para ler ouvindo florence + the machine - free
Is this how it is?
Is this how it's always been?
To exist in the face of suffering and death
And somehow still keep singing
Hello stranger, como vai você?
Bom, eu ando cada vez mais esquecida.
Quem está aí do outro lado e me conhece um pouco melhor talvez leia isso e pense: “uai, mas não foi sempre assim?” — o que, convenhamos, é totalmente compreensível.
Eu sempre fui muito distraída, mas, mesmo com o foco de um peixinho dourado, sempre tive boa memória, ao menos para as coisas que importam.
Não lembro de brigas que passaram, não guardo grandes rancores — não por virtude, mas porque falta de ESPAÇO NA CABEÇA — , mas costumava me orgulhar de ser aquela pessoa que se lembra de tudo que importa e também de tudo que é pequeno: datas, detalhes, frases, sensações, letras de música, a roupa que estava usando num dia importante e também todas as vezes que usei determinado sapato, mesmo nos dias mais desimportantes.
Acho que é por isso que gosto tanto de Taylor Swift: boa parte do seu talento vem dessa característica peculiar de ser alguém que se lembra. O grande tema das suas músicas não são seus relacionamentos e ex-namorados, mas a memória que ela constrói a partir deles, a história que ela conta sobre tudo que vive, e sua necessidade obsessiva de mostrar que isso é também importante, que em muitos casos é a única coisa que importa. Mas divago.
O que eu queria dizer mesmo é que nos últimos anos esses detalhes todos começaram a me fugir.
Acho que é uma mistura de pandemia, burnout, mestrado na pandemia, excesso de trabalho, falta de tempo, vida adulta, sequelas da covid e sequelas dos remédios que comecei a tomar para tratar todas essas coisas. Sequelas, sobretudo, de uma vida que está longe de ser ruim, mas que tem me consumido tanto nos últimos anos, que se tornou tão acelerada e urgente, que tem sobrado pouco tempo (lê-se: pouca atenção disponível) para esse exercício que por anos me foi tão caro, tão fundamental para quem eu sou, que é contemplar, prestar atenção, lembrar.
Num texto que a Clara escreveu que não tem nada a ver com isso, mas que também tem tudo a ver com isso, ela descreveu algo muito próximo do que tenho sentido ao acessar minhas lembranças:
“Agora, chamamos tudo de vibe porque somos socados com tanta informação que não conseguimos mais processar tudo. Então, tudo que nos resta é essa sensação de algo, mesmo que não consigamos descrever que algo é esse.”
A vida passa vertiginosamente (Clara Browne, 2022)
Minhas memórias atualmente estão muito mais próximas da sensação de algo do que a substância viva que elas já foram um dia. Sinto falta delas, o que é um jeito um pouco menos dramático de dizer que sinto falta de mim. A única coisa que tenho realmente me fixado nos últimos anos é uma tela que não me deixa fixar a atenção em mais absolutamente nada e parece que estou começando a sofrer as consequências dessa estranha relação.
Tento retomar a regularidade de escrita no diário como forma de me recuperar, mas é um esforço que não dura mais do que dois ou três dias. Tento registrar nas notas do celular o que assisto, o que como, alguma ideia que me passa pela cabeça, mas esqueço da maioria delas antes mesmo de me lembrar de anotar. Vira e mexe jogo palavras chave na busca do Whatsapp para voltar em conversas e me lembrar de coisas que aconteceram e eu já não lembro mais. “My thoughts are stars I cannot fanthom into constellations” é uma frase que descreve bem como tenho me sentido nos últimos anos, frase de um livro que li em 2012 e do qual me lembro com muito mais clareza do que aquele que estou lendo agora.
Preciso escrever para poder lembrar. Li isso num lugar que já não lembro mais qual foi e percebi que comecei a esquecer das coisas quando parei de escrever sobre elas. Faz tempo que tenho pensado sobre tudo que me levou a mudar minha relação com a escrita — não à toa, desde que migrei para o Substack defino essa newsletter como uma publicação que está tentando se (re)encontrar — mas uma coisa que sem dúvidas mudou a partir dessa transformação foi minha capacidade de lembrar, de criar e até de sonhar.
Acho que estamos todos lidando com isso em alguma medida. Nos últimos dias, dois textos me chamaram atenção para isso. O Fe Pacheco percebeu que sua criatividade estava morrendo quando precisou interromper seus projetos para se dedicar a um projeto maior. A Sofia Soter perdeu um pouco a dimensão do tempo quando decidiu se afastar das redes sociais, um espaço que a forçava a esse exercício de registro e prestação de contas da vida.
A saída imediata encontrada por ambos foi escrever, o que me deixou com vontade de tentar também. Estamos começando um novo semestre e nada como uma efeméride para nos autorizar a cometer esse tipo de registro com um pouco menos de pudor. Como foi seu ano até agora?
But there's nothing else that I know how to do
But to open up my arms and give it all to you
'Cause I hear the music, I feel the beat
And for a moment, when I'm dancing
I am free
2023: uma pequena retrospectiva da vida até agora
Semana passada, depois de anos de idas e vindas em consultórios variados, coloquei meu DIU de cobre1. Esse é um assunto que tem ocupado bastante espaço na minha vida e eu sinceramente não esperava que algo tão banal pudesse me fazer acessar de maneira tão profunda e pessoal questões ligadas ao que é Ser Mulher na Sociedade que eu achava que já estavam esgotadas para mim, mas aparentemente não estão.
A perda do meu avô foi o grande acontecimento do semestre. Agora, pouco mais de dois meses depois, já consigo me enxergar do outro lado desse luto e até acredito que essa experiência fez de mim uma pessoa melhor, determinada a ser mais generosa, amorosa e corajosa. Sinto meu avô muito vivo dentro de mim e acho isso muito bonito, quase sagrado.
Ainda assim é impossível falar de qualquer outra coisa sem reconhecer a quantidade de espaço que a falta dele ocupa dentro de mim, a energia (lê-se: tempo, atenção) que tenho dedicado para cuidar de mim e da minha família enquanto atravessamos esse processo, ou como essa perda (que foi repentina, mas que também começou lá atrás, quando meu avô teve Covid em 2020) ajudou a dar forma para essa pessoa meio ausente e assustada que sou hoje.
Poucos dias antes da partida do Vadão, nos despedimos também da minha bisavó, no dia do seu aniversário de 100 anos. Falar sobre isso me faz lembrar de uma crônica do Antonio Prata que li há anos em que ele diz que nem toda morte é uma tragédia. Me sinto muito sortuda por ter vivido 29 anos com uma bisavó que se manteve lúcida até seus últimos anos, atenciosa, debochada, desbocada, carinhosa. Estive com ela em março e senti que aquele encontro era também uma despedia. Até meu cachorro, o poodle Francisco, teve a chance de sentar no seu colo e ficar ali um tempão. Nem toda morte é uma tragédia e, parafraseando Antonio Prata, fiquei um pouco triste, sim, mas nem um pouco desesperada.
Em abril, Bruno e eu passamos quase um mês em Buenos Aires, na Argentina. A viagem acabou antes do esperado, em circunstâncias trágicas, e quase tudo que fizemos tinha como pano de fundo boletins hospitalares, choro no telefone e muito medo, mas também vivemos dias e noites muito felizes e me apaixonei perdidamente pela cidade. Buenos Aires tem tudo que mais gosto em um lugar: relevo plano para andar bastante, ruas arborizadas, muitos parques, velharia, comida boa, bibida boa, bares velhos, vermú em todos os balcões e gente andando na rua, vivendo a cidade. Espero voltar em breve.
Na Argentina também vivemos a grande aventura chamada Rock En Baradero, um festival que é uma espécie de João Rock local. Foi lá que vi os primeiros shows de 2023: o grupo de folclore Los Tabaleros, o rebolativo Emmanuel Horvilleur, a explosão pop deliciosa que é o Conociendo Rusia e o El Mató, banda que inspirou toda essa brincadeira. Estar nesse festival foi como ver um show em 2001 e digo isso como um grande elogio. Contei um pouco mais dessas impressões na minha cronologia de looks de festival.
Nesse primeiro semestre também teve o MITA em São Paulo. Eu não tava pronta para o arrebatamento que foi, enfim, ver Alana, Este e Danielle Haim ao vivo. Acho que nunca tinha me entregado a um show com o abandono eufórico com o qual me entreguei no tempo em que elas estiveram no palco, e desconfio que essa vontade de me resgatar passa muito por tudo que senti diante Delas.
Apesar de ter sido lançado ano passado, Dance Fever é o grande álbum desse meu primeiro semestre de 2023. A ansiedade e as questões de saúde mental da Florence são o grande eixo temático do disco e gosto muito da forma como ela conecta isso com sua capacidade criar, e, claro, Ser Mulher na Sociedade (esse tema não me deixa em paz!!!). O show no MITA não foi tão focado no Dance Fever como eu gostaria, mas, ainda assim, sempre que lembro daquela mulher sussurrando I was never as good as I always thought I was / But I knew how to dress it up / I was never satisfied, it never let me go / Just dragged me by my hair and back on with the show enquanto puxava os próprios cabelos (foto acima) eu sinto que minha química cerebral foi permanentemente alterada — e para melhor.
Outros discos que me acompanharam nesses seis meses: the record (boygenius), Renaissance (Beyoncé), Desire, I Want To Turn Into You (Caroline Polachek), Psychopomp (Japanese Breakfast), Women In Music pt. III (HAIM), Skeleton Tree (Nick Cave & The Bad Seeds), La Sintesis O’Knor e La Dinastia Scorpio (El Mató).
As cinco músicas que eu mais ouvi no primeiro semestre, segundo o Last.FM: “Everybody Wants To Love You” (Japanese Breakfast), “The Alcott (The National feat. Taylor Swift), “King” (Florence + The Machine), “Controllah” (Gorillaz feat. MC Bin Laden) e “In Heaven” (Japanese Breakfast").
As cinco músicas que eu mais lembro de ter ouvido no primeiro semestre: “The Alcott” (The National feat. Taylor Swift), “King” (Florence + The Machine), “Controllah” (Gorillaz feat. MC Bin Laden), “El Tesoro” (El Mató) e “The Woman That Loves You” (Japanese Breakfast).
Segundo o Goodreads eu já estou 2 livros atrasada na minha meta de leitura do ano, mas vamos que vamos. O que li até o momento: Os Anos (Annie Ernaux), Circe (Madeline Miller), Spare (Príncipe Harry) (sim) e So Many Thoughts On Royal Style (Elizabeth Holmes) (sim!!!).
No momento estou lendo A Idiota, da Elif Batuman, e não duvido que ele chegará ao fim de 2023 como o favorito do ano.
As coisas mais legais que assisti foram a primeira temporada de The Bear e a temporada final de Succession. Nem tenho o que comentar para além do ARREGAÇO EMOCIONAL que elas me causaram. Aproveitei a assinatura do Star+ para prestigiar a deliciosa Abbott Elemenary, que recomendo a todo mundo que sente falta de um bom romancinho slow burn, e a maravilhosa Better Things, uma espécie de Gilmore Girls atualizada para questões do século XXI. Vi também uma temporada aí de Master Chef Brasil, as duas temporadas de Casamento Às Cegas de 2023, a quarta temporada de Glow Up, fui fisgada por Vai Na Fé, graças a Deus, e estou vagarosamente saboreando The Sopranos.
Eu e Bruno também vimos The Offer, minissérie que conta a história da produção de O Poderoso Chefão, e é de uma canastrice deliciosa. Emendamos com o primeiro filme da saga, claro, e o livro provavelmente vai ser minha próxima (re)leitura. É o meu filme favorito, era o filme favorito do meu avô, e o que tiro disso é que aparentemente meu novo hobby é ler e assistir tudo que diz respeito a histórias de máfia e histórias de família. Por mim tudo bem.
No trabalho, finalmente aprendi a mexer no Excel, comecei alguns cursos online que comprei na época da pandemia (ainda não acabei nenhum) e coloquei alguns projetos mais públicos de pé que me deixaram bem feliz, como essas parcerias com o Projeto Piloto, a Thais Farage, o Imagina Juntas, o Não Inviabilize e a Lela Brandão.
Agora uma palavra dos nossos patrocinadores
Outra coisa legal que aconteceu esse ano foi o convite da parceria da Holistix, uma marca focada em produtos que facilitam a construção e manutenção de hábitos saudáveis e de uma rotina que faz sentido pra vida que a gente quer construir. Eu conheço a Holistix há alguns anos e, nos dias mais escuros da pandemia, coisas pequenas, tipo tomar o golden mix ou o saudoso golden matcha no meio da tarde, eram rituais que realmente fazia minha vida melhor.
Há uns meses recebi alguns produtos da marca para testar2 e aos poucos vou compartilhar o que estou achando deles. Se algum dia eles lançarem alguma coisa pra estimular a memória, deixo aqui registrado que adoraria fazer parte do grupo de testes.
O que eu testei:
(sim, fui eu que escolhi os mimos e acho que esses três itens me representam enquanto ser humano no capitalismo tardio digital)
O que eu estou doida pra conhecer:
Use o cupom AVLOVE para ter um descontinho especial nos produtos da marca e também para fortalecer o trabalho da escritorinha aqui. Prometo que recompenso vocês com um tutorial detalhado de como fazer lavagem nasal.
Ufa, agora acabou!
Obrigada pela companhia e por chegar até aqui. Eu não aguento mais ler textos sobre pessoas que não conseguem mais escrever, que querem retomar o ritmo da escrita ou que estão eternamente recomeçando algum projeto pessoal. Ao mesmo tempo, vira e mexe leio um texto desses e ele me liberta um pouco.
Colocar no papel tudo que tenho feito, pensado e sentido também é uma forma de validar para mim mesma meu caminho até aqui e entender que, se eu já não sou mais a mesma, se eu já não dou conta de tudo como já dei um dia, é porque muita coisa realmente mudou, ou porque as coisas estão pesadas mesmo, não vai caber tudo. Mas nesse constante processo de peneira, de alguma forma a escrita, e sobretudo essa escrita pública, permanece. Às vezes, como no caso da Florence, ela vem como uma febre que não me deixa dormir. Mas às vezes, como também aprendi com ela, colocar a vida no papel é uma forma de redenção.
Enfim! Don’t be a stranger.
Com carinho,
Anna Vitória
Eu não aguento mais ler, pensar e escrever sobre Ser Mulher na Sociedade, mas acho que não vou conseguir ignorar os ATRAVESSAMENTOS dessa experiência e infelizmente escreverei mais sobre isso em breve. Por ora, fica o recado de que estou bem, praticamente recuperada e, apesar de tudo, tive uma experiência muito positiva que compartilho com prazer com quem estiver nessa mesma saga e precisa de histórias com final feliz (eu precisei muito e sei que elas são raras!).
Não estou ganhando nada para falar dos produtos além de um comissão em cima dos produtos vendidos pelo meu link. Pode confiar: se tô falando disso agora, é porque ter essas coisinhas em mãos realmente me ajuda nesse esforço de me reapropriar da minha rotina, do meu foco e a estar um pouco mais presente na minha própria vida.