para ler ouvindo: blondie - doom or destiny
Hello stranger, como vai você?
Ter nascido nos últimos dias de fevereiro faz com que meu aniversário sempre esteja mais ou menos ligado ao Oscar, ao carnaval e ao calendário acadêmico universitário, uma explicação sem graça para todas as coincidências que serão relatadas aqui. No entanto, ter nascido sob o signo de peixes fez com que não me restasse alternativa se não romantizar todas elas. Meu aniversário de 18 anos, por exemplo, foi na véspera do meu primeiro dia de aula na faculdade. Não é preciso nem ser muito emocionada pra enxergar uma simbologia nisso aí.
Lembro que meus pais me levaram pra comemorar num buffet de café da manhã, porque essa é minha refeição favorita, e eu fui usando uma tiara extravagante com laço e penas que minha melhor amiga de infância havia feito pra mim. Gossip Girl ainda estava no ar. Mais tarde comemorei com meus amigos numa lanchonete e no convite avisei que a festa acabaria às 20h, porque eu precisava ir pra casa assistir ao Oscar. Era a vez de comemorar só comigo.
Não lembro quem ganhou o Oscar em 2012 (O Artista), mas lembro que ainda era ok gostar do Woody Allen e minha torcida era pra Meia-Noite em Paris, que acabou ganhando o prêmio de roteiro original, enquanto Os Descendentes ganhou por roteiro adaptado. Eu tinha visto o filme poucas semanas antes, uma das minhas primeiras vezes sozinha no cinema, e chorei tanto que as senhoras sentadas perto de mim ficaram preocupadas.
Lembro de pouca coisa do meu primeiro dia na faculdade, só que tive meu rosto pintado e precisei me apresentar muitas vezes. Eu tinha muito medo do trote, mas não aconteceu nada. Acho essa tradição de violências e humilhações de uma estupidez sem tamanho, mas a trivialidade do momento fez com que tudo fosse meio anticlimático, principalmente porque eu era uma das poucas pessoas que estava ali porque queria e tinha um interesse real pelo curso. Era ingenuidade, claro, mas ainda tenho raiva de alguns colegas de sala por terem me tirado a chance de ser uma caloura ingênua e deslumbrada.
Contribuí com uns R$10 quando os veteranos nos levaram pro bar e fingi beber um mesmo copo de cerveja até achar que já tinha ficado tempo suficiente pra poder ir embora e não ser taxada de chata. Acho que tem gente que me acha chata até hoje.
Meu aniversário de 22 anos foi também o dia da minha colação de grau na faculdade.
Não me sinto confortável no centro das atenções (ela disse, direto da sua newsletter pessoal) e por isso fazer aniversário é sempre estranho, já que nunca sei direito como me comportar. Uma formatura multiplicaria esse desconforto por 10. Só topei participar porque minha mãe queria muito me ver de beca e minha vó queria uma foto pra colocar na estante. Foi um dia tumultuado, estressante, emocionalmente exaustivo e também muito bonito. Ganhei flores e até me arrependi por não ter me envolvido na organização quando começou a tocar "Viva la Vida". Escrevi o discurso de oradora, mas dei pra outra pessoa ler porque não queria chorar na frente de todo mundo. Em compensação, tive uma crise de riso no hino nacional. Não acredito em ritos de passagem tradicionais, mas aquela cerimônia foi especial porque senti que não estava deixando nada pra trás.
Fazer jornalismo foi a primeira decisão adulta que tomei na vida, porque todo mundo era contra e eu fui contra todo mundo. Pode não ter sido a melhor decisão, a mais esperta ou a ideal, mas foi a primeira vez que fiz por minha conta uma escolha capaz de mudar drasticamente a minha vida tendo como base aquilo que eu queria e que acreditava ser melhor pra mim. Independente do que acontecesse no futuro, aquela missão tinha sido cumprida e eu não me arrependia de nada. Fiz tudo que tive vontade e realizei vários sonhos e acho que nunca dormi tão tranquila como naquela noite. Ainda não me arrependo.
Dois dias depois o Leonardo DiCaprio ganhou o Oscar. Meu filme favorito da temporada foi Brooklyn, que assisti chorando de soluçar porque sabia que nada mais me prendia na cidade onde nasci, mas ainda não tinha coragem de ir embora. Ver a Brie Larson na festa pós-premiação fez surgir o único arrependimento da graduação: não fui de tênis na formatura.
A véspera do meu aniversário de 25 anos foi também o meu primeiro dia como aluna de mestrado.
Acordei cedo, peguei dois ônibus e dois metrôs, pedi um expresso e um croissant, e cheguei na sala às 9h em ponto pra assistir uma palestra chata que poderia ser resolvida com um e-mail. Eu tinha viajado 600km praquilo, mas felizmente estava de bom humor. Aproveitei pra entrar no Twitter e descobrir quem tinha ganhado o Oscar na noite anterior: Green Book, um filme que não assisti. Meus favoritos da temporada foram Infiltrado na Klan e A Favorita, mas vi pouca coisa além deles. Foi a primeira vez que deixei de ver a premiação desde que comecei a acompanhá-la, há mais de 10 anos.
Sei que parece idiota (quem liga pro Oscar?), mas a temporada de premiações me conectava a quem eu sou, ou pelo menos a quem eu fui nos últimos anos. Ter essa desculpa para passar passar dias mergulhada em filmes sempre me ajudou a sobreviver ao período de introspecção e melancolia que acompanha meu aniversário e o Oscar foi também uma estranha fonte de estabilidade em momentos difíceis. 2017 foi meu pior aniversário, porque dia 26 de fevereiro de 2017 marcou o primeiro mês da morte do meu avô, e a melhor coisa que aconteceu foi ver a confusão que deu o Oscar a Moonlight bêbada de vinho depois de comer a maior sobremesa de um restaurante chique junto com meu melhor amigo. Moonlight talvez seja meu vencedor favorito da história e recebi a vitória como um presente particular.
Às cinco da tarde da véspera dos 25 eu estava tomando vinho, dividindo um brownie com sorvete com a Clara, e já não lembrava mais do Oscar.
Alguns dias depois, quando contei pra minha tia que não assisti à cerimônia, ela se revelou a única pessoa genuinamente chocada com essa informação. Ela contou que seus filhos, meus primos mais novos de 16 e 12 anos, só assistem o Oscar até o final há dois anos por minha causa. Disse que meu legado estava seguro com eles e que me sentia pronta pra passar o bastão, e ela falou: "Você sabe que é a maior referência deles, né? Pra tudo. Então cuidado com o que vai fazer agora que vai sair de casa porque vai sobrar pra mim também." É um peso bom de se carregar.
No dia do meu aniversário de 25 anos, acordei cedo pra viajar e meus tios acordaram pra tomar café da manhã comigo. Tinha um bolo de chocolate vegano que eu e meu primo comemos quase que a metade na noite anterior enquanto batíamos papo na cozinha, porque não sabíamos que era uma surpresa pro dia seguinte. Me maquiei no banco de trás do táxi, como sempre acontece quando estou atrasada, mas cheguei duas horas adiantada no aeroporto. Meu voo atrasou mais de uma hora e dormi quase que o tempo inteiro. Dormi também pelo resto do dia e não atendi várias ligações. Não quis sair pra comemorar e chorei até dormir, eu estava na redoma de vidro. Faltava exatamente uma semana pra eu me mudar pra São Paulo.
Foi uma semana de muito choro e diversas despedidas, como um intenso luto pela vida que eu conheci até então, ainda que fosse uma despedida feliz e bem menos definitiva do que aquela descarga emocional fazia parecer. Uma amiga disse que é precioso ter uma vida que não se deixa pra trás sem pensar duas vezes, e é por isso que sempre agradeço quando dói. De novo estou mudando drasticamente a minha vida com base no que quero e no que acredito ser melhor pra mim, e sei como sou privilegiada por poder fazer essas escolhas, mas isso não torna as coisas mais fáceis. Essa semana que passei chorando, fazendo malas e vendo filmes com meus primos adolescentes foi um ritual de passagem necessário pra me transformar no que preciso ser, que ainda não sei bem o que é, mas sinto que está aqui.
Passei meu aniversário de 24 anos assistindo Lady Bird e morrendo de medo de chegar aos 25 sendo a mesma pessoa, porque sentia que os dois anos anteriores haviam sido um desperdício de tempo, por mais injusto que seja esse pensamento. Eu não estava feliz e até sabia o que tinha que fazer pra melhorar, só não sabia se teria a coragem necessária. Depois de um empurrão da vida que colocou tudo pra andar, lembrei do meu discurso de formatura, da Amanda Palmer, do prego e do cachorro, e senti que finalmente estava doendo o suficiente.
Fiz tudo que tive vontade e tudo que dava medo, vivi e senti tanta coisa que experimentei de novo a rara sensação de calma ao encerrar um ciclo com a certeza de que não estou deixando nada pra trás. Até brinquei que não me sentia preparada pra essa nova idade que traz consigo o peso simbólico de se carregar um quarto de século nas costas, mas a verdade é que me sinto exatamente como uma mulher de 25 anos.
***
E onde entra o carnaval nessa história de filmes e choradeira?, vocês devem estar se perguntando.
Aos 18 ele era um trauma, aos 22 eu quis dar uma chance e dois dias antes dos 25 me vi sozinha num bloco em São Paulo e, assim como naquele show do Radiohead, isso não me assustou. Eu estava comigo e estava tudo bem. Fiz amizade com desconhecidos, vi Alceu Valença cantar "Anunciação", que é uma das minhas músicas favoritas, admirei o céu e me dei permissão pra achar a vida muito boa. Encontrei minhas amigas e tudo fez sentido. Ainda não sei o que se anuncia, mas sinto que estou onde queria estar.
Se minha vida continuar conectando minha carreira acadêmica a idades simbólicas, pode ser que eu defenda o mestrado aos 27 e entre no doutorado aos 30. Só espero que alguma delas me leve para o carnaval de Recife.
***
* Esse texto foi inspirado no textão de aniversário da Hianna, pisciana e minha nova vizinha que me encheu de inspiração e abriu as porteiras da vulnerabilidade que andavam emperradas por aqui. Feliz vida, amiga <3
* Todos os gifs são de Broad City, espelho da minha nova vida de mulher de 25 anos na cidade grande (só que minha versão tem menos drogas).
* Uma das músicas do Wilco tem um dedilhado parecidíssimo com a introdução clássica de "Anunciação" e esse "plágio" é uma das minhas piadas favoritas dentro do fandom. Vale a pena ouvir "One Sunday Morning (Song for Jane Smiley's Boyfriend)".
Disco da Semana
thank u, next (Ariana Grande): Meus amigos passaram anos tentando me transformar em arianator, e tudo que eu precisava era de uma boa história. Me apaixonei por Ariana Grande depois de vê-la lançar um álbum contradizendo toda a narrativa do seu trabalho anterior num intervalo de poucos meses. Em Sweetener ela disse que não tinha mais motivos para chorar e, naquele momento, não tinha mesmo - até sua vida virar de ponta cabeça. A forma como Ariana Grande se apropriou de suas tragédias pessoais e da ruptura de narrativa que elas representavam para fazer um disco dizendo que a vida é uma história contada por um idiota, cheia de som e de fúria, sem sentido algum - em que os idiotas somos nós achando que temos algum controle - foi uma coisa de gênio, e ainda por cima as músicas são ótimas e cheias de humor. Sinto que thank u, next pode ser resumido pela frase "ai meninas que loucura viver" e é assim que pretendo lidar com os tombos da vida nesse ano pessoal que se inicia.
Músicas favoritas: imagine, 7 rings, NASA, thank u, next, needy, break up with your girlfriend, i'm bored.
Ufa, agora acabou!
Obrigada pela companhia e por chegar até aqui. Além de não assistir ao Oscar, outra ruptura importante com a minha narrativa pessoal que aconteceu nos últimos dias foi passar um tempo fora das redes sociais. Excluí todos os aplicativos do celular e silenciei até as notificações de mensagem. Foram só 10 dias, o que é muito pouco e só torna mais bizarro quando penso na diferença imensa que isso fez. Não pretendo sair em definitivo, mas tenho pensado sobre como posso fazer um uso mais construtivo e menos reativo dessas ferramentas, e também como posso ser uma voz positiva sem ser irresponsável diante de tudo que está acontecendo, o que está diretamente relacionado com essa newsletter. Ainda não tenho respostas e devo usar isso aqui de laboratório, mas hoje só queria lembrar os velhos tempos e compartilhar alguns sentimentos cafonas.
- Enquanto estive fora, fui convidada a participar do incrível méxi-ap, podcast em que pessoas criativas (ui!) são convidadas a falar sobre o que estão lendo, assistindo, ouvindo e pensando. Escolhi falar sobre Mad Men e a conversa acabou rendendo dois episódios no qual eu e a Glênis conversamos muito sobre narrativas, mulheres nos anos 60, caos, TV de prestígio, homens abusadores e, como não poderia deixar de ser, Taylor Swift.
Foi uma experiência deliciosa e nossos papos renderam algumas inquietações que estão pipocando por aqui até hoje. Prestigiem: parte 1 e parte 2.
- No Valkirias, escrevi algumas opiniões impopulares sobre o filme Nasce Uma Estrela.
- Como tenho andado meio por fora da internet e acredito que vocês já estejam saturados de opinião e informação, o único texto que gostaria de recomendar é "A tirania do quantificável", da sempre ótima Carla Soares, que vem de encontro a muita coisa que tenho pensado ou sentido (vamo botar fogo em tudo):
A tirania do quantificável diz da nossa incapacidade de conviver com um lugar de incerteza, com o insondável e o escuro, e deixa muito evidente a compulsão de tentar controlar as coisas à nossa volta. É muito difícil dar valor a algo que não conseguimos definir direito o que é, mas é especialmente difícil quando o sistema nos ensina que não vale a pena avaliar várias coisas que realmente importam apenas porque não podemos ter uma ideia mais exata.
Esse incômodo também pode ser traduzido no verso de uma das músicas novas do Vampire Weekend, que tem sido uma das minhas razões para existir e sorrir: "I don't wanna live like this, but I don't wanna die". Ezra de robe, obrigada por tudo.
Stay beautiful!
Yours truly,
Anna Vitória
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