para ler ouvindo no recreio sounds #1, a primeira playlist oficial do recreioverso!
Hello stranger, como vai você?
Houve um tempo em que fui aquilo que podemos chamar vulgarmente de uma jovem antenada – pelo menos era isso que eu queria ser. Rata de MTV, colecionadora de Rolling Stone, eu conhecia todas as bandinhas do MySpace, enchia o computador do meu pai de cavalos de Tróia de tanto baixar música e era, como se deve ser, uma adolescente insuportável. Até aí tudo bem. Eu queria trabalhar com música e ser jornalista de cultura, mas acho que por trás de todos esses sonhos estava mesmo o desejo de crescer e viver uma vida maior do que aquela que vivia dentro do meu quarto.
Talvez por isso, aos poucos todas essas coisas que eu gostava tanto foram se virando contra mim. Eu me colocava tanta pressão para estar por dentro de tudo e ter uma opinião sobre tudo que acabei sufocada por um ideal que eu mesma criei, por acreditar que estavam ali as credenciais necessárias para a vida que eu queria viver. Mas, à medida que fui descobrindo que aquele sonho antigo não era exatamente o que eu queria para mim, pelo menos não de maneira prática, fui também abandonando certos hábitos que me remetiam àquela ansiedade antiga de parecer uma pessoa descolada e estar por dentro das coisas. Escolhi me divertir, e por muito tempo isso foi suficiente, mas comecei a sentir falta daquela curiosidade e urgência da adolescência que, além de me fazer acumular um número preocupante de informações sobre o Alex Turner, também foram responsáveis pelo encontro de referências formativas que faziam o mundo parecer imenso.
Tenho sentido falta desse tipo de encontro, de voltar a me sentir mexida, inspirada e preenchida pela música como acontecia quando eu era mais nova, como ainda acontece quando escuto meus artistas favoritos, mas comecei 2021 precisando de mais. Já que não posso estar fisicamente com meus amigos, não tenho planos de viagem ou ingressos comprados, que tenho que estar longe da universidade e das bibliotecas que amo, da cidade caótica que me inspira e tudo que vem com ela – dramas minúsculos perto da realidade coletiva aterradora, mas são os meus dramas – que eu faça como aprendi a fazer com 12 ou 13 anos e encontre esse algo a mais com o notebook na barriga e algum som estourando nos fones.
Assim nasceu a motivação para participar do #MWE, também conhecido como Music Writer Exercise. O desafio nasceu em 2015 no Twitter e foi criado pelo Gary Suarez, crítico e jornalista que escreve sobre rap e hip hop na newsletter Cabbages. Quem me apresentou à brincadeira foi minha amiga Ana Clara enquanto fazia sua própria lista de álbuns para o #MWE, e apesar de não ser muito fã de nada que transforme diversão em maratona, performance ou entretenimento gamificado, achei que seria uma boa oportunidade de sair da zona de conforto, ouvir aqueles álbuns que meus amigos estão há anos me recomendando, e, principalmente, me distrair um pouco.
Além de tudo, esse ano o mês de fevereiro forma um retângulo perfeito no calendário, um evento que aparentemente só acontece a cada 200 anos – e é o mês do meu aniversário. São muitos sinais serendipitosos do universo para eu simplesmente ignorar e dar mais um play em evermore, de modo que nos últimos dias – alguns dias mais do que outros – estive empenhada em ouvir álbuns inéditos (para mim, claro). Pedi sugestões no Twitter, pedi indicações de amigos, e também segui o meu coração.
O balanço da primeira semana, com todos os discos que ouvi, minha opinião sobre eles e um diarinho dos últimos dias, você confere lá no blog. O TinyLetter não é o melhor lugar do mundo para configurar esse tipo de post, mas queria compartilhar o resultado por aqui também e aproveitar para caçar um clique safado para minha outra página. Também fiz uma curadoria dos sons que gostei mais e organizei tudo em uma playlist para vocês que são jovens e gostam de tudo na mão.
Espero que essa brincadeira também te inspire a ouvir coisas diferentes e que você termine a leitura com pelo menos uma música nova na cabeça. Se quiser responder essa mensagem com uma dica de álbum que você gosta muito, ficarei muito feliz.
LEIA NO RECREIO De Arlo Parks a trilha sonora de comédia romântica B dos anos 2000
Disco da Semana
Fearless (Taylor Swift): Quão ridículo é eu estar participando de um desafio para sair da minha zona de conforto musical e ainda assim passar a semana inteira pensando nela, a cantora Saylor Twify? O negócio é que escolhi incluir também nesse exercício o reencontro com alguns álbuns que não ouço com atenção há algum tempo, que é o caso de Fearless. É o disco que menos gosto da Taylor Swift e o que menos escuto, a ponto de ter esquecido da existência de algumas músicas. Estava pronta para polemizar e dizer que, enquanto sociedade, precisamos aceitar que (com exceção dos hits) esse disco é uma merda, mas não é que me surpreendi? Vou deixar essa reflexão para o próximo post, mas achei muito interessante ouvir essas músicas tantos anos depois, principalmente depois da experiência folklore/evermore em que a cantoura Taytay revisita sua mitologia pessoal que, em muitas instâncias, começou a ser construída aqui. "White Horse", por exemplo, me parece algo que a Betty diria (ou deveria dizer) para o James quando ele aparece de repente na festa dela. Now it's too late for you and your white horse.
Estou curiosa para ver o resultado da regravação do álbum, que sai em abril, e achei uma escolha bem curiosa para começar essa jornada, porque é um disco muito ancorado no passado, com uma essência cristalizada em âmbar que só parece possível de acessar quando se tem 15 ou 16 anos. O que vai sair disso eu não sei, mas estou curiosa.
Músicas favoritas: "Fearless", "White Horse", "Love Story" e "Tell Me Why"
Links, links, links
- A Clara escreveu recentemente sobre algo que tem me incomodado há bastante tempo na internet: a forma como nos esquivamos dos conflitos e contradições que fazem parte da vida conflituosa e contraditória em uma sociedade capitalista, como se reconhecer o problema nos tirasse a tarefa de encará-lo de frente.
É uma crítica que dirijo também a mim e tenho feito um esforço consciente de ir além do "e tudo bem", seja buscando formas de melhorar, ou apenas aceitando que não está tudo bem, mas não vou lutar essa batalha.
Sim, nossos conflitos são válidos. Mais do que isso: nossos conflitos são fundamentais. Parte do que define nossa humanidade é vivermos em conflitos, e muito (se não tudo) das narrativas que inventamos pra nós mesmes são tentativas de criar uma coerência interna que é o que nos faz segurar a barra de sermos humanos - e isso é bom, mas tem o limite de quando essas escolhas começam a afetar o mundo no nível que, por exemplo, o capitalismo afeta. Então, precisamos aprender a diferenciar o que "faz parte", o que "é válido", o que "acontece" e o que "tudo bem". Porque são coisas diferentes.
- Nessa mesma pegada de verdades doloridas, recentemente comecei a ir atrás das críticas da Lauren Oyler, jornalista estadunidense que escreve bastante sobre a forma como nos relacionamos com certas obras, com enfoque na bolha esquerda woke. Nem sempre concordo com ela, mas gosto de como suas análises me forçam para fora da zona de conforto, me levam a pensar em coisas desconfortáveis e a confrontar verdades incômodas que eu preferia que passassem despercebidas.
Recentemente ela lançou seu primeiro romance, Fake Accounts, e se vocês quiserem conhecer melhor a pegada do trabalho recomendo muito sua resenha crítica de Falso Espelho, da Jia Tolentino, livro querido da comunidade No Recreio.
- Meu conflito moral mais recente é com o Big Brother Brasil, e inspirada por esse incômodo aproveitei para revisitar a edição Para a internet ser legal de novo aqui da newsletter com algumas notas adicionais feitas a partir de leituras e reflexões que fiz nesses três anos (!) que se passaram desde que publiquei a primeira versão do texto. Lá no blog!
- Nátaly Neri falando sobre a diferença entre minimalismo e essencialismo;
- No blog da Cristal Muniz: precisamos questionar o consumo desenfreado de óleos essenciais e seu impacto sobre o meio ambiente;
- Claire Saffitz fazendo um bolo de aniversário que é o conceito acadêmico de bolo de aniversário, que parece saído de um desenho animado e que gera uma experiência extremamente satisfatória em quem assiste. Me lembrou um dos meus episódios favoritos de Chef's Table, aquele com a Christina Tosi, responsável por transformar o bolo de aniversário em um hit gastronômico. Episódio 1 da temporada especial de doces, também recomendo demais.
- Entrevista com Haley Nahman e seu namorado, o (gatíssimo) Avi Bonnerjee, falando sobre a história do relacionamento dos dois. Conteúdo perfeito e insuportável para esse dia dos namorados, que pode ser harmonizado com a edição da newsletter Maybe Baby em que ela compartilha uma carta que escreveu para ele no início do namoro, descrevendo sentimentos e sensações indescritíveis, particulares e universais, que fizeram meu coração apertar de um jeito gostoso numa espécie de reconhecimento misturado com saudades.
I wasn’t supposed to be the one to keep you warm, we weren’t supposed to be falling for each other, but all that logic had nothing on our inevitability. Elated to not spend another night in bed with my dominos, I’d grab my pillow and tip toe down a set of stairs I could have jumped in a single bound. I’d crawl into your bed and there we would lay, our faces inches apart, our legs entangled and our minds engaged for hours. 3 a.m. came and passed, then 4, then 5. We had a knack for saying everything except for everything we really felt. How we existed on so little sleep those days still confounds me. We were all nerves, all blood and guts and adrenaline. You were skipping to work in pure joy, you told me, and I was running out of reasons not to love you.
- A thread da Clara com roteiros de filmes que deveriam ser feitos sobre a magia do carnaval:
Ufa, agora acabou!
Obrigada pela companhia e por chegar até aqui. Hoje é Valentine's Day e domingo de carnaval, e por mais anticlimático que isso seja nas atuais circunstâncias, espero que você aproveite a data para cometer inconsequências românticas, mandar uma DM que você está ensaiando há tempos para Aquela Pessoa, combinar umas beijocas para o pós-pandemia ou só dizer para as pessoas que você acha bonitas o quanto você acha elas bonitas. É um desafio, pode dizer que foi uma menina da internet que mandou e enviar esse e-mail como prova.
De presente eu aceito uma recomendação de disco e a sua história com ele, ou então uma história de amor para me fazer suspirar. Estamos todos precisando.
Se cuidem e se protejam, e, como sempre, stay beautiful!
Yours truly,
Anna Vitória
Sempre que quiser, responda essa newsletter como um e-mail normal e escreva para mim ou me encontre por aí
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