para ler ouvindo gorillaz (feat. adeleye omotayo) - silent running
Hello stranger, como vai você?
No último mês, paguei a última parcela da passagem de avião da minha primeira viagem internacional.
Um valor impronunciável dividido em 10x sem juros por uma pessoa que demorou 28 anos para sair do país e desembarcou na Europa quase no susto. Tudo bem que eu e meu namorado falávamos sobre tentar cobrir o Primavera Porto desde o início do nosso relacionamento, tudo bem que passei os últimos anos juntando dinheiro “para viajar” sem nunca fazer isso, tudo bem que viajar para ver shows é a resposta que quase sempre dou quando alguém pergunta qual é o meu sonho de consumo ou só meu sonho e ponto. Ainda assim, parece que foi tudo no susto.
Porque meio que foi, no fim das contas.
A suadeira na hora de finalmente comprar a passagem, estômago embrulhado, chamada de vídeo com o namorado para garantir que não ia errar o voo ou a data, o cartão que precisei pedir emprestado pro meu pai para economizar no seguro saúde, já que a bandeira dele milagrosamente estendia o benefício para familiares com mais de 25 anos. O Bruno até se ofereceu pra casar comigo pra eu poder usar o seguro dele, mas achei mais simples destruir o limite do cartão do meu pai. Freud, etc.
Aliás, o episódio do seguro por si só já rendeu uma excelente fábula de classe média viajante. Antes de comprar a passagem eu pesquisei obsessivamente por seguros que cobrissem despesas com Covid-19, já que um dos meus maiores medos era ficar doente em outro país, ser colocada em quarentena pelo governo local e voltar com uma dívida em euro pra casa. Somado a isso, antes de entrar no avião vivi também o desespero para fazer o PCR e passar ilesa pela doença, já que tínhamos simplesmente um casamento para ir dois dias antes de embarcar, casamento esse que meu namorado ia celebrar, o meu próprio padre dos balões. Não existia a opção de não ir, não existia a opção de só dar uma passadinha.
Minha ansiedade me fazia ter certeza absoluta de que um desastre aconteceria para impedir a viagem e o contexto colocava a Covid-19 como um roteiro perfeito para minha comédia de desastres. Junho, temporada de gripe, festa na chácara, amigos de escola que custam a conseguir reunir a turma toda de uma vez, after, open bar. Acho que nem se eu estivesse suspeitando uma gravidez um resultado negativo me traria tanto alívio. Momentos.
Felizmente a gente se acostuma rápido com aquilo que é bom, então é até engraçado pensar, agora, como há menos de um ano a ideia de uma festa de casamento, uma viagem longa, um festival de música… tudo isso parecia distante, utópico, quase impossível. O medo tão palpável e tão paralisante da doença também parece distante. Em junho eu já estava com três doses da vacina do braço, mas a memória de como tudo poderia dar errado muito rápido era vívida demais. Ainda não acabou, mas vocês entenderam.
Que loucura pensar que as coisas realmente passam. Que bom que já não lembro direito como é abraçar alguém com medo.
A parte mais engraçada (ela disse, com a pálpebra tremendo) é que eu realmente peguei Covid-19 na viagem, logo depois do Primavera Sound. Quando vi aquela linha de positivo vibrando em magenta no leitor do teste eu senti quase um alívio, pelo menos existia um motivo maior para estar me sentindo tão mal. Nos dias anteriores, abatida por um cansaço que nunca sentira antes, fiquei com medo dos anos de isolamento terem me estragado para sempre. Mas precisei só da nimesulida que levamos de casa e uns quatro dias dormindo cerca de 16 horas para ficar bem novamente. Torrei o dinheiro reservado para aqueles dias em deliveries indulgentes e cremes da Clarins no free-shop. Não me arrependo de nada.
Toda essa tranquilidade só foi possível graças às vacinas, obviamente, mas ainda defendo que tive uma infecção leve e não enlouqueci de ansiedade pela paz de espírito que aquela pesquisa intensiva por um seguro seguro me deu e também à quantidade criminosa de remédios que levei comigo. Tenho certeza que se eu não fosse tão branca teriam interceptado minha mochila no raio-x do aeroporto.
Sabia que não dá pra comprar nimesulida na Europa?
Mal me livrei de um parcelamento e já me enfiei em outro: mês que vem o Sr. Loveology e eu estaremos na Argentina, brincando de nômades digitais. Dessa vez estou com mais disposição para realmente planejar a viagem, talvez por ter perdido aquele pavor bem caipira de se ver dando um passo grande e entrar em pânico diante de tudo que pode dar errado, talvez por não estar saindo de um burnout, talvez pela situação pandêmica estar mais controlada. Quem sabe !
Com as coisas mais sérias decididas, comecei a ir atrás daquilo que realmente importa: o que tem de maquiagem legal pra comprar na Argentina?
Senti falta dos guias de viagem que as blogueiras de antigamente faziam falando de farmácias, marcas locais, brechós e afins. Elas ainda fazem isso, mas o conteúdo ficou tão pulverizado nessa arquitetura sem indexação que é quase impossível de encontrar. No mínimo é uma busca desagradável. Lembro que passei a adolescência lendo esses guias e sonhando com a ideia de viajar e comprar um curvex Shu Uemura das blogueiras. As ideia.
Falei sobre isso no Twitter e um monte de gente entendeu que eu tava dizendo que não existia mais blog de viagem, mas não era exatamente sobre isso que eu tava reclamando. Até tenho uma teoria mais elaborada sobre esse papo de morte da blogosfera, etc, mas tô com preguiça de desenvolver. O que eu realmente queria encontrar quando pesquisei sobre marcas de maquiagem argentinas era algo que lembro de ler na Capricho mil anos atrás.
Nem lembro se o texto era mesmo sobre blogs, mas ele incentivava as leitoras a compartilharem seu universo na internet: “como pessoas de outros lugares vão descobrir o NX Zero?”, dizia a matéria. Nunca esqueci essa frase. O NX Zero era muito importante na minha vida naquela época e acho que era a primeira vez que eu pensava que uma garota de 13 anos que morasse em outro país simplesmente não teria como saber da existência da banda. Tempos mais simples. Só uma adolescente escrevendo na internet poderia dividir essa informação fundamental com outras adolescentes na internet.
Senti falta dessa especificidade que só a blogosfera das antigas proporcionava até aos leitores mais incautos. Aí lembrei do relato de viagem que nunca escrevi e fui atingida por um senso ridículo de autoimportância pensando no Honest Greens, uma franquia de restaurantes meio natureba que fez nossa alegria em Portugal e na Espanha. Será que alguém fica sabendo do Honest Greens agora que não existem mais blogs pessoais e diários de viagem como antes?
Quis ter blog de novo para escrever sobre viagens, restaurantes e produtos de beleza, aí lembrei que ainda não escrevi sobre minha Grande Viagem, que ainda não consegui responder as mensagens de feliz aniversário que recebi no último dia 26 de fevereiro, tampouco as respostas de edições que enviei ainda no ano passado. Ninguém se importa com isso além de mim e tenho nutrido uma antipatia especial por textos de quem jura que dessa vez vai voltar a escrever e nunca escreve, mas sei lá. Eu sinto falta. Eu queria fazer alguma coisa. E tenho certeza que o Bruno ia ficar muito puto se eu começasse um projeto novo antes de tirar da frente esse texto sobre a Europa que ele sempre reforça que gastou tempo para escrever e eu deixei de lado.
Então é aqui que estamos agora, numa noite de sexta chuvosa em que escrevo enquanto como batatas fritas e beberico uma cerveja, só porque me deu preguiça de assistir algum dos filmes do Oscar.
Eu fantasiava muito sobre como seria fazer uma viagem internacional quando era mais nova e a coisa mais esquisita que aconteceu quando realmente vivi essa experiência foi que simplesmente não fui capaz de falar sobre isso. Não com detalhes. Não da forma como eu sempre falo (falava?) sobre o que acontece na minha vida.
E nem falo isso pensando nessa dicotomia já esgotada de viver x registrar, viver x performar, coisa que também já falei bastante por aqui. De fato postei pouquíssimas fotos da viagem, mas o negócio vai um pouco além. Tenho a sensação de que ainda não processei tudo aquilo. É simplesmente muito. É demais da conta. Comentei sobre essa sensação com meu primo Pedro enquanto visitávamos o Mosteiro dos Jerônimos, em Lisboa, e estávamos parados em frente ao túmulo do Camões. Nesse mesmo lugar, vimos o túmulo do Vasco da Gama e do Fernando Pessoa.
Simplesmente intankável.
- Você consegue acreditar que a gente tá no túmulo do Camões? Tipo, de verdade? Tem restos mortais do Camões embaixo desse chão. Pegaram o corpo dele e enfiaram aqui. O Camões, cara. Sei lá, eu não consigo conceber essa ideia, é muito longe.
- Mas é assim mesmo, é uma dimensão que a gente não tá acostumado a ter contato no dia a dia. Acho que agora eu só vou e é isso. Uma hora bate. - ele respondeu.
E então eu fui. E bateu, ainda bate. Aquele dia em Belém era só a metade da viagem. Meu primeiro dia fora do isolamento da Covid-19, sem conseguir manter os olhos abertos por conta da claridade provocada pelo sol a pino refletido na pedra branca do Mosteiro, uma claridão que acho que nunca vou esquecer. A parte boa é que não ter conseguido elaborar publicamente sobre toda essa experiência não faz com que ela pareça menos real, uma sensação que poderia ter existido há alguns anos, mas confesso que vira e mexe sinto falta de poder acessar esses registros para além da memória.
A cobertura do festival rolou porque tinha que rolar, mas o relato da viagem - com melhores e piores momentos, tudo de bom que a gente comeu, bebeu e viu naqueles 21 dias - tá difícil. O Bruno escreveu a parte dele em tempo recorde, ainda em julho de 2022, e faz pelo menos uns seis meses que ele cobra minha parte quase toda semana, mas não fazia ideia do que escrever. Como vocês já devem ter percebido, eu precisava tirar algumas coisas da frente para chegar pra valer na história daqueles dias.
Tudo bem que essa lista foi elaborada e preenchida em voz alta quando ainda estávamos do outro lado do oceano, e me odeio um pouco por não ter anotado tudo na hora (relendo a lista hoje, percebi que já não lembro direito de várias coisas). Mas agora, talvez porque a viagem tenha finalmente acabado, talvez porque eu já tenha me enfiado em outro parcelamento para viajar de novo em breve, decidi tentar.
Com vocês, nossas memórias de viagem. A partir da próxima edição, risos, porque eu já falei demais por hoje.
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Disco da Semana
Cracker Island (Gorillaz): Nunca tive muita paciência com o Gorillaz, mas MC Bin Laden me levou ao disco novo deles e eu não consigo parar de ouvir. Agora lembro que passei reto pelo show deles no Primavera Porto e penso que eles não tinham direito de soltar um álbum tão bom assim em 2023. Cheio de colaborações interessantes, é um indiezinho dos mais safados que soa fresco e absolutamente viciante.
Músicas favoritas: “Controllah”, “Skinny Ape”, “Silent Running”, “Oil” (com Stevie Nicks!) e “Tormenta”.
Links, Links, Links
Para não dizer que prometi e não entreguei, compartilho de novo a cobertura que fizemos dos três dias de Primavera Porto lá no Scream & Yell: dia 1 (com Nick Cave e Caroline Bolachinha), dia 2 (com Beck e a volta do Pavement) e dia 3 (com Pabllo Vittar e banda Querubim);
Nesse clima de nostalgia indie, tô obcecada pelo Tiktok da Lovefoxxx, do Cansei de Ser Sexy. Os vídeos dela contando sobre o Fotolog e sua participação na trilha de Drive são bons demais.
Descobri a newsletter da Isabela Thomé,
, recentemente e tenho gostado muito. O texto mais recente, sobre o campeonato de skate em Criciúma (SC) me pegou demais.
Ufa, agora acabou!
Obrigada pela companhia e por ter chegado até aqui. Na próxima edição eu conto do dia em que tomei um pornstar martini e meti o dedo num quadro do museu Reina Sofía, em Madrid.
Stay beautiful!
Com carinho,
Anna Vitória
emocionadíssima com o shoutout à "eu destruirei vocês"!!!!! muito obrigada, adoro sua newsletterrrr