para ler ouvindo taylor swift - hits different
Hello stranger, como vai você?
A mistura de ter sido editora de um site de cultura pop feminista, ter feito um mestrado sobre a insurgência de discursos feministas nas mídias sociais e seu reflexo na cultura pop, e ter vivido uma pandemia, meio que mataram uma parte que costumava ser muito relevante da minha personalidade: aquela que gostava e se interessava por cultura.
Sei que essa é a realidade de quase todo mundo que faz parte da minha bolha, pessoas que perderam uma parte considerável dos neurônios por conta de tempo excessivo de tela, covid-19 e medicamentos psiquiátricos. O parágrafo acima é apenas meu diagnóstico particular a partir dessa experiência de descaralhamento mental coletivo.
Como resultado, já faz uns anos que não sei mais quais são filmes favoritos ao Oscar, não reconheço a maioria dos títulos das listas de melhores livros do ano, e, em 2023, acho que fui duas vezes ao cinema (as sessões de The Eras Tour e Renaissance não contam). Na prática, isso significa que eu meio que virei uma pessoa normal. Que delícia.
Sempre tive dificuldade de escrever listas de melhores do ano — embora me esforce para isso há pelo menos uns 15 anos — mas, pela primeira vez desde que comecei a escrever na internet, sinto que tenho realmente algo interessante para compartilhar, as obsessões particulares que me moveram quando me descolei um pouco do inconsciente coletivo da minha bolha tuiteira de gente de humanas cronicamente online, que chuto que é a bolha de boa parte de vocês também.
Existe vida (e bons reality shows) do outro lado, e agora eu vou provar.
Dois grandes temas
Morte, como já detalhei na edição passada, e máfia.
Já faz um tempo que tento elaborar por que gosto tanto de histórias de máfia e não consigo chegar em nenhuma resposta séria, sofisticada. Porque a verdade é que eu gosto tanto de histórias de máfia porque eu acho tudo muito engraçado. Juro, esse é o motivo. Eu me acabo de rir vendo aqueles homens se matando a torto e a direito. Normal, né?
Eu gosto muito da forma como os filmes, séries e livros de máfia, no geral, são muito bons em sobrepor a violência extrema com a banalidade da vida daquelas pessoas. São os patos na piscina de Tony Soprano, é o Michael Corleone aprendendo a fazer molho de tomate, são os gângsteres de Pulp Fiction conversando sobre McDonalds, é a quantidade absurda de gente envolvida com jogo do bicho que foi assassinada nas proximidades de uma academia de ginástica.
Acredito que a maioria dos escritores usa esse contraste para como recurso narrativo que deveria causar um desconforto, mas eu acho tudo hilário e digo que todos aqueles condenados são meus filhos, meus pais. Eles são péssimos, ridículos, e eu os amo com todo o coração.
Junto a isso, também tem o fato de eu achar o sujeito homem uma coisa profundamente engraçada. Um dos exercícios mais importantes para o esclarecimento político é o de estranhar a norma: olhar para a masculinidade, para a branquitude, a cisnormatividade, etc, com a distância e o estranhamento com que olhamos os femininos, as pessoas não-brancas, a população trans e por aí vai. Não sei se achar ENGRAÇADO é bem a resposta, se pode configurar uma espécie de subversão caso a gente force um pouco a barra, mas também não estou preocupada com isso. Eu só acho homens muito engraçados. Com todo respeito. Mas não muito.
E o que são histórias de máfia se não grandes narrativas sobre a masculinidade? Aquela máxima que se popularizou em meios feministas de que homens cisheteros sentem atração sexual por mulheres, mas amam mesmo é outros homens está basicamente no cerne de qualquer bom filme de máfia. Existe uma verdadeira ternura que une as famílias criminosas nascida a partir de uma lealdade rigorosa que, novamente, traz um contraste interessante num universo moralmente ambíguo, de olho por olho, dente por dente.
A violência, na maior parte do tempo, não é passional — como em tantos filmes de hominho, olha só que ironia — e sim calculada, metódica. Máfia não é bagunça e acho que é esse sentido de ordem, mesmo que criado a partir de regras muito particulares, que faz com que essas histórias também sejam confortáveis de assistir em momentos difíceis. “It’s not personal, it's strictly business”, diria o velho Tessio. Na maior parte do tempo eles estão lá falando besteira, trançando os cabelos uns dos outros, tomando uma cervejinha. E eu acho isso muito engraçado. Trágico, mas também uma grande palhaçada.
Meu salve aos contraventores que me mantiveram distraída em 2023: a família Corleone, Tony Soprano e sua turma, os bicheiros cariocas e os palhaços da simpática série The Offer.
Três reality shows para se distrair do vazio da existência
Eu contei na edição passada que 2023 foi um ano difícil, de descaralhamento mental intenso. Os fins de semana eram particularmente difíceis e foram os reality shows que me mantiveram mais ou menos sã. Gosto especialmente dos reality shows britânicos, um tipo de joia rara no catálogo da Netflix. Em geral eles têm menos episódios, são bem menos estridentes que os estadunidenses, e valorizam mais a habilidade dos participantes do que o espírito de competição, o que eu aprecio bastante.
Nesse sentido, meu favorito é o Glow Up: The Next Make-Up Star, uma competição de maquiadores. Eu achava que não gostava de maquiagem artística ou de efeitos especiais até ficar viciada nesse programa durante a pandemia. Já são cinco temporadas no ar e sempre fico feliz quando uma nova aparece do nada. Ding-dong! Outro que apareceu de surpresa na minha home foi o Five Star Chef, em que chefs competem pra ver quem vai assumir a cozinha do restaurante de um hotel 5 estrelas em Londres. Tem umas coisas meio tontas, como o jurado de marketing que avalia o potencial de viralização da ideias dos competidores e o quão instagramáveis são os pratos, mas é bem divertido e eu matei a temporada inteira em uma tarde.
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, assinada pelo meu digníssimo, certamente você vai gostar de Drink Masters, uma competição de bartenders. Não tem como ser mais simples e eficiente que isso. É dos EUA mas é limpinho, também na Netflix.Deixo minha menção honrosa para as duas temporadas de Masterchef (HBO) que foram ao ar em 2023: seja em domingos depressivos com a minha mãe no sofá ou em noites de terça ao lado do meu amor, existe algo de profundamente reconfortante em ver essa galera cozinhando enquanto é insultada pelos jurados a torto e a direito. Isso e a presença do homem mais bonito do mundo, o chef Rodrigo Oliveira.
Uma excelente experiência no cinema
Fui assistir Retratos Fantasmas sozinha num dia de semana, à noite. Antes da sessão, passei no mercado do shopping, comprei uma daquelas garrafas de vinho pequenas e enfiei dentro da bolsa para acompanhar meu balde de pipoca. Eu sei me curtir demais.
O filme é muito bonito e conversou muito com aquela minha crise de achar que hoje em dia tudo é feio e nada mais tem aura.
Música
Se eu disser que ouvi alguma coisa além de Taylor Swift eu vou estar mentindo.
Melhores shows
Haim (MITA, São Paulo)
The Cure (Primavera Sound, São Paulo)
Paul McCartney (Allianz Parque, São Paulo)
Carly Rae Jepsen (Primavera Sound, São Paulo)
Taylor Swift (Engenhão, Rio de Janeiro)
Menções honrosas: El Mató a um Policía Motorizado e Conociendo Rusia (Rock en Baradero, Baradero).
A música mais ROMANCE de 2023
Já faz um tempo que elejo mentalmente a música mais ROMANCE do ano que se passou. Sempre falo que vou colocar isso no papel e acabo deixando pra depois e lá se vão uns 5 ou 6 anos. A música mais ROMANCE do ano não é nem algo que você escolhe, é algo que você simplesmente Sabe, que você Sente.
Eu sei muito bem que “My Love Mine All Mine”, da Mitski, por exemplo, é uma música romântica de muito mais peso para o ano de 2023 do que a minha escolhida, assim como “Insista em Mim” e “Camelo Azul”, da Ana Frango Elétrico. Mas, como disse, eu não estou aqui pra escolher e sim para ouvir o que meu coração quer, e meu coração realmente não conseguiu achar nada mais bonito que esses versos aqui: “I can see you thinking, I hear your thoughts. I love you without thinking I should not”.
A minha música mais ROMANCE de 2023 é “Levee”, do Wilco. E a sua?
Cinco músicas aleatórias que ouvi muito e amei demais
“Hits Different” - Taylor Swift
“King” - Florence + The Machine
“Not Strong Enough” - Boygenius
“El Tesoro” - Él Mató a um Policía Motorizado
“Controllah” - Gorillaz ft. MC Bin Laden
Três biografias de celebridade para puxar assunto com os outros
À essa altura você já deve ter entendido que minha saúde mental (ou a falta dela) influenciou a maior parte das coisas que eu li, ouvi e assisti em 2023 e com as leituras não foi diferente: quando não estava lendo sobre morte, estava me distraindo com memoirs de celebridade.
O primeiro foi o do Príncipe Harry, Spare. Simplesmente 416 páginas de mommy issues e romantização de conflitos armados com fins imperialistas. Muito baixo astral. Tem babados bem íntimos e em vários momentos eu sentia que estava acompanhando uma sessão de terapia do príncipe. Eu sou fofoqueira e adoro saber da vida dos outros, mas não assim.
A leitura de Spare me lembrou muito algo que a Brené Brown diz sobre vulnerabilidade: quando você se abre por carência, num lugar de desespero por atenção e compreensão, em vez de criar uma conexão genuína você acaba causando desconforto e afastando as pessoas. Na mosca.
Mas essa máteria sobre o ghost writer responsável pelo livro é bem interessante.
O memoir que mais me impactou foi The Woman in Me, da Britney Spears, que marca também o maior acontecimento literário do meu ano: os audiolivros. Estava com dificuldades de me conectar com a prosa da artista e decidi experimentar a versão em áudio da história, com narração da Michelle Williams. Deu certo demais.
O que dizer sobre o livro da Britney? É tudo muito triste. Sou fã dela desde a infância e foi uma experiência bem chocante ter sua perspectiva sobre momentos que acompanhei em tempo real, muitas vezes ainda muito nova para entender a real dimensão do que estava acontecendo. Agora, mesmo já sabendo sobre a maioria dos eventos, ler sobre as coisas sob o ponto de vista tão lúcido e ainda tão machucado de Britney Spears ainda é impressionante. A única coisa que eu espero é que ela seja feliz e que sua família nunca mais viva um dia de paz.
Por último, também em áudiolivro, ouvi o memoir do Matthew Perry, Friends, Lovers, and That Big Terrible Thing. Dei play pouco tempo depois da morte do ator, uma decisão extremamente saudável da minha parte. A história não é contada de um jeito triste e o humor autodepreciativo de Chandler Bing está presente mesmo nos momentos mais trágicos, mas parece que isso só deixou tudo mais baixo astral ainda. Depois da leitura, você simplesmente deixa de achar a morte dele chocante ou surpreendente, ele mesmo passa boa parte do livro imaginando que isso vai acontecer a qualquer momento.
Matthew Perry oferece um relato bem cru e honesto sobre sua experiência com vício e se você sente que nunca entendeu de verdade o que é viver com uma adição, acho que o livro dele vai resolver esse problema. Meu problema com Friends, Lovers, and That Big Terrible Thing é o fato dele ser desnecessariamente grande e muito, muito mal editado. Depois de tantas idas e vindas caóticas no tempo e tantas histórias repetidas, confesso que terminei a leitura sentindo menos compaixão por Perry e já implicando com forma como ele fala sobre as mulheres ao seu redor.
Esse é outro que não recomendo, mas que vou adorar descrever detalhes e compartilhar anedotas em uma mesa de bar.
Os melhores drinks que tomei em 2023
Dirty Martini, no La Tartine (São Paulo/SP);
Speyside & Triangle, no Caledônia (São Paulo/SP), o melhor balcão da cidade. Uísque com grana padano, cê pira?
The Godfather, no sofá de Bruno Capelas, o drink que me deixou obcecada por licor de amêndas;
Breakfast Martini abrasileirado (foto), uma cortesia do meu amigo Zoide em sua visita ao Brasil. O que tem de assustador na cor, tem de delicioso na boca;
Jazmin Shangai, no Cochinchina Bar (Buenos Aires/AR), eu tenho certeza que esse é um gosto de perfume Chanel, e digo isso como elogio.
Dicas etílicas de Buenos Aires: aqui
Dicas etílicas de São Paulo: aqui
Uma biografia séria
Os anos, da Annie Ernaux. Uma excelente newsletter. Cinco estrelas.
Ufa, agora acabou!
Obrigada pela companhia e por chegar até aqui. Vou adorar saber as opiniões de vocês sobre tudo que comentei aqui e também aceito recomendações de filmes, séries e livros de máfia, audiolivros com narrações imperdíveis, e, claro, as músicas mais ROMANCE do ano de vocês.
Obrigada também pelo carinho das respostas da edição passada. Eu fico numa ressaca de vulnerabilidade danada depois de publicar um texto como aquele, mas as respostas mostram que sempre vale a pena. Don’t be a stranger!
Com carinho,
Anna Vitória
tenho a impressão de que histórias de máfia me fascinam pelo mesmo motivo que fiquei vidrada em nfts lá por 2022 (um século e meio atrás): além de serem frutos de mentes muito masculinas, são coisas falsamente complexas que podem ser resumidas em poucas palavras. bolsa de valores tem o mesmo efeito, e se eu fosse tentar explicar como uma funciona, partiria da palavra "fofoca".
glow up é tranquilamente um dos meus realities preferidos exatamente porque é uma competição sobre algo que não tenho conhecimento nenhum, mas me prende por conta dos participantes e das considerações que, pra mim, não tem nada a ver. aquele teste no final onde eles julgam pela diferença de mm do batom? surreal. já chorei em eliminação injusta
pra não trazer nenhum reality estadunidense, recomendo o iron chef brasil, você já assistiu? não acho que seja tão dinâmico quanto o masterchef, mas gosto muito da estrutura do programa de pegar chefs conhecidos contra alguns tão talentosos quanto, porém com menos reconhecimento. descobri vários restaurantes bons por ali e acho as análises e temas bem interessantes