para ler ouvindo paul - big thief
Hello stranger, como vai você?
Acho que já escrevi sobre isso antes, mas a pandemia acelerou em alguns anos a realização de um projeto pessoal meio besta: o sonho de ter um bar (o conceito de bar) dentro de casa.
Na minha imaginação, ele seria inaugurado quando finalmente encontrasse o bar (o móvel “bar”, também conhecido como “carrinho de bar”) dos meus sonhos, uma belíssima peça de antiquário. Mas tudo começou mesmo com a garrafa empoeirada de Campari que comprei num armazém cujas prateleiras pareciam ter sido saqueadas naquela semana fatídica em que tudo fechou, em março de 2020. Isso é o que eu chamo de choque de realidade.
Campari com gelo e uma rodela de laranja era meu drink para os dias de paredão do BBB e também foi nessa época que minha mãe aprendeu a gostar de gin tônica, de modo que esse ficou sendo o drink dos fins de semana, sempre com a participação das ervas que comecei a cultivar em casa: hortelã, alecrim e manjericão. Mas logo essa euforia passou, principalmente quando desenvolvi um refluxo gástrico que não me deixava beber sem passar mal depois.
Sei que muita gente começou a beber mais nos primeiros meses de isolamento, mas comigo foi o contrário. Não gosto de beber quando estou triste ou ansiosa e acho que isso meio que explica tudo. Lembro do dia em que fui teimosa, bebi uma taça de vinho e precisei dormir sentada quase a noite inteira. Como dizem os jovens: o AUGE.
Escrever sobre meu aniversário na edição passada me lembrou que em 2021 fiz 27 anos em uma cidade com toque de recolher e Lei Seca, sem nem uma cervejinha para brindar a nova idade. As restrições diminuíram bem na época em que comecei no emprego novo, então meu presente para mim mesma foi o combo bourbon + angostura, os dois principais ingredientes do meu drink favorito, o old fashioned, e assim o sonho do bar próprio voltou a ganhar tração. Mas o que ninguém te conta sobre fazer drinks em casa é que isso tira um pouco a graça de sair para beber, principalmente se você mora em uma cidade com pouca oferta de bons bares.
É bem verdade que esses dois anos me deixaram mais chata e exigente com bebida, mas é verdade também que a galera em Uberlândia (MG) é meio ruim de serviço. Acho que é por isso que experimentei um certo anticlímax quando retomei minha vida social: os drinks aguados e excessivamente doces não mataram a saudade de um balcão de bar extremamente arrombado em que se serve um drink perfeito - de um jeito que ainda não consigo reproduzir -, acompanhado de uma porção de batata frita inflacionada e maionese da casa. Nas palavras de Meredith Grey: “I want heat, I want romance, I want to feel like a freakin’ lady.”
O contraste entre essa idealização e a realidade no fim das contas define bem esse delírio que foi e ainda tem sido a “volta ao normal”, mas divago. Sei que é algo muito pequeno quando se pensa no grande esquema das coisas, there’s people that are dying, etc, mas porra, eu só queria beber bem e ser surpreendida depois de dois anos de inferno na terra. Uma garota pode sonhar.
Quando decidi comemorar meu aniversário e o fim da dissertação com uma temporada em São Paulo, acho que no fundo o que eu queria mesmo era uma espécie de rito de passagem, uma experiência de desforra que desse conta do que foram esses dois anos, um suspiro aliviado (ainda que com gosto amargo) com o peso narrativo necessário pra essa loucura que é sobreviver. Ou talvez eu só quisesse beber bem e estou aqui me alongando porque fico com medo de vocês me acharem fútil.
Independente da resposta, fica aqui um compilado desses bons drinks caso você se interesse pelo assunto. A lista está em ordem cronológica e nem todos foram fotografadosporque a ideia de transformar essa história em newsletter veio depois.
1) Macunaíma no Boca de Ouro
O briefing que dei para meus amigos para a noite do meu aniversário foi o seguinte: quero beber drinks chiques. Foi assim que fomos parar no Boca de Ouro, reduto já clássico para quem é fã de drinks chiques na cidade. Agora eles tem um quintalzinho subterrâneo bem simpático que torna o ambiente (que antes se resumia a um balcão abafado e escuro) mais adequado aos novos tempos. Felizmente chegamos cedo e conseguimos uma mesa por lá.
Eu nunca tinha tomado o Macunaíma, drink mais famoso da casa e que já é chamado de novo clássico brasileiro, fazendo companhia para a caipirinha e o Rabo de Galo. Abrimos a noite com ele, escolha unânime na mesa, porque não dá pra resistir a um drink de cachaça com mel e um toque de Fernet. Aprovado demais. Segundo Bruno Capelas, se fosse um disco, o Macunaíma seria o Construção, do Chico Buarque. Eu iria um pouco mais fundo e diria que é uma bebida 100% Minha História.mp3.
Depois de cumprir essa obrigação cívica, parti pra algo mais Anna Vitória Culture, digamos assim. Fui de Mark Twain (foto), um clássico mais “universal” e uma escolha meio básica para quem estava num bar cheio de drinks autorais incríveis, mas era meu aniversário, me deixem. Na hora de pagar a conta, ganhei um shot misterioso de presente de aniversário. Chutaria uma mistura de vermute tinto com Campari, mas gosto mais da ideia de não saber o que era. Não me arrependo de nada.
2) Mimosas no brunch caseiro
Eu e Bruno Capelas temos passado bastante tempo pareando discos e drinks. Enquanto degustávamos uma mimosa em trajes miúdos no domingo de manhã, o desafio da vez era encontrar um disco nacional que tivesse cara, gosto e vibe de mimosa. Concordamos que a mimosa é um drink que traz consigo o ethos do herdeiro, dos sofrimentos pueris, das heroínas do Manoel Carlos, o alcoolismo dos privilegiados. Meu voto foi para o Portas, da Marisa Monte, enquanto ele votou no Bebel Gilberto in Rio.
Eu acho que Marisa Monte querendo falar a língua dos animais em 2021 dá margem para um argumento mais debochado sobre a mimosa, ainda que seja um disco (e um drink) que adoro, mas depois de assistir algumas faixas do show da Bebel Gilberto que deu origem ao álbum (vide vídeo acima) precisei dar o braço a torcer.
Mas fica aí a questão: qual disco é uma mimosa pra você?
3) Whisky Sour do Bina
Bina é um dos melhores amigos do meu namorado e acho que estava mais apreensiva para conhecê-lo do que fiquei antes de conhecer meus sogros pela primeira vez. Não sei bem explicar o motivo, acho que é porque ele parece um adulto de verdade enquanto eu faço a internet de diário desde os 11 anos.
O encontro se deu, enfim, na terça-feira de carnaval, em um almoço na casa do próprio junto de outro casal de amigos. Rolê de casal é um negócio engraçado demais. Logo que chegamos ele contou que também investiu no bar próprio nesses anos de pandemia, uma pena que elegemos o vinho como a bebida do dia.
Já no clima fim de festa, o dono da casa perguntou se queríamos algo diferente e vibrei por dentro quando Marcela, namorada veterana da turma, pediu um whisky sour, como se lesse meus pensamentos. Quando o Bina veio perguntar, dessa vez diretamente pra mim, se eu aceitava mais um (“sei que você é fã de uísque”) senti que tinha sido aceita naquele clã.
Acho que whisky sour é o drink que causa um certo efeito O Máscara em mim, capaz de liberar das profundezas a minha versão mais jovem e animada que por um tempo achei que a pandemia tinha matado de vez. Aconteceu em janeiro no casamento da Analu - quando vi o sol nascer e dormi de calcinha e sutiã numa cama sem lençol - e aconteceu na casa do Bina na terça de carnaval, quando eu e meu par dançamos “Common People” inteira - uma música que você só descobre como é enorme quando decide dançá-la num fim de noite, enquanto os anfitriões dormiam no sofá, desejando em silêncio que fossemos embora logo.
4) Neném da Várzea no Térreo
Quarta-feira de cinzas foi a vez de Bruno Capelas soprar as velhinhas, o que nos levou a mais uma noite de escolhas extremamente arrombadas. Decidimos abrir os trabalhos no bar Térreo, localizado no Largo do Arouche. Minha escolha foi o Neném da Várzea, que mistura bourbon, Fernet, limão, gengibre e angostura. Gostoso demais. Já o aniversariante se deu ao luxo de um Penicilin, uma ignorância (no melhor sentido) que trazia dois uísques (escocês e single malt) com limão, mel e gengibre.
Nosso único erro naquela noite foi ter deixado de lado os petiscos da casa, que tem um ótimas opções para vegetarianos e veganos que vão além da batata frita e incluem até um buraco quente vegano (!), mas eu queria mesmo eram a batatinhas assadas com páprica, perfeitas para acompanhar um insuportável dry martini que também não aconteceu.
A quem interessar possa, fica a dica para um próximo rolê.
5) Old Fashioned antes de embarcar
Seria mais chique se estivesse falando aqui de uma viagem de avião, mas eu sou a princesa da BR 050 por um motivo e encerrei meu pequeno retiro paulistano a bordo de um Buserzão da massa mesmo. Mas antes, como já está virando tradição, eu e Bruno Capelas dividimos um uixquinho para tornar a despedida um pouco mais macia. Pedi que ele me fizesse um old fashioned, que é para não perder o costume, e acho que vou adotar esse traço de personalidade de agora em diante. Sorte a minha que não costumo enjoar em viagens.
Para acompanhar, uma saladinha de rúcula e sobras da maravilhosa torta de massa folhada com recheio de creme de cebola que fizemos alguns dias antes. Acho que não estávamos ouvindo nada naquela noite, mas fiquei com a lembrança do Suck It and See, do Arctic Monkeys, que nos fez companhia no dia anterior. Se você não escuta ele faz tempo, ainda que tenha escutado à exaustão em tempos passados, recomendo fortemente que passe um tempo com o álbum de novo pra lembrar que é tudo coisa fina demais.
Disco da vez: Blue Banisters (Lana Del Rey, 2021)
Tenho esse defeito muito grave que é nunca ouvir, assistir e ler nada que meus amigos recomendam. Não sei explicar, acho que é meu marte em aquário (simplesmente não reaja). Por conta disso, quando decidi passar uma tarde de sexta trabalhando na casa do meu amigo Matheus, ele preparou uma playlist só com músicas que ele me mandou e eu ignorei nos últimos meses. Minha favorita da seleção foi “Arcadia”, de um dos álbuns que a Lana del Rey lançou ano passado, o que me deixou curiosa para ouvi-lo inteiro (sim, eu gosto muito de Lana del Rey). Fiz isso no meu ônibus noturno e foi uma excelente escolha.
Acho que qualquer coisa seria meio decepcionante depois do cataclisma que foi o Norman Fucking Rockwell em 2019, mas Blue Banisters entrega tudo que Lana del Rey faz bem, ainda que de uma forma mais fragmentada e um pouco mais mal acabada, mas sempre com aquela atmosfera de glamour decadente exalando um cheirão de bourbon que vem direto dos poros da mulher mal amada. Ótimos vocais, guitarrinhas safadas, uma colaboração com Miles Kane e tudo sempre visto através de um filtro que pode ser de filme analógico ou só mesmo um editor de fotos que não ficou popular ainda. Por mim tudo bem.
Músicas favoritas: Arcadia, Dealer, Thunder, Sweet Carolina e Black Bathing Suit.
Ufa, agora acabou!
Deixo vocês com a indicação da Coifa, um dos boletins que mais tenho curtido acompanhar nos últimos meses. Além de ser uma delícia de ler (trocadilho intencional), sempre que ela chega na minha caixa de entrada fico com uma baita vontade de escrever. Não seria errado dizer que o trabalho do Cirilo Dias é uma das inspirações pra esse meu eterno retorno. Justamente por isso, tomei a liberdade de escrever sobre um assunto que adoro e acabo abordando pouco: comidinhas, bebidinhas e o que mais vier.
Se depois de ler tudo isso você ficou com vontade de se aventurar no mundo dos drinks, recomendo fortemente a cena de Mad Men em que Don Draper ataca de barman para fazer seu old fashioned. Não é nem um pouco didático, mas é uma cena que mexe demais comigo.
Enfim, é bom estar de volta.
Obrigada pela companhia e por chegar até aqui. Espero que tenham gostado da nova mudança de casa - espero que definitiva dessa vez. Como tenho feito questão de dizer, estou tentando me reencontrar na internet, vamos ver no que é que dá.
Stay beautiful e boa semana!
Yours truly,
Anna Vitória