Hello stranger, como vai você?
Uma das minhas leituras mais marcantes do ano passado foi A parábola do semeador, da Octavia Butler. Por si só o livro já é muito bom, mas o impacto maior se deu por conta do timing perfeito do nosso encontro, que aconteceu mais ou menos um mês depois da greve dos caminhoneiros. A parábola do semeador é uma distopia construída em torno de uma premissa muito básica: em 1989, quando começou a escrever o livro, Octavia Butler olhou para alguns dos problemas sociais mais urgentes dos Estados Unidos - desigualdade social, aquecimento global, esgotamento do capitalismo, ausência de controle de armas - e começou a pesquisar sobre o que aconteceria se nada fosse feito e as coisas só piorassem. O cenário não é bonito.
As mudanças climáticas e o colapso da economia moldaram juntos uma realidade marcada pela escassez de água, comida e segurança social. Do lado de fora dos bairros murados, onde até as crianças aprendiam a manejar armas para se defender, roubar e matar era uma questão de sobrevivência. Não havia carros particulares e tampouco caminhões nas estradas, mas quando lia a saga de Lauren Olamina, garota de 15 anos que narra a história, lembrava das notícias da greve e como alguns poucos dias de falta de combustível evidenciaram a nossa dependência desses recursos e o que acontece quando não temos mais certas estruturas para nos apoiar. As notícias recentes só deixam claro como o verniz social que nos separa da barbárie é fino.
A parábola do semeador seria o primeiro livro da trilogia Semente da terra, que acabou tendo só dois volumes. O projeto foi interrompido porque Butler ficou tão deprimida com seu prognóstico de futuro que deixou a história de lado por um tempo para se dedicar a outros trabalhos e acabou morrendo antes de ter a chance de conclui-la. Sempre penso nisso quando me dou conta que 2024, o futuro "distante" que marca o início da trama, está muito mais próximo que 1989, e na minha cidade as pessoas estavam assaltando tanques de gasolina dos vizinhos em menos de uma semana de greve.
Como é um livro narrado em primeira pessoa, nós sabemos o que Lauren sabe, e ela sabe muito pouco porque o acesso à informação é precário se você não é uma das poucas pessoas ricas que têm acesso às grandes telas de realidade aumentada, que oferecem uma realidade que também não é lá tão confiável assim. Contudo, a história é suficientemente bem construída pra que a gente perceba que os personagens de A parábola do semeador vivem as consequências extremas do capitalismo tardio. Embora a crise ambiental e a falta de alimentos seja o que mais chama atenção num primeiro momento, existem outros pontos mais interessantes e menos óbvios na construção desse universo, como a falta de espaço no mercado de trabalho para os jovens, que formavam uma grande massa iletrada, o que favorecia a formação de gangues, o aumento do contingente de viciados em drogas e banalizava a escravidão.
Como o colapso da economia fez com que se tornasse praticamente impossível encontrar empregos, as grandes empresas começaram a comprar e fechar cidades inteiras, oferecendo abrigo, comida e proteção em troca de trabalho, uma relação que, na prática, se assemelha muito à escravidão por dívidas, mas no livro é vendida como uma última esperança e, por que não?, !! oportunidade !! de crescimento !!.
Lógico.
Octavia Butler morreu em 2006, quando o mundo já estava ruim o bastante, mas não sei se ruim o suficiente para que ela tivesse noção do quanto a distopia que escreveu foi visionária. Acho que nesse aspecto ela preferia ter viajado na maionese, já que sua ideia era escrever um livro que servisse de alerta e fosse um chamado à responsabilidade com o coletivo, não uma sentença cínica ou pessimista. Eu queria e não queria que ela estivesse viva para ver tudo que está acontecendo - não queria porque ninguém merece, mas queria para que ela pelo menos pudesse assistir Sorry to Bother You.
Não sei se o Boots Riley já leu Octavia Butler (deveria), mas seu filme de estreia me parece uma versão menos árida porém mais ácida de A parábola do semeador. Não fica claro se estamos no futuro - de acordo com o diretor, a distopia é agora e sempre esteve aqui - mas Sorry to Bother You é interessante e maluco na mesma medida, deprimente e revolucionário também. Quando terminei de assistir, comentei no Twitter que a melhor forma de defini-lo era através da página Humans of Late Capitalism. O The Daily Dot e o The Atlantic fizeram bons esforços para tentar explicar o conceito por trás dessa curadoria de imagens que ilustra a nossa realidade absurdista e miserável, e os links incluem boas referências acadêmicas para quem quiser se aprofundar no assunto (infelizmente, todos em inglês), mas esse parágrafo é um bom resumo:
"'Capitalismo tardio' é praticamente o ar que respiramos nesse momento. Estamos todos vivendo, participando e sendo afetados por ele - e quando as coisas acontecem de acordo com o plano, nós nem percebemos isso. Continuamos a trabalhar, enriquecendo chefes absurdamente ricos, entregando nossos dados para redes sociais e anunciantes, e comprando mais coisas. Sempre mais coisas. Humans of Late Capitalism é o que ocorre quando as coisas não acontecem de acordo com o planejado. São as pequenas falhas na Matrix do ciclo de consumo, quando vemos algo que parece estranho, triste ou hilário, mas que faz muito sentido como uma consequência da cultura de consumo e da forte desigualdade social."
(Jay Hathaway para o The Daily Dot, em tradução minha)
"Falha na Matrix" serve perfeitamente ao tom surrealista e absurdo de Sorry To Bother You. No filme, Cassius Green é um cara fodido de grana que mora na garagem do tio (uma excelente participação especial de Terry Crews com cabelo) e precisa arrumar um trabalho com urgência para que nem ele nem o tio sejam despejados. Ele arranja um emprego como operador de telemarketing (a ambientação e as figuras absurdas do lugar me remeteram imediatamente ao clássico texto da Vanessa Barbara sobre essa profissão, outra grande pérola do capitalismo tardio), mas não é muito bem sucedido em fechar as vendas e seguir com o roteiro. O título do filme é retirado da primeira frase desse script: "Desculpe incomodar".
As coisas começam a mudar quando ele recebe de um colega a dica que o segredo do sucesso nesse trabalho é se conectar com os clientes através de uma "voz de branco", que canaliza a displicência tranquila do privilégio. O truque funciona e não demora para que ele cresça na empresa e comece a mudar de vida, tudo isso enquanto os outros funcionários, seus amigos, estão se unindo para protestar contra as condições precárias de trabalho e Cassius - que atende por Cash - se vê dividido entre apoiar a causa que acredita ou seguir vendendo a alma pro diabo. Não dá pra dizer muita coisa sobre o que ele descobre que está por trás da grande corporação que é vilã do filme sem estragar a história, mas é algo que dá uma escalada absurda na ideia de desumanização e exploração do trabalho, colocando os dois pés do filme no terreno da ficção científica ao mesmo tempo que o aproxima da nossa realidade com aquela identificação pelo absurdo triste que só algumas imagens do Humans of Late Capitalism proporcionam.
Armie Hammer é o CEO dessa empresa - uma escalação perfeita, já que ele é o ator mais branco do mundo - e numa entrevista pro Refinery29 ele contou que pesquisou sobre esses donos de grandes companhias que saem na lista da Forbes e viu que o índice de psicopatia entre essa classe era maior que a média, daí o complexo de grandeza e a completa falta de empatia com as consequências das ações do negócio sobre as pessoas (e os animais, o ambiente, etc, etc).
No geral fico meio assim de colocar uma patologia nesses comportamentos, já que chamar de psicopatia é muito mais fácil do que olhar para as estruturas sociais complexas em que essas pessoas estão inseridas ou lembrar que só gente branca recebe um diagnóstico clínico quando faz merda. Apesar disso, me chamou atenção uma coisa que ele disse sobre seu personagem no filme, que é o fato de ser um cara que, ainda que através de uma lógica torta, acredita que está fazendo uma coisa boa. Isso me lembrou imediatamente o homem que dominou minhas ideias nessa última semana, Billy McFarland, idealizador do Fyre Festival (que era sobre o que eu queria escrever originalmente antes de começar a pesquisar se minha associação entre isso e o capitalismo tardio fazia sentido, ficar deprimida e concluir que vamos morrer afogados em lama de lixo tóxico).
A parábola do semeador e Sorry to Bother You são essencialmente histórias sobre escassez e sabemos que onde há escassez, há abundância. A história do Fyre Festival é esse outro lado do capitalismo tardio. Entrou na Netflix recentemente o documentário Fyre Festival: Fiasco no Caribe (o subtítulo em português é o toque pastelão que faltava pra história), sobre o festival de música que era pra ter acontecido em 2017 e acabou se revelando uma fraude milionária e um grande golpe de marketing. A coisa toda foi idealizada pelo famigerado Billy McFarland, um jovem EMPREENDEDOR cheio de POTENCIAL que resolveu fazer um festival numa ilha das Bahamas - que já foi do Pablo Escobar, vale dizer - para promover uma EXPERIÊNCIA de luxo, curtição, bebedeira e azaração para os jovens. Nada me tira da cabeça que era pra ser um De Férias Com o Ex de altíssimo orçamento. Antes de pensar se era possível orquestrar isso em cerca de cinco meses (spoiler: não era), ele chamou um monte de modelos e influenciadoras gostosas do calibre de Emily Ratajkowski e Bella Hadid pra gravar um vídeo que foi usado numa grande ação de divulgação via Instagram que envolvia centenas de pessoas que acumulavam milhões de seguidores, e Kendall Jenner foi a cartada final. Isso foi suficiente pra que 95% dos ingressos fossem vendidos nas primeiras 24 horas.
Alguns pacotes pro festival custavam coisa de, sei lá, 100 mil dólares, e além das atrações musicais (o line-up tinha Major Lazer e Blink-182 e só por isso eu já me sinto no direito de rir dessas pessoas pro resto da minha vida) (adoro Blink) incluía coisas tipo hospedagem em ~villas~ luxuosas e festas exclusivas em iates com artistas. Só que não tinha nada disso. Os acontecimentos escalam numa proporção digna de Sorry to Bother You e só mesmo assistindo pra ter uma ideia, mas o absurdo aqui vem não de recursos de ficção científica, mas com o choque de realidade crua.
Além do Ja Rule, que foi convidado para ser a cara do festival mas não estava envolvido nos negócios, as únicas pessoas negras que aparecem no documentário são os moradores das Bahamas que trabalharam por meses para construir a estrutura do Fyre Festival e não receberam nada pelo serviço (fiquei mais aliviada quando vi que uma vakinha online arrecadou quase 200 mil dólares pra dona do restaurante local contratado pro evento, que esgotou as próprias economias pra pagar seus funcionários depois do calote). Pelo que dá pra ver pelos vídeos dos frequentadores que chegaram na ilha e encontraram confusão, tendas de desastre e colchões de ar molhados, só tinha gente branca do local. Quase toda a equipe que idealizou o festival - produtores, publicitários, organizadores - era composta por homens brancos. É tão fácil traçar uma metáfora de colonização aí que se fosse um filme de ficção talvez dissessem que faltou sutileza.
A parábola do semeador é uma distopia escrita por uma mulher negra que disse que escrevia sobre poder porque era algo que ela tinha muito pouco. Na luta para sobreviver, sua protagonista constrói uma pequena comunidade em que todas as pessoas fazem parte de alguma minoria: negros, hispânicos, mães solo, velhos, crianças sem pai. É uma forma de inserir essas pessoas num gênero literário em que elas normalmente não existem, mas também faz sentido que corram mais perigo por estarem do lado mais fraco da corda e se unam porque já viram a corda arrebentar muitas vezes.
Em Sorry to Bother You, Cash é interpretado pelo ♥ Lakeith Green ♥, que tem uma participação bem relevante em Get Out e também é o protagonista de "Teddy Perkins", um dos episódios mais importantes de Atlanta, o que só adiciona CAMADAS à história e constrói uma maravilhosa teia - não sei se voluntária, mas espero que sim - de referências. Essas obras falam sobre a apropriação de corpos e mentes negras e a desumanização provocada por isso, seja de formas extremas, como na escravidão, ou no apagamento da população negra através da apropriação cultural ou na alienação da própria identidade.
O Fyre Festival condensa todos os temas dessas ficções - científicas, surrealistas, absurdistas - em um evento e dois documentários, e que falta faz um recorte de raça na hora de contar essa história.
O documentário da Netflix faz uma boa cronologia dos eventos e é muito bom em retratar a tensão e o absurdo crescentes da situação, mas falta uma visão mais ampla sobre o assunto. Faz sentido: Fyre, descobri depois, foi produzido pela mesma Jerry Media que criou todo o buzz do festival e que provavelmente estava mais interessada em limpar a própria barra do que fazer uma autocrítica e refletir sobre a cultura da qual faz parte. Para a nossa sorte, o Hulu também lançou seu próprio documentário sobre o evento (!), Fyre Fraud, que assisti logo no dia seguinte e achei muito melhor, já que ele se esforça para responder algumas das questões que ficam na cabeça de todo mundo que descobre essa história, questões que podem ser condensadas em uma só: COMO?
Se fosse ficção, também pareceria inverossímil a forma como Billy McFarland arrancou dinheiro de seus investidores - contribuições na casa dos milhões de dólares - a partir de planilhas feitas com números inventados e e-mails com promessas vazias, sem apresentar resultado algum. Antes do Fyre Festival ele esteve por trás de outras falcatruas, mas continuava sendo tratado como um brilhante garoto empreendedor (acho que esse meu tweet não foi apreciado o suficiente). Quando estava em liberdade condicional depois do julgamento pela fraude do festival, ele já começou a arquitetar um novo golpe. O Hulu pagou, de acordo com a Netflix, 250 mil dólares para entrevistá-lo para seu documentário - a plataforma negou o valor, mas confirmou a transação. Aposto que o mesmo aconteceria com o personagem do Armie Hammer em Sorry to Bother You.
As pessoas que toparam isso não são (inteiramente) burras e delusionais, Billy McFarland não é um psicopata, ele é só um americano branco e rico que cresceu achando que o mundo era seu. No fim das contas, acho que a SCHADENFREUDE que a gente experimenta ao ver a casa cair nos documentários vem do fato que, extraordinariamente, esse cara não conseguiu o que ele quis, nem com todo o dinheiro do mundo (mesmo). Os jovens privilegiados não tiveram seu fim de semana hedonista e a fantasia da ilha exótica com mulheres gostosas foi uma grande furada. Pena que o desastre já estava feito.
Como terminar esse texto? Não sei vocês, mas eu estou exausta. Estou escrevendo há quase uma semana e no meio desse processo aconteceu Brumadinho, eu voltei a chorar vendo notícias e tudo tem me parecido impossível, incontornável. Isso me leva à última referência que gostaria de trazer nesse apanhadão de coisas que andei lendo, assistindo e pensando nos últimos tempos: o texto da Anne Helen Petersen sobre burnout. A jornalista define nós, os millennials, como a geração do esgotamento por conta de alguns pilares como excesso de trabalho num mercado cada vez mais precarizado, instabilidade econômica, política e social, pressão para auto-otimização e a dinâmica das redes sociais. Talvez eu esteja extrapolando ou hiper-analisando, mas o Fyre Festival também é um reflexo dessa cultura.
Gosto muito da cena que abre o Fyre Fraud, que é sob ponto de vista de uma pessoa qualquer, um jovem que mora no porão dos pais, aí abre o Instagram e vê uma foto tirada no dia da grande festa que virou o filme promocional do festival. São pessoas bonitas e ricas se divertindo muito num lugar maravilhoso. O conceito por trás do Fyre Festival era materializar o Instagram e tudo que ele representa em um evento, ser aquele lugar mítico em que todos querem estar, o paraíso onde estão os 1 enquanto os outros 99% estão vivendo uma vida normal, sem graça e mal paga, acreditando que todo mundo está tendo uma EXPERIÊNCIA de vida mais glamourosa, saudável e significativa que a sua. Criar esse desejo é tão importante quanto realizá-lo, talvez até mais. Na sequência de A parábola do semeador, Parable of the talents, além das drogas as pessoas usam "máscaras de sonho", que geram fantasias virtuais para que as pessoas possam se refugiar em vidas mais felizes.
Fico pensando nos funcionários de baixo escalão da Fyre, que poderiam ser os personagens de Sorry to Bother You, os designers e desenvolvedores que só queriam fazer o próprio trabalho e pagar o aluguel, que assistiram tudo dar errado e não puderam e nem conseguiram fazer nada. Por um lado, existe essa crença no privilégio e nas soluções imediatas que o dinheiro vai dar conta de tudo e que deve existir um serviço tipo a Amazon onde você pode comprar uma villa ou uma estrutura de água e esgoto pra uma ilha deserta via internet. Ao mesmo tempo, existe essa apatia, a paralisia de não conseguir fazer nada, por não ver mais sentido ou propósito nessa mobilização depois de tantas promessas não cumpridas.
"Especialistas passam muito tempo dizendo que "Isso não é normal", mas a única maneira de conseguirmos sobreviver no dia a dia é normalizando os eventos, as ameaças, a avalanche de informações, os custos e o que se espera de nós. O esgotamento não é um lugar que visitamos e do qual retornamos; é nossa residência permanente."
(Anne Helen Petersen para o Buzzfeed)
E aí, o que fazer? Em A parábola do semeador, Octavia Butler escreve uma heroína que é portadora da síndrome da hiperempatia, o que significa que ela é capaz de sentir na própria pele tudo que os outros sentem. Literalmente. No mundo violento em que ela vive isso pode ser um baita ponto fraco, mas Lauren Olamina está inscrita na minha categoria favorita de personagem, aqueles que fazem da vulnerabilidade sua maior força (e agora vocês já sabem por que gostei tanto desse livro). A hiperempatia obriga Lauren a ser radical, seja pra matar ou pra viver, amar e sugar ao máximo as coisas boas, pois isso lhe dá resistência. Ela vê saída na união entre as pessoas e funda uma religião em que deus é a mudança, a impermanência, a incerteza.
Já em Sorry to Bother You a solução é botar fogo em tudo. Isso e a união dos trabalhadores.
"Descrever o esgotamento dos millennials é reconhecer a multiplicidade da nossa realidade ao mesmo tempo em que reconhecemos nosso status quo. Estamos profundamente endividados, trabalhando por mais horas e em mais empregos por um pagamento menor e menos estabilidade, com dificuldades para alcançar o mesmo padrão de vida dos nossos pais, operando em precariedade psicológica e física – tudo isso enquanto nos dizem que basta trabalhar mais para que a meritocracia prevaleça e comecemos a prosperar. A cenoura pendurada na nossa frente é o sonho de que a lista de tarefas irá acabar, ou pelo menos se tornar bem mais gerenciável.
No entanto, a ação individual não é suficiente. As escolhas pessoais sozinhas não impedirão o planeta de morrer ou o Facebook de violar nossa privacidade. Para fazer isso, é preciso uma mudança de paradigmas."
(Anne Helen Petersen para o Buzzfeed)
Gosto bastante de todas essas saídas, mas me identifico muito com a proposta da Anne Helen Petersen ao final do artigo, que é menos radical ou romântica que as outras, mas é a que me sinto mais capacitada para exercitar no momento. Ela fala da importância de entender o que está acontecendo, dar contexto e vocabulário para explicar esse grande mal estar existencial, social, físico e moral que estamos sentindo, inclusive qual é a nossa participação nessa estrutura (será que eu iria querer ir no Fyre Festival se as bandas fossem boas? Não paro de pensar nisso, mas aí já é assunto para outra newsletter). Acho que é isso que bons livros, bons filmes, bons documentários e bons textos fazem, e foi um pouco dessas ideias que quis trazer hoje. Numa edição de sua newsletter em que reflete sobre a repercussão do artigo sobre burnout, Anne Helen fala que enxerga a solução cada vez mais no coletivo, em construir um mundo melhor pro outro. Em A parábola do semeador, por conta da hiperempatia, Lauren precisa sempre pensar na coletividade, já que seu bem estar literalmente depende do bem estar de outras pessoas. Não é por acaso que o individualismo é a base do capitalismo, especialmente em sua face tardia.
Eu poderia puxar um último gancho e falar sobre a terceira temporada de The Good Place, que foi didática ao mostrar que não existe consumo ético sob o capitalismo e coloca os personagens para pensar se é possível ser uma pessoa melhor depois disso, e como fazê-lo. Ainda não tenho uma resposta, então vou encerrar com uma frase inspiradora e fingir que isso resolve nossos problemas até descobrir (ou ler o texto da Clara sobre o assunto que vai sair em breve): abracem o pandemônio. E vamo que vamo, bem juntinhos.
"Não seja a folha que flutua pelo rio. Seja a pedra que quebra a corrente."
Links, Links, Links
- Lá em julho eu escrevi um texto mais completo sobre a experiência de ler A parábola do semeador, a quem interessar possa;
- O texto da Anne Helen Petersen repercutiu bastante e gerou dois desdobramentos interessantes: reconhecendo que pessoas experimentam o burnout de forma diferente por conta do contexto em que vivem ou de suas identidades, ela publicou depoimentos de 16 pessoas diferentes falando sobre o esgotamento em suas vidas; e uma newsletter falando sobre o processo de escrever o artigo, para os junkies de processos criativos;
- Enquanto escrevia esse texto também rolou um enorme passaralho nas redações do Buzzfeed do mundo todo, incluindo o Brasil, e o impacto disso no mercado e na democracia me deixou BOLADA, pra dizer o mínimo. Três bons textos sobre o assunto: o diretor de quizzes do site conta que foi demitido porque os quizzes de voluntários (que não são pagos pelo trabalho) geram mais tráfego pro site; entrevista com a principal criadora de quizzes do site, que nunca recebeu nada além de brindes pelo trabalho; por que as demissões ameaçam a democracia?;
- O conservador e o atrasado, coluna do Elio Gaspari sobre nosso governo;
- A Deriva lançou uma edição especial para pensar sobre o Brasil de 2019 e como chegamos aqui;
- A Isadora puxou uma discussão muito interessante no seu Instagram sobre a importância de ler teoria feminista que acendeu várias luzes por aqui e já gerou uma resposta muito boa na newsletter da Taize;
- Tive uma virada de ano mágica, como se o universo soubesse que precisaria de muita energia boa pra sobreviver a esse ano. Hoje não tem disco da semana, mas vou deixar aqui a playlist que fiz pra festa e me deu forças pra viver nesse janeiro de 95 dias;
Ufa, agora acabou!
Obrigada pela companhia e por chegar até aqui. A linha editorial dessa newsletter tem duas energias: pensar que não existe consumo ético sob o capitalismo e vamos todos morrer (careful fear) ou sentir coisas demais (dead devotion). Não queria começar o ano com a primeira opção, mas acho que não tinha outra alternativa. Como sempre, obrigada pelo acolhimento e as respostas deliciosas da última edição, e aos novos assinantes o meu mais sincero desculpa qualquer coisa.
Que o pato gótico australiano nos ilumine.
Stay beautiful!
Yours truly,
Anna Vitória
Sempre que quiser, responda essa newsletter como um e-mail normal e escreva para mim ou me encontre por aí
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