para ler ouvindo haim - summer girl
Eu realmente achei que dispensaria as listas de final de ano dessa vez.
2019 não foi só meu ano de caos e privação de sono, como também foi o ano em que eu menos li, assisti filmes e séries, ou sequer estive por dentro do discurso público da cultura pop - atividades que fazem parte da minha vida e pautam um bom pedaço dela desde a minha pré-adolescência. Eu não vi o Oscar em 2019!
Se sobrou pouco tempo até para dormir, o que dizer de todo o resto? Virou rotina acordar de manhã ainda com o notebook aberto do lado da cama e perceber que na noite anterior eu tinha assistido cerca de cinco minutos de alguma coisa antes de cair no sono sem perceber que estava dormindo. No começo fiquei incomodada, principalmente por perceber que estava ficando pra trás de tudo que as pessoas estavam assistindo, lendo e comentando (assisti Fleabag em setembro!), até me dar conta do quanto de tudo isso era ruído, pressão externa, e não tinha nada a ver com o que eu realmente queria fazer ou consumir.
Um dos grandes desafios do ano esteve em aprender a me comportar de maneira menos reativa e mais construtiva, inclusive na internet (principalmente na internet), com o tempo e muitas vezes o silêncio necessário para que eu pudesse me ouvir em meio a tanta confusão. Conversando com a Clara, e depois com minha amiga Laura, disse que estava cansada de ter opiniões sobre as coisas e me interessava cada vez menos pelas opiniões dos outros. Isso não significa que não me interesso mais por pensar sobre as coisas que consumo ou falar e escrever sobre elas, só que não consigo (e, acima de tudo, não quero) me encaixar mais na lógica das reações imediatas e cheias de certezas que esses tempos e essa conjuntura nos impõe e que tem feito dos tempos e da conjuntura espaços e realidades tão desagradáveis de se viver.
Em 2019 eu parei de comer carne e acho que essa transição foi um dos processos mais transformadores e também mais silenciosos que já vivi, e sinto que uma coisa tem tudo a ver com a outra. Ano passado a Isadora escreveu também sobre essa necessidade de silêncio e perguntava no final o que estávamos fazendo, ou o que gostaríamos de fazer, para ouvir a nós mesmos, então eu respondi contando sobre a experiência de me tornar vegetariana. Acabei de ler de novo a resposta e percebi que várias dessas considerações valem para essa relação com a cultura quando ela resolve se misturar com nosso discurso público e também com a nossa identidade.
Minha experiência com ansiedade afeta muito minha alimentação, perder completamente o apetite é a primeira coisa que acontece quando as coisas não vão bem internamente. Então eu preciso que comida seja fonte de alegria e não preocupação, culpa, ansiedade, e sabia que pra adotar uma dieta restritiva eu ia precisar ser muito cuidadosa com a forma de enxergar essas mudanças pra não fazer com que toda refeição virasse uma tortura. O que decidi foi não abraçar nenhum rótulo ou fazer dessa mudança um projeto, e só aceitar o que meu corpo quisesse e o que estivesse me fazendo bem naquele momento. (...) Parece pequeno, mas pra mim a coisa mais gratificante de todo esse processo, e acho que o que fez essa transição realmente dar certo, foi ter conseguido fazer isso no meu tempo, respeitando meu corpo e minhas vontades, sem engajar ou dar atenção para as discussões sobre o tema na internet. É algo que evito falar publicamente justamente porque é um tema inflamado, que as pessoas tem muitas opiniões, um discurso muito carregado em culpa e responsabilidade que é o que preciso evitar porque já tenho ansiedade o suficiente. É a coisa mais legal que tenho conseguido fazer por mim e funciona nos dois extremos: fazer escolhas rumo a uma alimentação sem produtos de origem animal, e aceitar que tudo bem tomar um milkshake de morango se é isso que preciso no momento.
Na condição de pessoa que ainda pensa e escreve sobre cultura (cada dia menos, graças a Deus!!), uma das melhores experiências que tive em 2019 em relação a isso foram as longas e maravilhosas conversas que tive com a Glênis quando participei do méxi-ap falando sobre Mad Men e Fleabag. Fugimos completamente do briefing, mas foi algo que ressoou e ainda ressoa em tudo que tenho pensado, escrito e feito, e acabou inspirando uma aula que dei na USP sobre mulheres na cultura pop, outro ponto altíssimo do ano. A Jumed também me chamou pra conversar sobre Uma vida pequena, um livro que amo, num episódio do Nota de Rodapé que pretendia investigar se ele era, ou não, um bom livro. Depois de horas de conversa e duas rodadas de café da manhã, eu, ela e Milena não chegamos a conclusão alguma (spoiler!) e essa pra mim foi a resposta mais importante de todas.
Já que estou recapitulando tudo tudo que fiz esse ano, ou melhor, todas as minhas participações especiais, saiu agora em dezembro o vídeo que gravei com a Analu em agosto falando sobre os cinco livros da minha vida (que na verdade são sete), onde começo falando sobre essa mudança de abordagem em relação à literatura e o que os livros representam. Sinto que repito isso todo fim/início de ano há alguns anos e é verdade, tanto que a primeira newsletter de 2018 se chama "O ano em que cansei de ler". Ver o vídeo depois de já ter esquecido tudo o que disse na época foi como renovar votos com palavras, experiências e autores que amo tanto e que mudaram a minha vida. Não é à toa que a coisa que mais gostei de publicar esse ano foi uma lista em que reuni pessoas compartilhando os livros que mudaram suas vidas e fizeram pensar sobre orientação sexual, identidade de gênero e seus lugares no mundo.
Publiquei só três textos no Valkirias e o processo de escrita deles foi horrível, mais horrível do que o horrível normal que é todo processo de escrita, porque estava sufocada pelo imperativo de construir uma opinião fechada e irretocável, sem espaço para dúvidas e controvérsias. Em compensação, fazer a curadoria e editar esses depoimentos me ajudou a lembrar do que mais gosto na arte e do que espero quando leio, assisto ou ouço pessoas falando de arte. Depois de uns meses aceitando o silêncio quase como um remédio, em novembro voltei a escrever e li três livros, e até me deu vontade de compartilhar o que passou por mim e ficou apesar de tudo, ou por causa de tudo.
Uma última lembrança: fui assistir Bacurau no cinema depois de mais de um mês do filme em cartaz. Fui sozinha, depois da aula, uma decisão de última hora na única noite livre que tenho durante a semana. Quando saí de lá mandei mensagem pra um amigo, ele perguntou o que eu tinha achado, e só respondi com toda a sinceridade: "Ainda não sei, mas foi ótimo."
Espero que 2020 traga menos respostas ainda, mas venha cheio de curiosidade (me convidem para aulas, vídeos e podcasts!!!)
MEUS MELHORES DISCOS DE 2019
(provavelmente não ouvi o seu disco preferido porque estava ouvindo The National)
- Norman Fucking Rockwell (Lana Del Rey);
- I Am Easy To Find (The National);
- On The Line (Jenny Lewis);
- When We All Fall Asleep, Where Do We Go? (Billie Eilish);
- Father Of The Bride (Vampire Weekend);
- Ode To Joy (Wilco);
- Cheap Queen (King Princess);
- U.F.O.F/Two Hands (Big Thief);
- Lover (Taylor Swift);
- Remind Me Tomorrow (Sharon Van Etten)
DISCOS FAVORITOS QUE NÃO SÃO DE 2019
- SATURATION I, II e III (BROCKHAMPTON);
- Antisocialites (Alvvays);
- Unplugged (Gilberto Gil);
- Same Trailer, Different Park (Kacey Musgraves);
- No Shame (Lily Allen);
- Trouble Will Find Me (The National);
MÚSICAS ALEATÓRIAS FAVORITAS
(quase uma playlist informal, pra guardar de recordação)
- "Summer Girl" (HAIM);
- "Cruel Summer" (Taylor Swift);
- "Rylan" (The National);
- "O Tempo" (Móveis Coloniais de Acaju);
- "Gypsy" (Fleetwood Mac);
- "I Miss You" (Kacey Musgraves);
- "Apples" (Lily Allen);
- "Death By a Thousand Cuts" (Taylor Swift);
-"Too Much" (Carly Rae Jepsen);
- "Now That You're Gone" (The Raconteurs);
- "Venice Bitch" (Lana Del Rey);
- "Not" (Big Thief);
- "HOTTIE" (BROCKHAMPTON)
MELHORES SHOWS
(eu também fiquei surpresa ao descobrir que passei 15 anos esperando pra ver a Lovefoxxx cantar City Grrrl com um body do MST)
- Lily Allen @ Festival da Cultura Inglesa;
- Patti Smith @ Popload Festival;
- Alceu Valença, Elba Ramalho e Geraldo Azevedo @ Virada Cultural;
- Cansei de Ser Sexy @ Popload Festival;
- The Raconteurs @ Popload Festival;
- Os Amanticidas @Teatro de Contêiner
MELHORES SÉRIES
- Fleabag (s2);
- Succession (s1 e s2);
- Russian Doll;
- Euphoria;
- Crazy Ex-Girlfriend (s4);
- Sex Education;
- Sex and the City (s1-s3);
- The Nanny (s1);
- Wanderlust
MELHORES FILMES
(ao todo devo ter visto mais uns dois ou três filmes além desses)
- Midsommar;
- Parasita;
- A Vida Invisível;
- Dor e Glória;
- História de um Casamento;
- A Favorita;
- Homecoming;
- Nós;
- Bacurau;
MELHORES LEITURAS
- Let's go (so we can get back) (Jeff Tweedy);
- Pessoas normais (Sally Rooney);
- Digo te amo para todos que me fodem bem (Seane Melo);
- Valley of the dolls (Jacqueline Susann);
- Lincoln no limbo (George Saunders);
- Bluets (Maggie Nelson);
- P.S. Beijei (Adriana Falcão);
- Meu ano de descanso e relaxamento (Ottessa Moshfegh);
MELHORES NEWSLETTERS
(aquelas que comecei a acompanhar em 2019, porque sempre me pedem indicações)
- Famous People;
- margem;
- The Red Hand Files (ou: a newsletter do Nick Cave);
- Episodes (ou: a newsletter da Emily VanDerWerff);
TEXTOS QUE MAIS GOSTEI DE ESCREVER
- Midsommar;
- A arte de perder;
- Sexo e a cidade: em busca do bar de date ideal;
- Também sou hype e odeio isso: uma visita ao Tokyo;
- Usei o Rappi pela primeira vez para pedir um chá e você não vai acreditar no que aconteceu
BONS HÁBITOS QUE ADQUIRI E QUERO MANTER
- Não comer carne;
- Não usar calça jeans;
- Yoga;
- Usar o tempo no transporte público para ler literatura;
- Escrever no Trash Advisor;
- Ver pelo menos um show por mês;
- Usar cor-de-rosa sempre que possível;
- Sombras coloridas;
- Frequentar a biblioteca Mário de Andrade
MICRO-RESOLUÇÕES PARA 2020
- Fazer um bilhete único nominal pelo amor de Deus;
- Fazer backup das fotos no meu celular;
- Meditar;
- Administrar melhor meu tempo;
- Aprender a cozinhar feijão;
- Assistir Magnólia;
- Não esquecer de responder as pessoas no ZAP;
Ufa, agora acabou!
Obrigada pela companhia e por chegar até aqui. Espero que gostem dessas indicações e possam tirar alguma coisinha boa pra curtir nesse ano que começa. Atendendo a pedidos, uma fotinha de poodle Francisco para abençoar 2020, ano em que completamos uma década na vida um do outro.
Stay beautiful!
Yours truly,
Anna Vitória
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