, mesmo depois de vários fins de semana e feriados muito preguiçosos. Só que me faz falta, escrever é como um tique que não consigo controlar ou esquecer. Nos últimos dias percebi que minhas legendas de foto do Instagram estavam ficando grandes demais, tive impulsos fortes de escrever textões no Facebook sobre nada de importante, e foi como se esse meu membro fantasma finalmente tivesse parado de doer no vazio para ganhar alguma substância de novo.
Poderia ter escrito qualquer bobagem sobre livros, ou músicas, ou saudades que passaram na minha cabeça nos últimos dias, mas tinha esse texto aqui, que começou lá em cima, há quase duas semanas, que eu não conseguia terminar. Não conseguia porque não tinha uma resposta pra ele. Sem querer, transformei essa newsletter em um espaço seguro em que pude me permitir focar em outras coisas além das coisas Sérias e Importantes que estavam, e estão, acontecendo ao nosso redor; um lugar em que me sentia livre pra falar sobre ex-membros de boy band tatuados e muito bonitos e bichos de roupinha, um tempo que eu tirava para me sentir desobrigada de trazer notícias sobre um mundo vazio e sem sentido. Continuo acreditando em todas essas coisas e na importância vital de se permitir trazer flores pra casa e tirar um tempo para cuidar de si, mas não foi isso que me salvou dessa vez.
Depois daquela mesa redonda, eu e alguns amigos fomos jantar e surgiu uma conversa sobre quem éramos, quem nos tornamos e o que perdemos no caminho. Disse com toda certeza que o tempo só me favorece (kkk) e acredito mesmo nisso, o que é maravilhoso, mas fiquei pensando sobre o que perdi no caminho e concluí que foi a minha saúde mental ou a ilusão de que poderia ignorá-la pra sempre se ficasse bem quietinha. Só que eu não ando mais tão quietinha e sei que é isso que tem me feito melhorar e crescer, mas também é isso que tem mandado minha estabilidade emocional para as cucuias. Esse ano fiz coisas que me assustavam muito, algumas que deram certo, outras não, mas eu fiz algo com relação a elas e isso me fez automaticamente melhor. Se meu cérebro entrou em curto circuito durante o processo? Sim, e sei que não é assim que as coisas deveriam ser, não vou dizer aqui que essa é uma barganha fácil, nem quero correr o risco de romantizar algo que nos últimos meses me deixou murcha como um tigre velho de pelúcia esquecido na neve, mas é por isso que estou me tratando e tentando melhorar.
Mesmo sem ansiedade patológica, fazer! as! coisas! vai sempre ser assustador em alguma medida. Agir é assustador e cansativo. Lutar dá um medo que pode ser paralisante, principalmente porque não existe garantia nenhuma de que vamos vencer, e isso vale para nossa vidinha besta de provas, entrevistas de emprego e meninos que não estão tão a fim assim de nós, e também para coisas grandes, como a realidade distópica que estamos vivendo, em que pessoas perderam a vergonha de dizer que são nazistas e um monstro com delírios ditatoriais (e apoio popular!) corre o risco de ser nosso presidente. É por isso que a constatação de que a vida não faz sentido narrativo é tão assustadora, porque tira a responsabilidade pelo futuro de algo maior e intangível e coloca ela inteira no nosso colo. Em alguma medida (exagerada e que provavelmente só vai fazer sentido e graça na minha cabeça), é como se o mundo (e por que não A VIDA?) (menos, Anna Vitória) estivesse dizendo, talequal a Taylor Swift: my reputation has never been worse so you must like me for me.
Isso significa que a gente vai sentir um medo danado, e talvez nunca nos sintamos realmente prontos, mas precisamos fazer isso. A parte boa é que a gente realmente pode fazer, cabe a cada um de nós entender o que melhor funciona pra cada um e ter muita coragem. Lá vem a Taylor Swift de novo: We can't make any promises, can we, babe? But you can make me a drink. O consolo é que estamos juntos nessa e podemos nos rodear de apoio, boas ideias e também claro-por-que-não bichos de roupinha. Ou um cosmopolitan.
Se no fim nos tornamos aquilo que somos, como disse o David Foster Wallace, eu gostaria de complementar dizendo que o que sobra pra nós no fim são as escolhas que fazemos e os caminhos que tomamos. Quero ter algum orgulho das minhas, porque sou a única pessoa que pode tentar por mim.
Vamos fazer isso? Fazer coisas que nos assustam, comprar umas brigas e agir pelo mundo e pela vida que queremos, afinal *drum roll, please* vamos todos morrer mesmo.
Disco da Semana
reputation (Taylor Swift): Claro, como não? Já disse na primeira parte do texto o que achei do disco: ele é estranho, mas, quanto mais escuto, mais esse estranhamento me parece bom. Brilhante até. Eu gosto de como ele é todo meio quebrado, com incoerências discursivas e sonoras, em que algumas músicas parecem um pastiche exagerado e ridículo do que a Taylor é (e principalmente de como ela é vista) e outras são cheias de honestidade, vulnerabilidade e SENTIMENTOS do jeito que a gente ama, mas também numa nova versão que não é a Old Taylor ou a dark!Taylor, mas algo novo que acho que só vamos descobrir completamente o que é nos próximos trabalhos.
Músicas favoritas: Delicate, I Did Something Bad, Getaway Car, So It Goes..., Dress, New Year's Day
Links, Links, Links
- Meus dias de bruxa no Brasil: A didática, a paciência, e sobretudo a ELEGÂNCIA da Judith Butler ao escrever sobre sua visita ao Brasil -- onde foi atacada, transformada em bruxa e queimada por manifestantes histéricos e ignorantes -- explicando com clareza sua teoria de gênero me deram um gás tão grande que nem sei explicar;
- Stranger Things - Desconstruindo estereótipos desconstruídos de gênero: Stranger Things continua ótima, mas as problematizações estão insuportáveis;
- Quantas obras escritas por mulheres negras você já leu? Lista de indicações de escritoras negras pioneiras para ler e conhecer o trabalho de mulheres negras o ano todo, não só no dia da consciência negra;
- We received $95,000 worth of free stuff during 6 months: O Racked fez um inventário dos jabás que chegaram na redação ao longo de 6 meses e a quantidade de coisa (e lixo) chega a dar a famosa angústia existencial;
- Single, unemployed and suddently myself: Modern Love daquelas de aquecer o coração e fazer pensar sobre vulnerabilidade e ideais de sucesso;
- A cultura pop que perdemos não foi a criada por abusadores: Finalmente um texto que aborda a questão do escândalo de assédios indo além do questionamento se podemos ou não continuar gostando de trabalhos feitos por homens horríveis, se perguntando sobre como cada homem que cai leva consigo um enorme potencial feminino e como precisamos fazer escolhas responsáveis na hora de consumir entretenimento;
- 36 coisas que você talvez não saiba sobre a Glória Maria: "O estado civil dela é muito curioso, não é nem solteira, nem casada: "se eu tô aqui (no Rio de Janeiro), eu tô solteira, se eu tô em algum lugar do mundo, estou namorando", explicou nesta entrevista. E completou: "minha raça vem de uma história de escravidão, de falta de liberdade e eu não quero essa vida pra mim em nenhum nível, sou livre para o que eu quiser fazer". <3
- Lu Ferreira - Minha nova tatuagem: Tinha me achado meio bocó por chorar vendo um vídeo sobre tatuagem, mas depois parei pra pensar e vi que fazia todo sentido porque 1) é emocionante ver pessoas genuinamente felizes com algo que elas fizeram pra agradar só a elas mesmas, independente do que os outros forem pensar; 2) a Lu fala algo muito real sobre dor: que tudo que é importante e vale a pena vai doer de algum jeito, porque agir e mudar sempre dói.
- Os vlogs da Analu em Paris são a coisa mais adorável do mundo, dá vontade de entrar na tela e conhecer livrarias junto com ela <3
- O último show do Wilco de 2017 (provavelmente até 2019);
Ufa, agora acabou!
Obrigada pela companhia e por chegar até aqui. Sei que na última edição (que já faz quase um mês!) eu disse que tinha voltado, mas acontecem coisas e eu estava no meio de um processo interno, como acho que deu pra perceber. Agora estou de volta, pelo menos quero muito estar de volta, pensei em compensar todas as edições perdidas com newsletters semanais em dezembro, com textos mais curtos e leves, o que acham? O que vocês gostariam de ler por aqui?
Sem imagens por hoje porque o Tinyletter decidiu que não vai me deixar subir imagem alguma e já foi esforço suficiente carregar todas as outras fazendo gambiarra. Imaginem o Harry Styles rodeado de bolos, cachorros e crianças bem vestidas -- nem precisa imaginar, basta ver o clipe de Kiwi. Pensem nisso e eu estarei com vocês.
Stay beautiful!
Yours truly,
Anna Vitória
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