Hello stranger, como vai você?
Fevereiro é um mês estranho. Enquanto janeiro se arrasta, fevereiro logo de cara já promete ser mais curto que um mês normal (e aí você percebe que dois ou três dias fazem muita diferença na nossa percepção de tempo) e ainda tem o carnaval, que suspende uma semana inteira no tempo e no espaço; sete dias vividos intensamente, seja no sofá ou na folia, que você não faz ideia pra onde foram depois que passam. E ainda tem meu aniversário no fim do mês, que me deixa mais sensível e introspectiva que o normal, e é como se o mundo lá fora e a realidade ao meu redor fossem só ruídos que vem e voltam, igual água entrando e saindo dos ouvidos de acordo com o balanço das ondas quando a gente flutua no mar.
No fim de janeiro a Sofia mandou uma newsletter diferente, que me apresentou o conceito de moon list, uma listinha de perguntas sobre o que aconteceu na sua vida desde a última lua cheia. Essa proposta foi criada pelo fotógrafo Sam Abell como uma brincadeira que ele faz com a esposa no fim de cada mês (curiosidade: a lua cheia ocorre a cada 29,5 dias) e que a Leigh Patterson transformou em algo maior, um projeto em que todo mês ela convida três mulheres para responder algumas perguntas e reconstruir seus passados recentes.
Gostei tanto da ideia que marquei o dia 1º de março na agenda para não esquecer da lua (que acabei não vendo, já que choveu muito) e achei especialmente interessante responder isso agora no início de março, depois desse mês estranho que foi e sempre é fevereiro, agora que o ano finalmente pode começar.
para ler ouvindo moon river - frank ocean
ou ainda still sane - lorde
e também new year's day - taylor swift
NATUREZA
Uma experiência íntima com o mundo natural
Choveu na sexta-feira de carnaval, como chove em todos os carnavais por aqui. Sabe quando acontece alguma coisa rara e as pessoas dizem "vai chover!"? Achei que minha decisão de pular carnaval fosse extraordinária o suficiente para provocar um efeito contrário, causando impacto na ordem natural das coisas para que não chovesse na sexta-feira de carnaval, mas não foi bem assim -- "essa natureza que não presta atenção em nós", escreveria Drummond. Estava na rua com meus amigos, glitter dourado pelo corpo, um short antigo de pijama compondo uma fantasia improvisada de bonita, uma garrafa de Cantina da Serra sendo passada de mão em mão. Estava começando a me divertir de verdade quando a chuva veio, forte, de uma vez.
As pessoas correram pra se enfiar dentro dos bares que serviam de base pro bloquinho, a gente se espremeu embaixo da marquise fazendo muita força pra acreditar que aquela era uma chuva de verão que passaria logo. Encontrei pessoas que não via há anos, incluindo minha nêmesis da época da escola e o cara do cursinho que foi meu xodó no terceiro ano. Do outro lado da rua um cara simplesmente se jogou na enxurrada, que já formava um pequeno córrego, e fazia graça para as pessoas. Um grupo foi pro meio da rua e começou a fazer uma performance e as pessoas no bar gritavam incentivos. Depois de quase uma hora de resistência resolvemos nos refugir no Mcdonald's mais próximo. Pés e cabelos molhados, a gente não conseguia parar de rir e os atendentes estavam no clima, pareciam bêbados também. Foi o quarteirão com queijo mais gostoso que comi e choveu a noite inteira.
OBJETO (ANTIGO)
Algo que foi redescoberto ou tenha sido valorizado de um jeito diferente
Tenho vocação pra ser acumuladora e acho difícil me desfazer de algumas coisas sem utilidade alguma pensando que algum dia elas podem ser úteis então vou me arrepender pra sempre de ter me desfeito delas. "E se eu for pro carnaval?" é a desculpa que mais uso para manter nas minhas gavetas alguns acessórios inusitados, brindes de festa, roupas estranhas dos outros que peço de presente. Para honrar essa promessa de anos, na terça-feira de carnaval usei uma legging de renda que comprei quando tinha 15 anos e nunca usei. Ela era mais cafona do que eu lembrava e não consigo imaginar o que tinha na cabeça quando comprei, ou na da minha mãe que certamente pagou por ela, mas foi perfeita para minha fantasia de gótica flashdance e finalmente cumpriu seu papel na minha vida.
Nessas de querer guardar tudo, coisas minhas e dos outros, anos atrás salvei de uma arrumação uns óculos escuros da minha mãe, aqueles modelos pequenos dos anos 90 que a gente achou que nunca mais fosse usar até ver a Kendall Jenner usando. Ele era mais bonito do que eu lembrava, causou comoção entre os amigos, e ficou incrível no meu look carnaval, destacando a maquiagem por baixo. Gostei tanto da proposta que agora uso eles também no dia-a-dia e me sinto a Julia Roberts em Notting Hill.
OBJETO (NOVO)
Um novo objeto que entrou na sua vida de um jeito significativo
Tenho fama de ser uma pessoa difícil de presentear, mas acho que a culpa é das pessoas que não prestam atenção suficiente. Minha avó comprou uma bolsa pra mim que ela viu numa loja e achou muito bonita, e ligou pra minha mãe toda preocupada com medo de eu não gostar. Pela descrição minha mãe também achou que eu não fosse gostar e um grande drama foi criado em torno dessa expectativa, aquele discurso de "vou entender se você não gostar" misturado com "por favor goste, foi comprada com carinho". Minha avó não é mesmo muito boa em escolher presentes pra mim, nossos gostos são diferentes, mas eu sou muito boa em fingir que gostei de todos, ou pelo menos achava que era.
Mas eu amei a bolsa. Amei de verdade. É uma bolsa redonda pequena, estruturada, com flores bordadas e vários penduricalhos. Ela não combina com nada e essa é a graça, ser uma peça que funciona de forma independente, o que faz com que ela combine com tudo e transforme todas as minhas roupas. Acho que eu e minha avó gostamos dela por motivos diferentes, mas tudo bem. Eu gostei, ela gostou, e minha mãe não entendeu absolutamente nada.
SURPRESA
Uma experiência com forte teor de surpresa ou choque
Disse acima que presentear é sobre prestar atenção, acima de qualquer coisa. Cheguei em casa do meu jantar de aniversário e vi que todas as lâmpadas do meu quarto tinham sido trocadas. Moramos aqui há um ano, a mudança aconteceu no último carnaval, e desde então a iluminação do meu quarto é um problema. O quarto tinha um ventilador antigo e nas negociações o antigo proprietário ficou encarregado de trocar, mas isso nunca acontecia, então um dia eu tentei mexer sozinha nas lâmpadas e causei uma pequena explosão.
O porteiro do prédio fez um conserto improvisado e me amaldiçoou com uma iluminação fria de lâmpadas fluorescentes, que era o que tinha no momento. Luz fria me deixa triste de um jeito que não consigo explicar: além de ser desconfortável para quem passa muito tempo no ambiente, como é o meu caso, tudo fica feio, ler à noite é horrível e prefiro forçar a visão usando só as luzes de natal que pendurei na estante do que aceitar a lâmpada fria. Sei que é um problema ridículo e até fácil de resolver, mas era algo que realmente me incomodava. Então o namorado da minha mãe resolveu me dar o melhor presente de aniversário de todos, que foi resolver isso pra mim, de surpresa. Não gosto muito de surpresas, principalmente quando elas envolvem mudanças nas minhas coisas e no meu espaço, mas quase chorei quando cheguei em casa, acendi as luzes e fui abraçada por aquela iluminação confortável e aconchegante.
ENCONTRO
Encontro com estranho ou conhecido que tenha te impactado de alguma forma
Tenho um grupo de amigas da internet que habita um grupo de Whatsapp pois moramos em diferentes cantos do Brasil. Nesse mês a Analu convidou a gente pra brincar de 30 dias felizes, uma lista com tarefinhas diárias que dão um quentinho no coração. São coisas simples, tipo ver seu filme favorito ou olhar fotos antigas, mas tem sido muito gostoso fazer isso com elas e passar o dia compartilhando pequenas felicidades. É raro estarmos todas juntas fisicamente, e manter amigos na vida adulta muitas vezes é passar semanas sem se falar e aí dividir grandes novidades & crises & declarações de amor, mas também é sobre xingar colegas de trabalho e mandar uma selfie fazendo careta quando você acabou de acordar, sem qualquer motivo aparente.
Minha tarefa favorita foi o dia que jogamos juntas na loteria. Ninguém ganhou nada, mas valeu pelos vários planos que fizemos com os seis milhões de reais e também por saber o que elas estavam fazendo quando tiraram um tempo nos seus dias pra ir até uma casa lotérica apostar em números aleatórios.
NOITE
Algo memorável que tenha acontecido numa saída noturna
Me tornei aquilo que sempre critiquei: a pessoa que fica encostada na parede na porta de uma balada, sem intenção de entrar, só conversando com os amigos, julgando quem entra e sai, aproveitando a música alta que escapa pra fora. Apesar de ser contra a instituição Beber em Pé, descobri que é uma atividade ideal de fim de noite, principalmente se você mora em cidade pequena, como eu. Dá pra ver & ser vista, encontrar amigos, matar saudades, e quando cansa você pode simplesmente chamar um uber e ir embora sem achar que precisa ficar até o fim só porque pagou R$20 pra entrar.
Foi a segunda vez que fiz isso, e a primeira foi ainda mais simbólica porque convenci o segurança a me deixar entrar rapidinho só pra fazer xixi. Me senti com 18 e 38 anos ao mesmo tempo.
DIA
Um dia significativo passado fora de casa
Um amigo disse que tinha umas coisas pra resolver no shopping e me chamou pra ir junto, num sábado a tarde. Tinha tempo que a gente não se via e perdi sua festa de aniversário alguns dias antes, então topei. Criei uma certa aversão a shoppings porque no início da adolescência essa era basicamente minha única opção de lazer não supervisionado e ir ao shopping no fim de semana sempre me remete a esse sentimento de tédio e derrota. Nosso sábado, no entanto, foi ótimo: muito tempo passado na praça de alimentação falando bobagens e praticando people watching, como se fosse o primeiro ano de faculdade de novo; entrar em lojas chiques de decoração e sonhar com canecas bonitas, taças de cristal e a casa dos nossos sonhos. Ver roupas e livros, tomar café e comer bolo, falar de crises e o medo do futuro, aproveitar para mandar áudios para amigos que estão longe. Tá todo mundo mal, mas não estamos sozinhos.
Era o último dia de horário de verão e voltei pra casa andando para aproveitar o último pôr-do-sol às oito da noite. Nos separamos no meio do caminho e fiz o trajeto mais longo até em casa; atravessei a praça por dentro, o céu estava lindo e por algum motivo inexplicável eu estava ouvindo antigos sucessos da cantora Luka (quem lembra?): Tô Nem Aí e Porta Aberta.
SOZINHA
Sobre tempo passado sozinha
Ir ao cinema sozinha é algo que gosto mais pelo gesto em si do que pelo filme. Fazia tempo que estava sentindo necessidade de ir no cinema pra fugir um pouquinho do mundo e ficar um tempo no escuro, em silêncio, pensando na vida, mas nunca aparecia a oportunidade certa. Na última quarta terminei tudo que tinha pra fazer faltando uns 40 minutos pra uma sessão de Call Me By Your Name e saí feito doida de casa pra chegar a tempo. Chegando lá percebi que tinha olhado o horário errado e teria uma hora pra matar até minha sessão, tempo que gastei na livraria depois de achar um cantinho na ala infantil e um livro de crônicas pra me distrair. Se tivesse planejado não seria tão certo, era exatamente a noite que eu precisava.
Call Me By Your Name é tão perfeito para se assistir sozinha no cinema que a sala tinha mais ou menos 20 pessoas e quase todas estavam sozinhas. Já tinha assistido ao filme antes, então pude só sentir tudo bem quietinha, chorar um pouco no escuro, pensar na vida e esquecer dela ao mesmo tempo. Peguei um táxi de volta pra casa e o motorista perguntou se eu tinha visto a chuva ou ouvido os trovões e eu disse não, moço, eu estava completamente fora do ar.
COM AMIGOS
Sobre tempo passado com amigos
Estava tão mal na semana que antecedeu meu aniversário que sequer consegui sair de casa. Quando já estava um pouco melhor, escrevi para o meu melhor amigo contando o que estava acontecendo e por que eu não estava respondendo as mensagens dele, que respondeu: "Imaginei que fosse isso porque seu aniversário tá chegando e você sempre fica assim." Parte de mim ficou feliz por ter na minha vida uma pessoa que me conhece tão bem, outra achou meio deprimente que eu seja esse enorme clichê de mim mesma.
É verdade que eu sempre fico assim, e quando meu aniversário chega é como se aquela nuvem cinzenta e pesada saísse da minha cabeça e eu voltasse a respirar. A cada ano fico mais grata pelos amigos que não desistem de mim mesmo eu sendo tão esquisita com essa necessidade de me isolar, os amigos que decidiram por conta própria que iam comemorar meu aniversário e não me deixaram argumentar; a amiga que disse que cozinharia um jantar pra mim se eu quisesse, ou a gente poderia só ficar sentada no sofá, ela mas não ia me deixar sozinha chorosa na minha festa de autopiedade pisciana. Saímos para beber vinho e comer pizza numa segunda-feira, gastei R$10 em velas ridículas para improvisar um parabéns e, principalmente, fazer um desejo e agradecer. Já estávamos sendo expulsos do restaurante quando elas foram acesas com muita dificuldade. 24 anos, uma mini-torta de morango com cinco garfos e três velas, uma delas de coração. Quando cheguei em casa não conseguia parar de sorrir.
FILME/TV/LIVROS
Três categorias que revelam como vivemos
Por conta da proximidade do Oscar, tenho assistido muitos filmes e vários que me tocaram profundamente, coisa rara numa temporada de premiações: no cinema assisti A Forma da Água, Call Me By Your Name e Pantera Negra, em casa revi Get Out, que me pareceu ainda mais impressionante, e Lady Bird, que me fez chorar muito na segunda vez. Quanto mais penso em Phantom Thread e Três Anúncios Para um Crime, mais as minhas impressões se intensificam: amor para o primeiro, pavor para o segundo. Comecei a assistir One Day At a Time e choro em todos os episódios. Estou lendo A Coragem de Ser Imperfeito (Brené Brown) e Mulheres, Raça e Classe (Angela Davis) dois livros intensos e fortes que tem me ensinado e inspirado muito, por motivos diferentes.
ATOS CRIATIVOS
Estudar sobre os filmes indicados ao Oscar e escrever sobre eles. Planejar meu Futuro e meus Próximos Passos, assim em maiúsculo mesmo. Na madrugada do meu aniversário comecei a fazer uma playlist reunindo as músicas que mais traduziam como me sinto nesse momento; não terminei ainda mas estou bem orgulhosa do resultado. A primeira música é Everything Is Embarrassing.
Pra internet ser legal de novo
A cada edição vou indicar aqui algum projeto online que ajuda a internet a ser legal de novo. Se você tem algum projeto bacana ou conhece algum trabalho que todo mundo precisa conhecer, responda esse e-mail me contando o que é!
Na minha missão de usar as redes sociais de forma mais saudável, decidi me afastar o máximo possível dos HOT TAKES da internet nessa temporada de premiações. 2017 foi uma temporada muito carregada e tensa, de ânimos inflamados e uma enorme Cacofonia de Lacração (tm) que até eclipsou a grandiosidade de filmes legais, que falam por si. Ainda gosto de acompanhar os indicados, escrevi sobre alguns deles pro Valkirias e minha forma favorita participar da grande conversa coletiva sobre o Oscar foi pelo podcast Cinema na Varanda.
Acompanho o trabalho do Chico e do Tiago há alguns anos, e escuto o podcast desde o começo, mas só quando algum tema me interessava muito. Acompanhei todos os episódios nessa leva do Oscar e isso me converteu em ouvinte regular pelo nível das discussões, tanto em termos de conteúdo como pela postura dos apresentadores e também dos outros ouvintes que interagem e tem seu espaço nos programas. Dei unfollow e mute em várias pessoas, mas não consegui desviar de todos os comentários passivo-agressivos que deixam subentendido que quem gostou ou não gostou de determinado filme é automaticamente burro, mau caráter e coisas do tipo.
Cinema (e discussões culturais no geral) deixam as pessoas muito cheias de certeza e poucos argumentos, então é realmente um BÁLSAMO ouvir um podcast em que há discordância e opiniões fortes, mas argumentos consistentes pros dois lados e respeito de todas as partes, comentários do tipo "Adorei aquele filme que vocês não gostaram e entendo e concordo com os argumentos, são válidos, mas gostei do filme mesmo assim e enxergo de outra forma, é nóis." É nessa internet que eu quero viver, então fica a dica para os gladiadores da sétima arte.
Links, links, links
- Como sempre, temos conteúdo especial sobre o Oscar no Valkirias. Segue o que foi publicado até agora:
Corra! mostra de onde vem o medo (meu texto sobre Get Out!);
Mudbound - Lágrimas sobre o Mississipi, uma história por Dee Rees;
Reese Whiterspoon e a mudança no papel da mulher em Hollywood;
Me Chame Pelo Seu Nome, um elogio ao desejo (olha eu de novo!)
e muito mais!
- Estou no blog da Cantão junto com várias mulheres maravilhosas da internet compartilhando uma inspiração literária para 2018 a partir de um livro que amei muito ler ano passado (spoiler: começa com Rebecca e termina com Solnit);
- Conteúdo digital: não seja a pessoa que destrói o outro ser humaninho;
- Cômoda nova, quatro gavetas, uma crônica maravilhosa;
- You never ever have to convince someone to do the work to be ready - a Amanda escreveu um negócio que me tocou tanto que até levei pra terapia;
- Cansada demais para ser feminista - Renata Corrêa é uma das mulheres que mais gosto de acompanhar na internet e agora ela tem uma newsletter \o/
- Greta Gerwig no podcast CTRL, ALT, DELETE sendo maravilhosa como sempre e derrubando mitos sobre a vida criativa e falando sobre ser uma pessoa que escreve;
Ufa, agora acabou!
Obrigada pela companhia e por chegar até aqui. Espero que tenham gostado do formato diferentão da newsletter e se quiser você pode fazer a sua versão ou só compartilhar nas respostas o que andou fazendo em fevereiro, vou adorar saber! Estarei no Twitter comentando o Oscar mais tarde e quem sabe falo de Lady Bird na próxima cartinha? Fiquem atentos!
Stay beautiful!
Yours truly,
Anna Vitória
Sempre que quiser, responda essa newsletter como um e-mail normal e escreva para mim, vamos continuar conversando depois que o sinal bater.
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