Hello stranger, como vai você?
Seja bem-vindo à edição especial do show do Harry Styles. Se você está aqui há um tempinho, deve saber que Harry Styles faz parte da narrativa que venho construindo nessa newsletter há 2 anos e meio. Aqui eu escrevi sobre minhas expectativas sobre sua carreira solo, compartilhei minhas impressões sobre sua primeira música, sobre o disco de estreia, sobre muitos ternos estampados e cortes de cabelo. Harry Styles também me fez pensar sobre temas que são recorrentes por aqui e, portanto, na minha vida: construção de narrativa, internet, vulnerabilidade, feminilidade x masculinidade, estética pessoal, meu lugar no mundo.
Antes mesmo do show começar, eu já estava pensando em como poderia escrever sobre ele. Depois, duvidei que conseguiria escrever qualquer coisa. Não sabia nem se queria. Quando me perguntavam como tinha sido, só conseguia dar respostas vagas ou falar de detalhes aleatórios. O que vocês vão ler agora é uma conversa que tive com a Clara durante uma madrugada, alguns dias depois do show. Eu e ela vimos o show de setores diferentes e essa conversa no ZAP foi o momento em que dividimos uma com a outra como tinha sido nossa experiência e tudo que pensamos em nossas cabeças malucas. No final, percebemos que não conseguiríamos ser mais eloquentes para falar sobre o show do que naquele momento e naquele espaço em que estávamos sendo 100% nós mesmas: malucas, exageradas, hiper-analisando tudo e chegando a conclusões bizarras ("Harry é igual o Lula, uma ideia" #spoiler). Além disso, vejo esse show como uma experiência necessariamente coletiva, que é sobre mim e todas as amigas que estavam lá e viveram isso comigo, todo mundo que abracei suada depois, quem não estava mas não saiu da minha cabeça, os amigos que nem curtem Harry Styles mas estavam felizes e empolgados porque sabiam como aquilo era importante pra mim, as pessoas que eu nem conheço e participaram disso por causa da internet, tudo que escrevemos e compartilhamos por aí.
Arte por Clara Browne
Essa conversa é um jeito de abraçar tudo isso de um jeito que, acreditamos, textão algum faria. Como ficou muito grande, dividimos em duas partes: a primeira, que é essa que você lê agora, e a segunda, que será publicada amanhã na newsletter da Clara. Editamos pequenos detalhes para que a leitura fluísse melhor e montamos um índice freestyle com os temas que abordamos, não necessariamente nessa ordem.
Realidade x Ícone
Projeção e desejo
Espaço seguro
Intimidade
Performance e identidade
Silêncio e fala
Romantismo x Modernismo
vULnErAbiLiDaDe e masculinidade
EU NÃO ACREDITO QUE ISSO É REAL x ISSO AQUI É REAL CARALHO
O QUE EU VOU FAZER DEPOIS SABENDO QUE ESSE HOMEM TÁ AÍ SOLTO NO MUNDO
QUE ÓDIO
EU PRECISO DAR UM SOCO NA CARA DELE E FAZÊ-LO SANGRAR
Histeria coletiva
SUMA DA MINHA FRENTE X VOLTE NU
Internet kkk
Espero que gostem, porque a gente se divertiu muito vivendo, pensando, escrevendo e editando esse material. É muita coisa, a gente é muito doida, então se você não se interessa pelo assunto ou odeia se divertir, sinta-se livre para fechar essa mensagem e aguardar outras edições - ou ir embora pra sempre, traumatizado. No hard feelings. E pra quem ficou, é nóis demais.
Clara Browne: Tá pronta?
Anna Vitória: TÔ. Acabei de dar uma volta imensa com o Chico ouvindo o setlist.
CB: OK! ENTÃO VAMOS COMEÇAR! Porque foi uma experiência.
AV: OK!! COMEÇANDO COM A ROUPA, porque a roupa é o início e o fim de tudo.
CB: Amiga, meu início começou antes. Meu início começou com Pink Floyd e niilismo.
AV: O cubo!!!! Ok! Vai!
CB: OK! ENTÃO:
EU TAVA DE BOA, EU TAVA ME DIVERTINDO, EU TINHA FEITO AMIGOS!!!! Eles elogiaram como eu danço!!!! (Eu dancei mt no show do Leon Bridges??? Eu amei aquele show, aliás? Me senti parte de uma platéia de velhas com tesão em um cruzeiro pras Bahamas). ANYWAY tudo de boa, uma das minhas novas amigas, que tinha ido no show do Rio, tinha falado que a gente ia curtir o vídeo pré show, e eu e a Jumed estávamos rindo dizendo que aquela playlist era a playlist pessoal do Harry (porque, convenhamos, HE'S SUCH A SHANIA TWAIN FAN!!!!!)
MAS AÍ
COMEÇOU O VÍDEO E JUNTO COM O VÍDEO COMEÇOU A TOCAR PINK FLOYD
E EU FUI DIRETO PROS MEUS QUINZE ANOS QUANDO EU ERA PEDANTE E TRISTE E CHORAVA TODO DIA OUVINDO PINK FLOYD E TODOS OS DEBATES QUE TIVE SOBRE WISH YOU WERE HERE VS DARK SIDE OF THE MOON
E AQUELE CUBO
AV: AMIGA EU COMECEI A GRITAR POR VC PQ SABIA QUE VC TAVA VIVENDO UM MOMENTO INTENSO
AQUELA ANIMAÇÃO PERFEITA, O TERNO ROSA DO HARRY NA ANIMAÇÃO
OS ANÉIS
A MÃO ERA IGUALZINHA A DELE
CB: Eu sabia que faltavam 15 minutos pro show e a música que ele escolheu tinha aproximadamente 15 minutos e eu tava berrando PUTA QUE PARIU TÁ TOCANDO PINK FLOYD. Uma menina do meu lado disse "O que é Pink Floyd?". A menina do lado da Jumed disse "Essa música é calminha né?" e a Jumed ficou "Amiga, isso é uma viagem pesada de ácido, não é calmo, é TENSO".
E eu tava 🗣🗣🗣🗣🗣🗣🗣🗣🗣🗣🗣🗣🗣
E sabendo que só faltavam 15 minutos, eu vi aquele cubo e vi a passagem de tempo acontecendo na minha frente e soube que aquilo era a coisa mais genial do mundo, que a movimentação do cubo representava a passagem de tempo. A animação do Harry tentando solucionar o cubo mas nunca conseguindo enquanto tocava SHINE ON YOUR FUCKING CRAZY DIAMOND era a imagem perfeita do niilismo festivo. O tempo passando e a gente tentando dar sentido praquele tempo, aquela espera. E o que não é a vida se não um tempo de espera, se não passagem? E aí eu comecei a berrar essa análise pra geral. Eu só tava surtada. E amei PROFUNDAMENTE que o cubo não se resolveu no final, o que eu tinha certeza de que ia se resolver, mas não se resolveu PORQUE A VIDA NUNCA FAZ SENTIDO NÃO EXISTE UMA SOLUÇÃO UMA RESPOSTA CERTA NADA SÓ EXITE O CAOS.
Aí todas as luzes se apagaram. Eu e Jumed nos demos as mãos instintivamente. A primeira pessoa da banda entrou, e a gente colocou a mão no coração. Mais uma pessoa entrou e a gente abriu a boca. Eu me perguntei POR QUE NINGUÉM TÁ FILMANDO A NOSSA REAÇÃO PARECE QUE TÁ ENSAIADO É ABSURDO. Quando todos se posicionaram e só faltava o Harry, eu e Jumed nos demos as outras mãos. E aí ele entrou. Com aquela roupa. Mr. Darcy na balada. Romântico brilhante. O Romantismo de volta com as próprias mãos. Pronto pra cantar um rock'n'roll no maior estilo contracultura falida. E eu berrei a minha vida. Tipo, puramente pela roupa. Se ele estivesse com qualquer outra coisa, se ele estivesse pelado, eu não berraria o que berrei. Nem sabia que tinha esse berro dentro de mim. Eu perdi minha voz, quase não consegui cantar no resto do show kkkkk Esse é o meu começo. Me conte o seu.
AV: Eu não tenho uma narrativa linear ou racional (porque isso não existe, como fomos lembradas), mas também porque eu realmente tive um colapso emocional. Você lembra como eu tava, né? Eu tava louca. Eu tava trincando de ansiedade e não uma ansiedade engraçadinha ou figurada, mas daquele tipo que você tá o tempo inteiro esperando que algo muito ruim vai acontecer.
Tipo, eu realmente corri o risco de não ir [por causa da greve dos caminhoneiros, o aeroporto daqui ficou sem combustível e boa parte dos voos foram cancelados], desde a semana passada eu não conseguia ver nada sobre o show porque ficava muito nervosa, e mesmo depois de chegar em SP parecia que eu tava numa corrida de obstáculos que toda hora acontecia uma merda e tinha uma coisa em mim que falava que aquilo não ia acontecer.
Então até o meio do show do Leon Bridges eu tava quase quase num estado de dissociação, não me caía a ficha que eu tava lá e tinha dado tudo certo. Mas foi um excelente show!!! Fui relaxando aos poucos e comecei a curtir, a dançar, me diverti horrores com a playlist, etc. Quando começou o cubo, logo de cara a Ste falou que ele ia ficar montando até resolver, e quando resolvesse ia começar o show, e eu fiquei caraca!!! observando atenta.
CB: O cubo não se resolver foi uma jogada de GÊNIO
AV: MUITO!!! Mil vezes melhor do que se tivesse resolvido. Daí eu identifiquei que era Pink Floyd que tocando e comecei a pensar em você. E depois a pensar que GENTE O HARRY É MUITO CLASSY.
Aí comecei a entrar numa viagem sobre mitologias pessoais, e fiquei muito fixada nos anéis e como era um desenho perfeito das mãos dele, do terno, e como tudo que tava acontecendo até aquele momento era representativo dele, das referências que ele carrega, que são referências muito autorreferentes (?) e donas de mitologias pessoais próprias.
CB: SIM!!!!! Um dos pontos que falei muito com a Jumed foi como aquela playlist era Harry cuspido e escarrado
AV: MUITO!!!! não era de forma alguma aleatório, como nada lá era aleatório, e eu amei o Harry tão mais por tudo isso. Aí as luzes apagaram e rolou o "should we just search for romantic comedies on netflix and see what we find?" e eu pensei VAI TOMAR NO CUUUUUU porque era perfeito!!!! Mil referências e medalhões e ele rompe isso com uma fala de zoeira sobre Netflix.
Aí eu ficava falando pras meninas: ele vai entrar ele vai entrar meu Deus ele vai entrar o Harry ele vai entrar ele vai entrar o Harry vai estar aqui ele tá aqui o Harry o Harry o Harry
E comecei a gritar e a literalmente sapatear quando vi a roupa. Acho que nem se ele estivesse de Gucci com glitter e flores em 3D seria tão perfeito.
CB: Não mesmo. Foi muito pessoal aquela escolha de roupa. Pessoal para NÓS.
AV: Eu não pensei na hora em romantismo, eu só pensava em MITO MIITO MITO MITO MITO MITO dourado brilhante príncipe visão AURA e teve o efeito perfeito porque era isso e O HARRY É O HARRY O HARRY O HARRY
Minha cabeça deu tilt entre ficar pirada racionalizando tudo e sendo manipulada pra reagir exatamente como tudo tava sendo feito pra que a gente reagisse, e eu tinha consciência disso e ficava hiper-analisando a minha reação. Acho que é isso.
CB: Minha vibe foi meio essa no resto do show. Depois que eu perdi a voz berrando por uma roupa (ainda em choque com isso), eu só fiquei parada olhando pra ele e eu não conseguia fazer mais nada. O show inteiro foi como se eu estivesse em dois planos: o corpóreo-emocional, que via e sentia tudo aquilo à minha volta, e o cérebro-mental, que analisava absolutamente tudo que tava acontecendo inclusive analisava o fato de eu estar analisando as coisas. Eu era corpo e eu era ideia, mas eu não era corpo e ideia juntos.
Eu fiquei muito incomodada de estar analisando tudo na hora. Eu até pensava em frases de abertura da newsletter!!!!
AV: Amiga eu também fiquei pensando em newsletter!!!! Me abraça!!! A gente é muito maluca
CB: Mas eu só não conseguia parar???? Eu olhava tudo ao redor e pensava que aquela era a consolidação do Romantismo ao mesmo tempo que eu percebia que não queria que Harry Styles fosse uma pessoa real???? Eu preciso que ele seja um ícone.
Eu tive três momentos muito loucos no show:
Primeiro, quando ele cantou "Just A Little Bit of Your Heart", e eu vi na minha frente uma cacetada de bandeirinhas LGBTQIA+, enquanto ele estava vestido com aquela roupa e eu só olhei praquilo tudo e pensei: essa é a consolidação do novo Romantismo.
Logo depois disso, me deu um sentimento muito estranho de que aquilo não fazia mais sentido pra mim. Não o Harry, não as músicas dele, mas essa narrativa Romântica. Foi um momento que eu dissociei por completo e só pensei que aquilo tinha acabado pra mim. Eu vivi tão intensamente a volta do Romantismo no ano passado e embarquei tão a fundo no niilismo agora que falar sobre sentimentos e visões subjetivas não parecia mais fazer sentido e, por um segundo, eu me senti extremamente sozinha porque é de novo aquilo de estar num espaço diferente do que as outras pessoas estão.
MAS AÍ ele foi pro outro palco. Eu não conseguia ver ele dali, porque o câmera tava bem na minha frente, então eu só saí de mim e me permiti ouvir as músicas de uma outra maneira? E quando ele tocou "If I Could Fly" foi muito estranho, porque eu senti fisicamente aquela música se ressignificar. Eu não gosto dela, mas quando ele cantou "Pay attention, I hope that you listen 'cause I let my guard down/ Right now I'm completely defenseless", eu vi toda aquela gente e pensei em todo o álbum dele sobre precisar falar e ser ouvido e não querer mais silêncios e o quanto que aquilo era exatamente o que ele pedia e o quanto tudo que eu podia fazer era ficar quieta e ouvir.
E daí ele saiu do palco e todo mundo começou a berrar de novo e se esmagar e eu tava só pensando como tudo pra ele é sobre o silêncio, o que só me fez ficar mais incomodada quando ele tocou "From The Dining Table" e a galera tava fazendo aquele shhhh super agressivo.
AV: ODIEI. Eu tô pensando nisso desde o show do Radiohead, mas quando vi o programa (?) do show do Harry que tudo meio que se juntou. Percebi que agora existe uma pira de dirigir esteticamente algumas experiências pra que elas sejam Instagram-friendly, ou até criar uma experiência nova com o intuito de transformar aquilo numa foto, vídeo ou story bonito depois. Por exemplo: a questão de acender a luz do celular durante determinada música. Fica lindo em foto e vídeo, mas quando você tá no meio da galera é uma merda porque fica tudo claro, quebra a vibe do show e a única parte legal, que seria fazer isso como uma manifestação espontânea, vai embora quando você sabe exatamente qual o momento certo de fazer isso. O mesmo com a ordem de silêncio em "From the Dining Table" e até mesmo a hora certa de jogar as flores.
Não sei se sou eu, mas só de ter essa instrução eu já deixo de prestar atenção na experiência real pra ficar pilhada no que fazer, em ter que segurar o celular e todo esse tipo de coisa. AO MESMO TEMPO, eu entendo que tá se criando uma nova experiência de se assistir um show, e talvez eu veja isso como algo completamente artificial porque já tô meio ultrapassada diante do público-alvo do show, que vive a internet e a experiência com redes sociais de um jeito diferente. E quando paro pra pensar no trampo que foi organizar tudo isso, montar os kits e todo o resto, acho que também é um jeito novo de se viver aquilo que não é necessariamente alienante, mas é uma nova forma de participação e até de pertencimento como um coletivo.
CB: Hmmm, eu entendo o sentimento, mas não sei se concordo completamente. Foram realmente muitos mandamentos nesse show, fiquei muito confusa. Tinha uma fã novinha do meu lado que me dizia o que era pra fazer, porque eu tava perdidássa kk. Meu bolso ficou lotado de coisa - a flor, a placa, o celular com celofane -, mas acho que tem níveis. Achei a plaquinha em "Sweet Creature" e as flores em "Woman" meio demais da conta.
AV: A Noelle levou uma florzada, coitada!!!
CB: As flores me pegaram de surpresa porque foi muito no começo do show, mas tudo bem, porque eu acabei agregando elas na minha dança kkkk, mas a placa foi excesso, tanto que nem fiz, mas admito que naquela hora eu tava numa outra pira sobre ressignificação e vulnerabilidade, então esqueci completamente e ainda fui xingada por um fã babaca que não entende que pessoas reagem diferentes a seus ídolos, mas ok.
Sobre o lance das cores em "Sign of the Times", eu acho que é uma coisa mais pro Harry do que pra gente e eu tô de boa com isso. Aliás, nessa hora, eu dei uma virada pra ver o resto da platéia e tava mesmo muito lindo, quase chorei (o que é muito pra mim, porque não costumo chorar com essas coisas). Tava muito bonito e foi muito emocionante poder ver um público daquele tamanho formando a bandeira LGBTQIA+, sabe? No começo do show, a menina que tava do meu lado e não sabia o que era Pink Floyd (o gap geracional desse show me assassinou) tava enrolada na bandeira e foi muito lindo quando ela falou que era directioner há milênios e que "é muito bom poder finalmente vestir minha bandeira num show como esse" e eu acho que o lance das luzes coloridas, nesse caso, são uma coisa maior. Eu concordo com as flores e as placas, mas esse das luzes foi mesmo diferente. Ainda mais se a gente ler o Harry como parte da comunidade LGBTQIA+, eu real acho que é algo de criar um espaço, não uma estética. Mas concordo que eram comandos demais, fiquei perdidíssima umas horas.
AV: O meu principal ponto é que, assim como a questão das roupas (das fãs/nossas) e da construção da mitologia do Harry, acho que existem nuances nisso que podem ser uma forma tanto de participar da construção narrativa do que é um show do Harry Styles - como conceito - como também da construção dessa experiência de forma pessoal e também sobre identidade. Tanto em coisas menores, como usar roupas exageradas e viver sua verdade estética, como coisas muito mais profundas como a questão da bandeira, que concordo plenamente contigo. Eu gosto muito da ênfase que ele faz de que temos que usar aquele momento pra ser o que quisermos e o show é ótimo em ser um espaço seguro pra isso. Imagino que isso tenha um significado imenso para as gerações mais novas e principalmente na comunidade LGBTQIA+, de ter esse espaço de celebração e acolhimento. São muitas camadas numa coisa só, o show do Harry Styles é um doutorado de século XXI.
CB: O SHOW DO HARRY STYLES É 100% UM DOUTORADO DO SÉCULO XXI
Acho que posso repetir isso milhões de vezes, mas o que mais me tocou no show foi quando ele elogiou as nossas roupas???? Porque ele sabe que existe uma performance das fãs lá dentro e isso é muito interessante. E eu honestamente não sei o quanto que é viver a sua verdade estética - e digo isso porque, apesar de eu AMAR o estilo dele, é zero a minha verdade estética, mas é uma estética que eu aprecio e gosto de me "fantasiar" como Harry de alguma maneira. Aliás, um dia antes do show, comprei uma calça PERFEITA, 100% Harry Styles, que era a que eu queria ter usado no show, mas não tinha como porque passei o dia inteiro naquela fila e ia estragar a calça. E eu gosto de ter esse espaço de performance, mas também me chocou um pouco como aquilo era real pra todo mundo. Não vi uma pessoa sequer que não estava montada de Harry ou algo do universo dele, o que é por um lado muito legal e afirma como ele está criando uma iconografia, mas é também super assustador porque meio que é uma reprodução gigantesca daqueles mesmos ícones.
AV: Então, eu saí de Uberlândia com um enorme casaco de tricô cor-de-rosa cheio de babados que separei pra usar no show, uma roupa que não tinha praticidade alguma e que não combinava com mais nada na minha mala, mas eu quis levar porque era a coisa mais Harry Styles do meu armário e era importante pra mim estar usando a coisa mais Harry Styles do armário. No fim acabei desistindo, porque realmente não era uma roupa prática pra quem ia passar horas em pé esmagada, e fiquei muito frustrada quando vi ele de Harris Reed, porque aquela era a vibe do casaco, e também porque vendo as meninas montadas na fila fiquei me sentindo meio underdressed. Achei isso fascinante, no fim das contas, porque normalmente sou a pessoa que pesa a mão e se “fantasia” de Harry na vida real e foi louco perceber aquele movimento acontecendo com todo mundo, não sendo só uma exceção.
CB: Você zero tava underdressed! Você tava de Harry na Jamaica!! Mas total, foi muito doido ver isso, porque uma coisa é ver você e suas amigas falando/ fazendo isso, outra coisa é ver uma MULTIDÃO na mesma. E aí a gente entra num ponto que é a Minha Nóia™ que é o quanto que um espaço coletivo pode ser uma celebração e acolhimento, e a partir de que ponto que aquilo vira um espaço de regras sociais e exclusão de todos aqueles que não seguem aquelas regras.
Não vejo nada disso vindo do Harry. Eu super acho que ele só abre o espaço de celebração e acolhimento, mas ele não tem como controlar as fãs e, não sei você, mas consigo ver nas fãs essa tendência de regras e exclusão. Existe uma intensidade TÃO forte e umas brigas tão doidas. Mesmo o lance de distribuir os kits do show fica meio bizarro se a gente vê por essa lógica. Ou o menino atrás de mim, que viu que eu não estava berrando e me contorcendo pra que o Harry pegasse na minha mão e só disse muito passivo-agressivo "NOSSA SE VOCÊ NÃO AMA O HARRY, SAI DA FRENTE DE QUEM AMA", como se eu estar parada fazia com que eu necessariamente não amasse tudo aquilo.
E, sl, pensando agora isso é meio a lógica da internet, né??? Dos cultos e da internet.
AV: Eu também vivi #encontros meio intensos com alguns fãs, quando cheguei e comecei a tentar achar um lugar no meio das pessoas, quando passamos por um grupo de meninas elas não se mexeram um centímetro e foram muito agressivas, falaram que não iam dar um passo e que era pra ter chegado antes se eu quisesse um lugar bom. Sendo que ninguém ia ficar na frente dela, era literalmente dois passos pro lado. Também me impressionei com o choro histérico de algumas pessoas. Acho normal chorar em show, às vezes #bate mesmo e a gente libera umas coisas, é catártico pra caralho, mas parecia uma cena de culto mesmo - fiquei lembrando as pessoas vendo o Bhagwan em Wild Wild Country. Acho que tem a ver com comportamento de manada e histeria sim, que é uma coisa que até antecede a internet, mas que a internet é um meio muito propício pra intensificar.
CB: Nss, a quantidade de gente que eu vi DESMAIAR!! Foi bem doido. Eu tava bem na saída dos bombeiros, então vi muita menina sendo carregada passando mal e isso me assustou muito. É um nível de histeria muito surreal e que se intensifica muito em grupos grandes e com a internet.
No dia seguinte, na casa da Jumed, a gente tava conversando com o pai dela e ele falou algo do tipo "Harry Styles é um culto" (tinha um contexto, juro) e eu fiquei pensando muito sobre esse fenômeno que acontece há milênios e que é tão REAL e tão assustador. É meio todo o ponto de Jesus Christ Superstar, sabe? E acho que o ponto com o Harry é até que ponto a gente faz algo pelo Harry e até que ponto a gente faz pelo "culto" em si?
Por exemplo, voltando pras diretrizes que nos deram antes do show. Leio as luzes de "Sign of the Times" como algo pelo Harry, por causa de todo o significado maior da bandeira LGBTQIA+, mas as flores e as placas como algo pelo "culto". E aí a gente vive em um espaço que fica muito no limite entre o que é seguro e o que não é seguro, faz sentido?
AV: Faz sentido sim, porque você pode ser você mesmo até o ponto em que aquilo que você esteja de acordo com o que a massa decidiu que é o apropriado para aquele momento. Mas aí vejo isso na vida e o show seria uma experiência maximizada de tudo, então esses aspectos ficam mais evidentes. Mas a dinâmica nas redes sociais é muito essa, também dentro das igrejas, grupos organizados de modo geral.
CB: Sim, claro, a gente vive nesse limiar. Mas acho que o que me deixou meio assim com o show é o quanto que ali é um verdadeiro espaço seguro? Porque, particularmente, eu leio dessa maneira e eu me senti assim. Mas quando comecei a pensar sobre tudo o que aconteceu no dia seguinte, as partes mais creepy começaram a ressoar mais. Mas talvez isso só seja analisar demais as coisas, porque lá dentro foi tudo muito lindo e eu amei poder ver o Harry ali em carne e osso. Ao mesmo tempo, foi porque vi ele em carne e osso e tive a chance de chegar muito, muito próximo dele que percebi que não quero que ele seja humano pra mim, ele não pode ser tão real assim, ele precisa se manter um ícone.
Acho que o que mais me deixou bolada foi essa noção de realidade e irrealidade???? Que me fez adentrar uma caralhada de coisas. Eu tava na frente nível: não precisava olhar pro telão pra vê-lo bem, mas não tinha como tocar nele/ interagir com ele, e eu fiquei muito tempo sem saber se estava feliz ou triste com isso, mas cheguei à conclusão que estava feliz no final.
AV: Entendo o que você tá falando. Eu tava vendo tudo, mas de longe, então tava tipo "normal". Aí quando ele foi pro B stage eu fiquei muito perto, mas ele pareceu mais de mentira mais de perto? E ainda era uma luz dourada naquela roupa dourada!!!! Parecia uma visão mesmo. Eu fiquei profundamente atordoada.
CB: SIM!!!!! E por mais que eu estivesse muito feliz de ele estar ali e eu estar vendo o corpo dele sem ser por um vídeo ou uma foto, percebi que eu precisava que ele ainda não fosse 100% real pra que eu pudesse ficar bem? Ele precisa ser um ícone. Saber que ele é real, sentir que a realidade dele não podia acontecer, porque isso significa que ele necessariamente me desapontaria (não por algo que ele faria, mas simplesmente por não estar perto que nem nas minhas fantasias?). É aquela dualidade que a Ally coloca do Harry vs. "Harry" e eu saquei que preciso que ele seja um ícone. Ele é tipo o Lula, uma ideia.
AV: Eram músicas que eu não ligava [que ele tocou no B stage], então eu fiquei o tempo todo só com o olho arregalado olhando pra ele e meio desparafusada das ideias. E também foi a hora mais intensa no sentido público, porque eu fiquei muito esmagada, e as pessoas perto de mim estavam chorando DEMAIS, histericamente, e foi muito estranho e forte.
Eu fiquei pensando muito nessa questão do ícone também quando ele interagia com a plateia. Você sabe que ele faz aquilo em todos os lugares, sabe que tem um papel ali no chão com o roteiro do que ele vai dizer, sabe que 97% do que acontece é calculado justamente pra te fazer derreter e achar ele simpático e acessível. Mas você se derrete. Eu me derreti, pelo menos. Porque ele tem esse carisma, ele tem estrela, e é muito bom nisso de ser um receptáculo (?) daquilo que você precisa que ele seja, de não ter nenhuma ponta afiada.
A única vez que vi isso acontecer foi no show do Paul McCartney e faz todo sentido, porque eles têm trajetórias muito parecidas, e o Paul McCartney Enquanto Beatle™ era exatamente o Harry, e agora na carreira solo também, mas pegando num lugar diferente porque o Paul não é mais um sex symbol, então no Harry isso fica mais intensificado pela questão do desejo.
Uma conversa com Gabriela Couth depois do show do Rio de Janeiro
CB: SIM! Ao mesmo tempo, eu fiquei pensando depois o quão significativo é ele abrir o show dizendo "Hi, I'm Harry". Por mais que aquilo seja 100% ensaiado e repetido, eu fiquei pensando o quanto tudo aquilo não é ele de fato. A escolha da banda de abertura, a playlist até o show começar, o vídeo, as músicas vulneráveis. Fiquei me perguntando o quanto que dizer "Hi, I'm Harry" não é quebrar essa noção de que tudo é manipulativo e passa a ser a conexão real, a exposição completa dele e que aquelas poucas palavras não são, no fundo, o resumo de tudo. Ele passou um ano fazendo um álbum sobre precisar falar e ser escutado, ele admite se masturbar triste num hotel, ele expõe a dor dele de um jeito nada cool nas músicas, por mais que ele tenha todo o look e pose.
AV: Eu já tinha reparado nisso, mas no show eu senti com muita força como as letras operavam a partir de dois sentimentos, que são o do desejo e da solidão. Porque as letras são muito sexuais, e é sempre ele reagindo a alguém, ele sendo afetado por uma mulher e se rendendo diante dela, às vezes de uma forma viril, às vezes de uma forma completamente vulnerável. Mas junto com isso tem a parte de ele estar sempre sozinho, a parte triste e uncool, de quem não é ouvido, de quem às vezes nunca pode estar 100% presente porque isso quebraria o outro lado, de ser um ícone e uma projeção do desejo do outro. E eu acho a união entre essas duas coisas aparentemente contraditórias muito perfeitas em tudo no show.
CB: Sim, total! Também pensei/ percebi isso. Por isso que acho tão forte o "Hi, I'm Harry". É engraçado e infantil, mas é também dizer que toda essa solidão e todo esse desejo são ele. É muito superficial ficar só na leitura de que aquilo é engraçadinho porque obviamente ele é o Harry.
AV: Aham! E tem alguns mini momentos que ele quebra isso, e é quase insuportável de tão lindo. Tipo uns sorrisos inesperados, ou quando ele não entende alguma coisa, quando ele se contorceu todo pra pegar o buquê. Chega a doer.
CB: E acho que é isso que faz o Harry ser um ícone tão poderoso?
AV: Sim! Não é qualquer pessoa que consegue unir essas duas coisas, e é realmente impressionante que tão novo ele já tenha chegado nesse lugar.
Ufa, agora acabou - por enquanto!
Obrigada pela companhia e por chegar até aqui, vocês são todos meus guerreirinhos. Se você gostou desse papo, não perca a continuação dele amanhã na newsletter da Clara. Fiquem com esse teaser do que vem por aí:
"Eu vou pedir uma licença pra usar minha mitologia e comparar um pouco Harry Styles com Jesus Cristo."
Façam como Harry Styles: stay beautiful, e até a próxima! Saúdi!
Yours truly,
Anna Vitória
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