Hello stranger, como vai você?
No fim de semana passado uma grande amiga minha se casou, minha terceira grande amiga que se casa. Aparentemente cheguei na fase da vida em que as pessoas ao meu redor se casam e isso é visto como algo normal. Acho lindo, mas não consigo me acostumar. Morro de chorar nas cerimônias, mas ainda não consigo achar normal. Eu só tenho seis anos, pelo amor de Deus.
Enquanto ver sua amiga de adolescência de véu e grinalda - aquela amiga que foi barrada com você na porta de um show quando vocês eram menores de idade, a amiga que fez máscaras de lantejoula para sua festa de 15 anos e com quem você tirava fotos no espelho do banheiro da escola usando a câmera precária do celular - é uma experiência maravilhosa e também muito estranha, algumas outras particularidades que envolvem uma festa de casamento são só muito estranhas mesmo. Há alguns meses, quando fechava a lista dos convidados, essa minha amiga perguntou se eu levaria alguém comigo na festa. Eu não tinha pensado sobre isso e não soube como responder, então ela disse que colocaria um convite a mais pra mim e aconselhou que eu arranjasse alguma companhia, já que na festa não teria muita gente conhecida.
A pergunta me pegou de surpresa não só porque essa coisa de frequentar casamentos cujo convite vem no meu nome - em que não sou apenas o "e família" de outra pessoa - ainda é novidade, mas porque não estou acostumada a pensar em mim com +1 do lado. Essa é uma ideia completamente estranha para alguém como eu, que sempre fui só eu e ponto, mas de repente me vi num clichê de comédia romântica que nunca tinha sonhado em viver: o da mocinha desesperada em busca de um par para uma festa.
Eu sempre fui uma pessoa sozinha. Não sozinha-sozinha, veja bem: eu tenho pais presentes e amorosos, avós perfeitos, e há um tempo percebi que não é certo falar que tenho poucos-mas-bons amigos porque me dei conta de que tenho muitos amigos. Isso é um problema muito mais para os outros do que pra mim, pelo menos na maior parte das vezes, porque ainda sinto necessidade de enumerar as pessoas importantes da minha vida antes de afirmar que sou sozinha, mesmo que nenhuma delas tenha servido para me acompanhar no casamento. Parte de mim quer ainda acrescentar que na teoria eu até tinha não apenas um, mas três possíveis pares, mas quis o universo e minha nossa senhora do timing errado que nenhum deles estivesse disponível ("I have friends I definitely have friends", diria minha Rebecca Bunch interior) - pra vocês verem que falar sobre isso não é tão fácil assim. Acho que o que estou querendo dizer é que lido bem com a solidão e me sinto bem na minha própria companhia, e também que estar rodeada de pessoas maravilhosas não faz passar a solidão existencial e nem garante que eu me sinta vista o tempo inteiro - ou at all. Essa ideia não é nenhuma grande epifania, é uma nóia pouquíssimo original e talvez seja um dos desamparos humanos mais banais - vem daí, afinal, o desconforto que a maioria das pessoas sente com a falta de companhia - mas acho que penso sobre isso mais do que a maioria das pessoas.
Sou filha única e também a única criança da família que morava na cidade, o que me rendeu uma infância em que primos só existiam nas férias e feriados. Cresci ocupando um lugar na mesa dos adultos e sendo a criança que chegava sozinha nas festas de aniversário e tinha sempre que encarar sozinha turmas de natação, inglês, balé, sapateado, vôlei e colônia de férias. Eu era a criança tímida que brincava sozinha no clube, brincava sozinha na praia, brincava sozinha em casa trancada no quarto, falando sozinha com meus livros e bonecas. Nessa época eu já tinha poucos-e-bons amigos, mas mesmo bem nova já valorizava muito o tempo que passava sozinha. Quando tentei namorar na adolescência, a principal dificuldade que senti foi que às vezes eu queria passar o fim de semana sozinha em casa vendo filme, e reconheço que o fato de eu não gostar tanto assim do menino tinha alguma influência nisso, mas preciso ficar um tempo só comigo até mesmo quando a alternativa é um menino que gosto de verdade. Aliás, sei que gosto mesmo de alguém quando estar com essa pessoa me faz tão bem e me enche de energia tanto quanto estar sozinha.
Talvez você esteja pensando que as coisas são assim porque acho mais fácil lidar comigo do que com os outros, e talvez isso seja verdade, mas uma crise de cada vez, certo?
Eu vou no cinema sozinha. Eu almoço sozinha, janto sozinha, e saio de casa pra sentar sozinha num café e comer um pedaço de torta. Semana passada eu sentei pra beber sozinha, coisa que até então nunca tinha feito. Tudo bem que meus amigos chegaram depois de um tempo, mas isso não muda o fato de que entrei sozinha no lugar, pedi um mojito, e passei quase uma hora sozinha bebendo na calçada, lendo meu livro e sendo olhada pelos outros como se fosse uma alienígena. Eu já fui num show sozinha com um livro na mochila e vou fazer isso de novo daqui duas semanas. Eu passei quase um ano trabalhando sozinha em casa. Eu me levo para passear sempre que posso, me arrumo como se fosse encontrar alguém, e sozinha já visitei exposições, conheci museus, e passei horas em inúmeras livrarias e sebos - meu tipo favorito de date comigo mesma. Um dos meus maiores sonhos é fazer uma grande viagem sozinha. Eu já passei um carnaval inteiro sozinha em casa sem falar com ninguém e essa é uma das minhas melhores lembranças de carnaval.
"To be lonely is a habit like smoking or taking drugs, and I've quit them both but man, was it rough!", é o que canta a Jenny Lewis em "Acid Tongue".
As pessoas falam sobre a solidão das grandes cidades, mas o que mais me faz amar São Paulo é que lá ninguém liga se você tá sozinha, porque a cidade está cheia de pessoas sozinhas vivendo suas vidas. Não sei até que ponto, e por quanto tempo, isso é bom, mas quando estou lá é como se eu finalmente me sentisse normal em algum lugar, e isso dá um alívio. Ninguém quer saber por que eu estou sozinha. Senti isso com muita força numa madrugada em que me vi às 4h30 da manhã atravessando a praça Roosevelt, no centro da cidade: fazia menos de 10 graus, meu celular tinha acabado a bateria algumas muitas horas antes, e me dei conta de que ninguém fazia ideia de onde eu estava naquele momento, só o menino que estava comigo, e nós dois estávamos muito bêbados. Perceber isso me deu um medo profundo - "E se eu morrer agora?" - e ao mesmo tempo fez com que eu me sentisse aliviada e também muito completa por olhar esse pavor humano nos olhos - mesmo que só naqueles minutos que duraram nossa deveras irresponsável volta pra casa - e conseguir pensar que posso sobreviver sozinha.
Quando conto essas histórias, as pessoas costumam me achar muito independente e maneira, mas não é como se fosse uma escolha. Minha escolha foi a de aprender a lidar com uma realidade incontornável da melhor forma possível, esquema life-coach de mim mesma, fazendo da solidão inescapável uma oportunidade para me tornar a mulher independente que sempre quis ser, e gosto de ser, e que também canso de ser. Me dá um pouco de desespero quando vejo ao meu redor pessoas, principalmente mulheres e amigas, que só começaram a se descobrir como indivíduos, independente de outras pessoas, depois dos 20, 30. Revistas femininas falam como se viver bem na própria companhia, de forma prática e também emocional, fosse novidade ou tendência, uma espécie de #projetoverão e não consigo achar isso normal porque acredito que esse é o relacionamento mais importante que temos na vida, o único que é realmente pra vida inteira, e acho um absurdo não sermos incentivadas a cultivá-lo desde sempre, embora entenda perfeitamente a construção social cagada que nos leva a isso e saiba que a diferente, nesse caso, sou eu.
Carrego minha solidão como uma pérola, algo bonito que nasce da dor, que posso olhar e deslizar entre os dedos para não passar tempo demais pensando em todas as vezes que gostaria de poder escolher o caminho mais confortável de ter alguém do lado como escudo.
Às vezes gostaria de ter tido irmãos para dividir a experiência extremamente específica de ser filha dos meus pais e ter pelo menos um rosto familiar no primeiro dia da colônia de férias. Queria que fosse mais fácil manter conversas que não me interessam com pessoas do trabalho para ter companhia no almoço, e aposto que as pessoas que não conseguem ficar caladas na fila do banco tem um sono mais tranquilo que o meu. Queria me explicar menos ou de jeito nenhum.
É ótimo me conhecer tão bem, acho que me amar é o maior privilégio, mas queria tirar umas férias desse embate constante em que até uma festa de casamento vira um statement sobre independência. No fim das contas, coloquei meu vestido mais bonito, sapatos brilhantes, batom vermelho, e de postura ereta sentei sozinha num sábado de sol para ver minha amiga se casar depois de responder para pelo menos cinco pessoas diferentes que não, não tem ninguém do meu lado, eu vim sozinha. Senti o maior orgulho de mim por ter me divertido de verdade, pela nova amiga que fiz na pista de dança, por ter me enturmado com uma amiga distante que me arranjou um lugar na sua mesa antes de desistir em pânico e jantar sozinha no banheiro, mas minutos antes de todo esse show eu quase convidei o motorista do Uber pra ficar lá comigo em troca do bufê generoso e o dobro da corrida.
Só queria umas férias dessa resistência, queria me sentir mais normal e não ser sempre a amiga forte* ou a amiga doidinha. Consigo criar laços significativos com as pessoas, mas li em algum lugar que a felicidade é o instante entre uma ansiedade e outra, e sinto que a conexão também é esse instante maravilhoso entre abismos de solidão e às vezes queria poder preenchê-los todos, encher esses vales de areia, mesmo sabendo que é tudo ilusão.
And I don't want your pity
I just want somebody near me
Guess I'm a coward
I just want to feel alrightAnd I know no one will save me
I just need someone to kiss
Give me one good honest kiss
And I'll be alright
(nobody - mitski)
Não é nada descolado falar sobre sobre essas coisas, seja sobre a solidão (se acompanhasse essa newsletter, sei que em algum momento minha mãe brotaria do chão pra dizer que "você tem pai e mãe, não é largada no mundo") ou a confissão constrangedora de que não sou assim tão forte. Acho que não conseguiria escrever nada disso se não fosse pela Mitski o fazendo antes de mim, quando há dois meses lançou "Nobody". Desde então, penso todos os dias nessa música.
A Mitski é uma artista realmente ótima em escrever coisas que tocam exatamente nas cracas emocionais mais feiosas, nos sentimentos mais complicados, naquela lama que nos faz humanos. Be The Cowboy, álbum que ela lançou mês passado, é uma conjunção perfeita dessas coisas que ela já vinha construindo em seus outros trabalhos e aqui foram lapidadas em sua melhor forma. É um álbum que fala sobre falta, e os buracos que todos temos, e as situações minúsculas e humilhantes que vivemos ao tentar desviar deles, como em "Washing Machine Heart", em que ela confessa não ter passado o batom de sempre na esperança de beijar alguém naquela noite, mas isso não aconteceu. Be The Cowboy também fala de excessos e desejo, dos impulsos que fazemos para preenchê-los, quando querer demais não é sexy. São letras sobre obsessões embaraçosas como a vontade de passar o dia olhando as costas de alguém, um pedido para repetir um mesmo beijo várias vezes até que ele seja perfeito e faça o outro ficar, a sensação de ainda sentir algo apertar dentro de si ao passar na cidade que alguém nasceu.
A solidão de Mitski não diz respeito só à sua alienação do amor romântico, tema constante em suas músicas, mas também aparece no sentido mais amplo, de nunca se sentir compreendida. Em entrevistas e até no seu Twitter ela gosta muito de falar sobre o que suas músicas não são, sobre como ela não pertence aos lugares em que a colocam: ela não quer ser um estandarte de diversidade, a garota-japonesa-do-rock, um fetiche multiculturalista para que as pessoas se sintam melhores por ainda gostar de rock, e menos ainda aceita ser o fetiche mais raso de half-japanese-girl, provocando emoções em caras brancos e toscos como Rivers Cuomo. Ela se incomoda com as pessoas que dizem chorar com as suas músicas, tem raiva de ver suas composições classificadas como emocionais ou confessionais quando elas também são cheias de humor e auto-ironia, fruto de um trabalho de composição que é arte e emoção, mas é trabalho e narrativa construída. Ter que se explicar o tempo inteiro deve ser exaustivo, assim como ter que lidar com a consciência de que quanto mais fãs, alcance e sucesso ela tiver, mais sozinha ela vai estar, transformada em um conceito ou ideia que se realiza no outro e não faz nada por ela.
Em "Remember My Name", ela se pergunta se as pessoas vão se lembrar do seu nome quando o show acabar e ela não puder fazer mais nada por elas. Eu também penso nessa música todos os dias.
Sei que é ridículo dizer isso depois dessas mais de 2 mil palavras, mas as músicas e o trabalho da Mitski fazem com que eu me sinta menos sozinha, como uma conexão perfeita entre um abismo de solidão e outro, mas dentro do abismo de solidão. Quando ouvi "Nobody" pela primeira vez me senti tão VISTA que até fiquei com vergonha, como se uma verdade horrível sobre mim tivesse sido revelada pra todo mundo direto no Spotify. Escrever isso é uma forma de exorcizar esse mal estar e gosto de pensar que foi assim pra ela também ao escrever a música. Queria muito poder sentar e tomar um café com a Mitski conversando sobre todas essas coisas, algo que ela provavelmente odiaria, revirando os olhos pensando que entendi tudo errado e não sei nada sobre ela, não sem alguma razão.
Fico pensando que lancei alguma maldição sobre mim quando concluí muito rápido que "Portions For Foxes" seria a música tema caso vivesse numa comédia romântica (por que eu não poderia simplesmente dizer "Unwritten" ou "Love Song"?), mas não tinha como ser de outro jeito. Jenny Lewis, autora da letra e a outra irmã mais velha das minhas mágoas, escreveu "Sei que estou sozinha com ou sem você, mas estar perto me oferece uma espécie de alívio" e acho que é isso que eu diria pra Mitski, pra Jenny, e pra todas as pessoas da minha vida.
Todo mundo morre sozinho, mas sempre teremos a nós mesmos - e, com sorte, alguns oásis pelo caminho. Be The Cowboy agora é um dos meus.
* Seria leviano da minha parte escrever sobre solidão e a angústia de ter que parecer sempre forte sem fazer um necessário recorte de raça, reconhecendo que a experiência da Mitski é diferente e ainda mais complexa por ser uma mulher não branca.
Existe muita coisa importante sendo escrita também sobre a solidão das mulheres negras e conhecer essa realidade é essencial. "Eu sou legal porque é minha única arma", da sempre ótima Duds, é um bom lugar pra começar.
- os gifs dessa edição foram retirados de três clipes diferentes da mitski: nobody, your best american girl e geyser.
- se me permitem, ainda gosto bastante desse texto que escrevi sobre a mitski ano passado. prestigiem!
Top 5 versos de Mitski Miyawaki que me assassinaram em Be The Cowboy
"Nobody butters me up like you and nobody fucks me like me", em Lonesome Love;
"Venus, planet of love, was destroyed by global warming. Did it's people want too much too?", em Nobody
"I could stare at your back all day", em Pink in the Night;
"Would you tell me if you want me? 'Cause I can't move until you show me", em Come Into the Water;
"And I'm the idiot with the painted face in the corner taking up space, but when he walks in I am loved", Me and My Husband;
Angélica Freitas em Um útero é do tamanho de um punho
Links, Links, Links
- Não existe isso de estar pronto para o amor, texto da Helena Fitzgerald sobre amor próprio e relacionamentos sobre o qual tenho pensado todos os dias nas últimas semanas;
- Quando foi que gostar de alguém virou ofensa?, Luiza Sahd (amo as colunas dela <3) sobre fobia de afeto;
- Um ensaio sobre quase dez anos de solteirice, da Lidy, amiga maravilhosa com quem converso bastante sobre tudo que tá escrito aqui hoje;
- 18 tuítes para entender a tragédia anunciada do Museu Nacional;
- A origem do mundo: O fim do silenciamento dos nossos corpos, dica de livro para conhecer melhor sobre nossa amiga ppk;
- Falando sobre aquilo que não deve ser mencionado, agosto foi o mês de visibilidade lésbica e rolou um especial muito legal no Valkirias, prestigiem!
- História das mulheres que transformara a Rolling Stone nos anos 70, reportagem em formato de relato oral, trabalho da minha ídola Jessica Hopper - sempre muito especial ler todos os trabalhos dela <3;
- Be The Cowboy ganhou nota A no Consequence of Sound e essa resenha linda me emocionou tanto quanto o álbum;
- Ela está SIM a fim de você: Guia para meninos e meninas darem uns beijinhos: resultado de uma pesquisa sensacional sobre como homens e mulheres demonstram e percebem o interesse do sexo oposto (spoiler: homens não percebem);
- Para quem sempre pede indicações de newsletter, minha descoberta recente favorita foi a Sutilezas Atômicas, que chegou até mim com um texto que falava justamente sobre casa e mudança, tema da edição passada. Fazia tempo que não me encantava com uma newsletter a ponto de mergulhar nos arquivos e ler várias edições antigas. Outras duas que assinei recentemente e estou curtindo: Chicas & Dicas e Highlights.
Ufa, agora acabou!
Obrigada pela companhia e por chegar até aqui. Nem tenho muito o que dizer nessa semana pesadíssima, que vimos queimar não só um museu, mas o símbolo de muitas coisas que acredito, de planos que tenho pra minha vida, e sei que muitos que assinam essa newsletter pensam, sonham, trabalham e acreditam também. Fiquei aliviada por já ter esse texto mais ou menos pronto porque a força pra continuar fazendo e colocando coisas no mundo tá bem fraquinha, mas a gente segue em frente, né?
Pra ajudar, deixo vocês com Angelo Cristiano da Silva Antunes, o carteiro amigo dos animais <3
Stay beautiful and dance if ur lonesome <3
Yours truly,
Anna Vitória
Sempre que quiser, responda essa newsletter como um e-mail normal e escreva para mim ou me encontre por aí
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